Mês: setembro 2014

Declaração de Voto

Trinca

A eleição presidencial de 2014 representa a quebra de uma dualidade que já perdura por 20 anos. Desde 1995, os dois principais candidatos são do PT e do PSDB. Neste ano, o fenômeno Marina Silva se interpôs a essa dualidade e tem grandes chances de ir para o segundo turno contra Dilma Rousseff.

Tanto PSDB quanto PT tiveram raízes no pensamento de esquerda. O PSDB foi formado por lideranças do antigo MDB, que resolveram estar presentes na primeira eleição direta realizada no Brasil após a ditadura militar. O PT teve como berço o trabalhismo sindical da região do ABC paulista. Agregou, a contragosto, a turma ligada ao socialismo e disputou suas primeiras eleições presidenciais também em 1989. Em 1993 a esquerda brasileira poderia ter se reunido no Governo Itamar, na primeira tentativa de se fazer um governo dos bons. O que poderia ter unido os partidos acabou por separá-los. FHC se apropriou do Plano Real, o PSDB virou governo e o PT seu grande adversário. Quem se aproveitou desta divisão foram os velhos políticos do PFL/DEM, inicialmente, e do PMDB, posteriormente.

Vivemos anos de razoável estabilidade econômica, de alguma recuperação da renda, de evolução institucional, mas vimos prosperar as velhas práticas políticas e o ressurgimento de figuras como José Sarney, Jader Barbalho, ACM, Jucá, Renan Calheiros, Collor, dentre outros. Vimos ainda os principais partidos políticos do Brasil se degradarem em suas passagens pelo poder. O PSDB deixou diversas situação não explicadas em sua gestão, principalmente no que concerne às privatizações e à compra de apoio parlamentar para a emenda da reeleição. O PT comprou a base parlamentar no primeiro mandato de Lula e esteve presente nos principais episódios de corrupção dos últimos anos.

A atual campanha começou já cansada das disputas anteriores. O PSDB indicou Aécio Neves, que parece não estar muito disposto a ser presidente. Até hoje não escreveu seu programa de governo. Apresenta uma equipe razoavelmente competente, mas o tema dominante da sua campanha é a retirada do PT do poder. Nesta semana, teve desempenho fraco no Bom Dia Brasil justamente quando as perguntas se referiam a suas propostas se eleito presidente.

O Governo de Aécio em Minas Gerais foi marcado por seu famoso choque de gestão. Já demonstrei aqui que toda a parafernália de indicadores e remuneração por resultados não trouxeram melhorias além da média do país na área da educação. Na área de segurança, o mesmo sistema implantado gerou aumento da violência, se o indicador observado é o número de homicídios por 100 mil habitantes.

O PSDB tem minguado a cada eleição. Com a entrada de Marina Silva na disputa, o partido corre o risco de estar fora do segundo turno pela primeira vez desde que Lula venceu as eleições de 2002. Resta São Paulo, onde Alckmin deve vencer no primeiro turno, e dois ou três estados menos significativos economicamente. Pode-se dizer que esse resultado é fruto de suas escolhas.

Depois de oito anos ocupando a presidência, o PSDB renegou seu legado. Os candidatos José Serra e Geraldo Alckmin tentaram, de todos os modos, se desvincular dos anos FHC, como se não fossem do mesmo partido. O PT se aproveitou desta fraqueza. Cunhou o termo herança maldita, relacionou o governo do partido à velha herança patrimonialista brasileira, atirou o partido para a direita e passou a ocupar a centro-esquerda.

O PT demonizou o PSDB a ponto de o próprio PSDB se ver como um partido dos ricos. Aécio Neves utiliza termos que a maioria da população não conhece. Ao ser questionado sobre a resistência dos sindicatos a seu nome, ele declarou que é assim mesmo, que a relação entre governos e sindicatos, entre patrão e empregado, é sempre conflituosa, adotando, como andar de cima, a tese do conflito de classes inventada pela esquerda.

