Desde segunda-feira diversos analistas alertaram para a suposta crise institucional em que o País está metido. Muitos culpam o impeachment por uma alegada “fragilidade da democracia” e disseminam o temor de esfacelamento do Governo. Calma lá. A atual crise tem alguns atores coadjuvantes, mas um só ator principal: Renan Calheiros.
O Senador teve que renunciar a seu segundo mandato na Presidência do Senado em 2007 por ter sido divulgado que a construtura Mendes Júnior fazia pagamentos em dinheiro, a título de pensão, à sua amante Mônica Veloso. Por razões que acho que devem ser devidamente apuradas, a denúncia do MPF só foi apresentada depois de quase sete anos. De todo modo, um fato como esse deveria ferir de morte qualquer pretensão política futura. Infelizmente não foi o que ocorreu.
Renan Calheiros foi reeleito para novo mandato e escolhido pelos seus pares para Presidente do Senado por mais dois mandatos. Há onze inquéritos em andamento abertos contra Renan, além do processo que levou o STF a transformá-lo em réu com o processamento da denúncia relativa ao caso Mônica Veloso.
Se há um clamor por instituições fortes, elas não podem ter em seu comando políticos réus em processos criminais. Tomo isso por óbvio. Ocorre que o caso a ser analisado hoje pelo STF contém algumas particularidades, que passo a analisar.
A REDE havia entrado com ADPF combatendo a possibilidade de réus em ação criminal constarem da linha sucessória presidencial. O caso originalmente envolvia Eduardo Cunha, mas o STF decidiu seguir com o julgamento mesmo após seu afastamento. Tóffoli manifestou desconforto com a decisão de prosseguir com a sessão que trataria do tema. Em sua vez de votar, o Ministro pediu vista, claramente com objetivo de adiar a decisão sobre o tema. Ainda assim foram registrado seis votos – ou seja, foi atingida a maioria – negando a possibilidade de réus ocuparem as presidências da Câmara e do Senado. O julgamento restou inconcluso, todavia.
Tóffoli deu todos os sinais de que não incluiria o processo em pauta antes do término das sessões do Senado. Marco Aurélio relatara a ADPF da REDE e trocou notas na imprensa com Tóffoli na última sexta-feira. A chicana jurídica de Tóffoli parecia não ter descido na garganta de Marco Aurélio.
Na segunda-feira, a REDE entrou com nova ADPF, desta vez tratando especificamente do caso Renan Calheiros, tendo em vista sua recém adquirida condição de réu. Vejam, só 2% dos casos são decididos pelo Pleno do STF. Há três STFs: dos Ministros em decisões singulares, das turmas e do Pleno. Todos proferem “decisões do STF”. E a maior parte delas decorre de decisões monocráticas. Pois bem.
Renan e a Mesa do Senado buscaram evadir-se do cumprimento de decisão judicial. Talvez não seja caso de decretação de prisão, visto que a desobediência não é crime inafiançável. Mas o STF tem meios de fazer suas decisões terem a eficácia que o Senado tenta evitar. De todo modo, há alguns pontos que devemos ter especial atenção no dia de hoje:
- Apesar de a ADPF de Eduardo Cunha ter evidenciado uma maioria contra a possibilidade de réus assumirem algum mandato na linha sucessória presidencial, o julgamento não foi encerrado e algum ministro ainda pode alterar seu voto.
- Na quinta-feira passada foi aceita a denúncia contra Renan Calheiros, mas o acórdão, o resumo da decisão, não foi publicado. Sem a publicação, em tese não seriam desencadeados os efeitos que são próprios dessa decisão.
- O caráter liminar do julgamento monocrático de Marco Aurélio pode dividir o STF hoje, visto que é preciso provar que o afastamento de Renan Calheiros neste momento é imperioso, visto que Rodrigo Maia não corre risco evidente no momento e nem sequer Michel Temer tem seu mandato ameaçado no curto prazo.
Assim, meus caros, o STF provavelmente resolverá a questão hoje e sua decisão será acolhida pelo Senado. Como disse a Ministra Cármen Lúcia, não há saída fora da democracia: é isso ou a guerra. Vamos continuar optando pela democracia. Os terroristas das crises institucionais podem se acalmar. Como disse Mill, “não é aquele que tem esperança quando há desespero, mas aquele que se desespera quando há esperança que é admirado por todos como sábio”. Por isso vemos todo esse alarido. Mas vamos com calma.
Apesar dos evidentes problemas de relacionamento entre alguns Ministros do STF e a despeito das manobras efetuadas por Renan e a Mesa Diretora do Senado desde segunda-feira, tudo indica que a partir de hoje as decisões voltarão a ser cumpridas. Se Renan se manterá como Presidente do Senado até o final de seu mandato não temos como antecipar.
O que me parece claro é que, para navegar em mar de almirante, será necessário que o próprio Legislativo se antecipe às crises e evite a eleição de investigados para o comando de suas Casas. Enquanto isso não ocorrer, nossas instituições estarão em teste. Até aqui elas têm funcionado muito bem.
Gustavo Theodoro