Golpe ou Revolução

Jango

Ano passado, depois do impeachment de Dilma, uma minoria ruidosa começou a denominar “golpe” o seu afastamento. Segundo esse grupo, teria havido quebra do regime constitucional por, supostamente, não ter ocorrido crime de responsabilidade. Eu já escrevi alguns posts defendendo a constitucionalidade do afastamento, mas o tema sobre o qual me debruço hoje é outro: sendo o afastamento inconstitucional, estaríamos diante de um golpe ou uma revolução?

Essa discussão é mais antiga do que parece. Como as Revoluções Francesa e Russa compuseram parte do ideário da esquerda do século passado, a palavra revolução era reservada, preferencialmente, para fatos históricos ligados à esquerda.

Revolução, excetuando sua utilização fora do contexto inicial, como no emprego em Revolução Industrial, em regra implica a substituição de um poder por outro, de forma brusca, com utilização de violência, que provoque a chegada de outra classe dirigente ao poder.

Já o golpe implica a outorga de constituição ilegal pelo detentor do poder (como a de Napoleão III em 1851 ou das constituições de 1967 e 1969 no Brasil) ou a tomada violenta do Estado por um pequeno grupo de homens, sem que esse assalto provoque a chegada de outra classe dirigente, vinculada a outro regime.

Sob essa ótica, a ascensão do nacional-socialismo de Hitler, por exemplo, apesar de não apresentar violência na tomada no poder, seria mais bem descrita como revolução, já que houve alteração da classe dirigente, dos valores de Governo, acompanhada de uso desenfreado da violência contra adversários e grupos minoritários.

Por conta do grande prestígio do termo revolução, a esquerda francesa recusava-se a utilizar esse termo para o movimento nacional-socialista de 1933 ou para a tomada do poder pelo General Franco, na Espanha, apesar de estarem presentes boa parte dos requisitos para tanto. Esse tema era um dos preferidos da intelectualidade da década de 1950 na França, predominantemente de esquerda, que gastava páginas e páginas para refutar a possibilidade de o termo “revolução” ser atribuído a qualquer tipo de movimento ligado à direita.

O mesmo se deu aqui no Brasil com o movimento de 1964. Inicialmente, os militares propagaram a palavra revolução, que sempre teve um prestígio, a meu ver, demasiado, como se representasse uma ruptura aceleradora de nosso destino (uma concepção claramente marxista). A esquerda venceu essa guerra cultural e quase todos se reportam à tomada de poder pelos militares como golpe, por mais não haja plena aderência ao conceito em que usualmente é empregado.

O Governo Jango era decididamente afinado com a esquerda mundial e a situação interna indicava o início de ruptura da ordem estabelecida, principalmente depois de seu discurso aos sargentos, em 30 de março de 1964. O Governo foi tomado pela força (ainda que quase não tenha sido necessária sua utilização) com a clara substituição da classe dirigente. Ou seja, de fato, o movimento de 1964 está muito mais próximo do conceito de revolução do que de golpe, por mais que ainda hoje seja sofrido fazer esse tipo de uso para o termo “revolução”.

Eu sei que o uso do termo golpe para o impeachment de Dilma é muito mais político do que resultado de reflexões ontológicas sobre o emprego das palavras. Por mais que os conceitos não sejam tão diferentes, golpe, no ideário popular, remete ao fascismo, às injustiças e à tortura, enquanto a revolução prenunciaria um novo amanhã.

É evidente que colar o termo golpe ao impeachment constitucional surte o efeito desejado, deslegitimando o processo e dando vida política aos que foram afastados. Os efeitos disso só o tempo dirá. O que podemos ter por certo é que, como a violência não foi empregada, nenhum dos dois termos, golpe ou revolução, é corretamente aplicado no caso do afastamento de Dilma, ainda que tivesse havido algum tipo de quebra na ordem constitucional. Por mais alto que gritem, por mais barulho que façam, não foi golpe.

Gustavo Theodoro

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