Por conta disso, parece ser verdadeira a ideia de que o PSDB não gosta de povo. Ao tratar de metas de inflação, é evidente que a decisão deve ser técnica. Mas não precisa ser insensível. Podemos achar que, para as finanças públicas, o salário-mínimo está alto. No entanto, mesmo que a decisão técnica seja tomada, é necessário ter a sensibilidade suficiente para reconhecer que seu valor não permite a subsistência de uma família. Mesmo que seja necessário fazer algum ajuste, ele deve ser feito com dor. O discurso técnico é necessário, mas a sensibilidade social se faz presente. O político por vezes deve se sobrepor ao técnico. O político é o maestro da orquestra. Sem descuidar dos músicos, é o maestro que dá o ritmo da música. O certo é que o PSDB parece ter gostado do discurso técnico envolvendo juros, câmbio e gasto público, esquecendo-se de que cada decisão dessa têm um impacto nem sempre desprezível na população de um país. E esse discurso tecnicista e a notável insensibilidade social o afastou do povo.

Do Governo Dilma já escrevi suficientemente nos últimos meses. Foram cometidos erros terríveis na condução da política econômica que reduziram nossa credibilidade internacional, impedindo o crescimento no investimento privado. O programa Mais Médicos é o retrato acabado da falência de nosso sistema de saúde. Depois de 10 anos do poder, não temos médicos suficientes para suprir a demanda, o que revela falhas também na política de formação de profissionais de saúde. O número de leitos caiu no Governo do PT. Na educação, o Pisa nos revela anualmente que não temos evoluído na velocidade necessária. O nível superior não forma engenheiros e médicos, o ensino médio não retém os alunos, e o nível fundamental não consegue atingir nem mesmo as modestas metas estabelecidas pelo Governo. Nossa infraestrutura continua precária, com filas em portos e aeroportos. E o mais importante: no Governo Dilma paramos de crescer. E não há perspectivas de crescimento para os próximos anos.

Aliás, Dilma também não escreveu seu programa de Governo. Tem feito ameaças de repetir o que fez nos últimos quatro anos. Disse a Presidente que não precisa de programa de governo, pois ela já mostrou do que ela é capaz. Às vezes Dilma é involuntariamente engraçada.

Se eu fosse de esquerda, diria que pela primeira vez uma negra, e ainda mulher, pode ser Presidente da República no Brasil. Como não costumo discriminar raças ou gêneros, cito apenas as qualidades intrínsecas de Marina. Sua história política sempre foi ligada à causa verde e à defesa do meio ambiente. Militou no PT por 24 anos. Deixou o PT ao perceber que o partido se transformou em mero instrumento da luta política. Concorreu há quatro anos pelo PV e ameaçou tirar José Serra na reta final. Saiu fortalecida com 20% dos votos e com tempo para se preparar para o próximo pleito.

Uniu-se a dois dos melhores pensadores brasileiros contemporâneos, André Lara Resende, de quem sou admirador, e Eduardo Gianetti, instigante filósofo. Marina fez uma autocrítica que lhe permitiu compreender os erros cometidos pela política econômica de Dilma. E passou a defender a ortodoxia econômica como instrumento para melhoria da condição de vida da população.

Depois de se preparar para fundar seu partido, sofreu o revés de não vê-lo formalizado a tempo para disputar as eleições presidenciais deste ano. A união com Eduardo Campos e a queda do avião deram nova chance a Marina Silva.

Apesar de ter uma campanha ainda sem estrutura, com pouco dinheiro e quase nenhum tempo de televisão, apesar de sofrer ataques diários – e mentirosos – das campanhas de Dilma e de Aécio, mantém, nas pesquisas, cerca de 30% do eleitorado. A explicação para isso é difusa, mas está relacionada ao cansaço do brasileiro com o velho embate PT x PSDB, com o esgotamento do Governo Dilma e com a rendição do PSDB.

Além disso, Marina Silva tem se revelado extremamente habilidosa nas entrevistas que concedeu até aqui. Os quatro anos longe do Senado e da atividade política cotidiana lhe permitiram a ampliação de seu leque de leituras, que vai de Hannah Arendt a Lacan. Com isso, as imensas dificuldades que passou em sua infância e juventude, inclusive seu atraso na alfabetização, parecem ter sido totalmente superados.

As dificuldades de seu eventual governo são evidentes: seu casamento com o PSB ainda está conturbado, sua base parlamentar terá que ser construída e seus quadros terão que ser buscados na sociedade civil e em outros partidos. Não são dificuldades pequenas, reconheço, mas que podem ser vencidas. É bom que se ressalte que Marina Silva é detentora de experiência parlamentar e que milita na política há mais de trinta anos, o que lhe dá credencias para superar os desafios e construir uma nova base política.

Das três principais candidaturas, só Marina Silva divulgou seu programa de governo. Os adversários muito criticaram seu programa, que foi modificado em alguns pontos. No entanto, os mesmos adversários que formularam as críticas nem sequer se deram ao trabalho de detalhar suas propostas.

Marina Silva gosta de repetir a história de sua vida, a sua luta contra as doenças da Amazônia, a malária, a leishmaniose, a hepatite e a contaminação por mercúrio, chumbo e ferro. Quando lhe são apresentadas as dificuldades de governar sem uma base de sustentação sólida, é à sua história pessoal que ela remete para demonstrar sua força. Quando a todo momento lhe cobram o pragmatismo, ela cita Santo Agostinho e a capacidade de humano de criar o novo de onde antes só havia uma ideia, um sonho. Nesse sentido, Marina se coloca tal como o super-homem de Nietzsche, o homem que supera a si mesmo, que vai além de suas capacidades atuais, que cria o novo. Nessas eleições, é Marina que representa a esperança, o novo e possibilidade de devolver à política sua dignidade perdida. Como contraponto ao pragmatismo do mundo, nessa eleição resolvi ser sonhático. Por isso, voto em Marina Silva para Presidente da República.

Gustavo Theodoro

O Brasil de Dilma

O Fim de Dilma

Adversários do PT costumam ser injustos com o período em que Lula foi presidente. É necessário reconhecer que a ética nunca foi um valor muito considerado nos governos do PT. Por outro lado, há ações que devem ser defendidas, como a ortodoxia econômica do primeiro governo Lula e a assistência aos pobres promovida pela expansão dos programas de bolsas.

Já o Governo Dilma tem se esforçado para reverter os ganhos não só dos tempos de Lula, mas também de FHC. Os propagandistas do atual governo gostam de tratar, conjuntamente, dos últimos 12 anos como se fossem uma continuidade. No entanto, se dissociado dos demais, ou seja, se julgarmos o Governo Dilma apenas pelos últimos quatro anos, é muito difícil evitar termos como desastre ou derrocada.

As contas públicas se deterioraram. O crescimento foi o pior dos últimos 100 anos. A renda já quase não sobe mais. A Petrobras vive às voltas com escândalos de corrupção. O governo promoveu o desarranjo econômico por meio de excessiva intervenção na economia, com a política dos campeões nacionais, com investimento de grande porte em empresas que acabaram falindo, com incentivos às indústrias que apresentavam lobbies mas eficazes e com a introdução de maior confusão tributária (vide a Cofins e suas inúmeras regras e exceções). A balança comercial se inverteu e nos tornou dependentes do dinheiro estrangeiro de curto prazo. Não demos o necessário salto na área de educação e nossa infraestrutura continua contribuindo para aumento do custo brasil. Nenhuma reforma estrutural, como a tributária, por exemplo, foi levada adiante.

No entanto, havia duas áreas em que o Governo podia se declarar vencedor: o baixo desemprego e a redução da desigualdade. Sobre o desemprego baixo, já escrevi anteriormente. Houve imenso salto nos seguros desemprego (cujo gasto saltou de R$ 10 bi para R$ 50 bi em 5 anos) em decorrência da flexibilização de suas regras. A aposentadoria precoce continuou absorvendo parte da mão de obra ativa. As bolsas também contribuíram para a inatividade da população. O resultado disso é que há mais pessoas em idade ativa sem trabalhar no Brasil do que na Europa em crise. Nosso desemprego baixo, sob este prisma, parece mais um problema do que uma solução.

Ainda restava a queda da desigualdade. Ainda restava o discurso: o Brasil perdeu a credibilidade internacional, mas reduziu a desigualdade. Nesta semana tomamos conhecimento de um detalhado estudo publicado por pesquisadores da UnB e do Ipea. Para surpresa de muitos, inclusive minha, a conclusão foi a de que a desigualdade, na verdade, está estável desde 2006. A suposta queda, baseada apenas nas Pnad, não se confirmou quando dados de imposto de renda foram levados em consideração. Ou seja, utilizando-se método similar ao proposto por Piketty, os pesquisadores concluíram que a desigualdade está estável nos últimos anos.

Como destacou Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo desta semana, o próprio inventor da nova classe média e do mito da queda da desigualdade, Marcelo Neri, sabia da fragilidade da utilização da Pnad, conforme destacou em sua afirmação de 2008: As pesquisas não captam bem a renda dos ricos e do capital em geral. Por isso não acredito em estimativas de ricos no Brasil a partir de pesquisas domiciliares.

Caros aporéticos, a verdade quando emerge tem um poder devastador. E ela tem nos revelado que o Governo Dilma, de fato, fracassou. Não conseguiu manter o crescimento entregue por seu antecessor, nem a credibilidade externa do país. A maquiagem dos dados tem tirado a credibilidade das contas públicas e, agora, a credibilidade dos nossos órgãos de pesquisa, como o IPEA e o IBGE. Agora tomamos conhecimento de que todo o discurso da queda da desigualdade se baseava em pesquisas de campo, que Marcelo Neri colocou em dúvida em 2008 por não captar a renda dos ricos e do capital em geral. Quando Piketty revelou que o Governo brasileiro se recusara a entregar os dados agregados de imposto de renda, uma luz amarela se acendeu. Pesquisadores brasileiros agora tiveram acesso aos dados e revelaram que a queda da desigualdade nunca passou de publicidade governamental. Não há mais como ficar ao lado desse Governo. É hora de mudança. A próxima coluna virá com declaração de voto.

Gustavo Theodoro

Mesmo Se Nada Der Certo

 

Em 1947, os EUA lançaram o Plano Marshall. A Europa estava destruída e ninguém queria repetir os erros cometidos no final da Primeira Guerra. Os países da Europa ocidental que aceitaram aderir ao plano e receber os recursos do EUA tiveram imenso desenvolvimento no período de 1947 a 1951. Muitos levaram sua economia a patamares superiores aos observados antes da Segunda Guerra.

Alguns países do leste europeu não dispunham de autonomia suficiente para decidir seu futuro. A Polônia, por exemplo, encontrava-se subjugada pela URSS e não lhe foi permitido aderir ao Plano. No entanto, um país em especial poderia ter recebido os recursos dos EUA: a Tchecoslováquia. O partido comunista ainda não estava no poder quando do lançamento do plano. E seu governo ainda operava com razoável autonomia. Só sete meses após a Tchecoslováquia recusar a ajuda americana o partido comunista deu golpe de estado, colocando o país à disposição da URSS. O resto é história. Os países da Europa ocidental se tornaram ricas democracias e os países do leste europeu tornaram-se países pobres e esfaimados.

Evidentemente, o historiador está em vantagem sobre os que viveram o momento. Hoje já sabemos que o regime comunista só durou tanto tempo em razão de sua natureza totalitária, e não devido a seus méritos econômicos. A análise dos discursos dos políticos tchecos do período revela, no entanto, que havia considerável conhecimento das vantagens de aderir ao Plano Marshall. Havia, no entanto, o medo de sair da esfera de influência da URSS. O medo, ao final, acabou predominando. E isso selou o destino do país.

Há um vídeo de uma aula de Michael Sandel sobre justiça que é muito revelador. Antes de chegar a ele, é bom recobrar as lições dos meus velhos filósofos. Já escrevi aqui o que Sócrates pensava sobre a capacidade humana de discernir o certo do errado, os comportamentos moralmente justificáveis dos imorais. Em certo momento de seu diálogo com Fedro, Sócrates disparou a pergunta: o que é bom, Fedro, e o que não é bom; será que alguém precisa lhe ensinar isso? Não me surpreende que Sócrates duvide de que alguém precise aprender algo para fazer bons julgamentos morais.

Ocorre que Kant também escreveu algo que vai na direção semelhante. Veja que isso é, sob muitos prismas, surpreendente. O Sócrates de Platão acredita que já nascemos com a posse de todo o conhecimento de que precisamos. Mas não temos acesso imediato a ele. Kant, é bom que nos lembremos, tirou a metafísica da sala (é certo que depois a trouxe de volta discretamente, mas sobre isso já escrevi).

Para Kant, no entanto, o bom julgamento moral não decorre de lembranças de um contato com a verdade, mas sim de virmos equipados de plena competência para distinguir o que é bom do que é mau, o que é conforme e o que é contrário ao dever, bastando que, sem nada lhe ensinarem de novo e aplicando apenas o método de Sócrates, a torne simplesmente atenta a seu próprio princípio (da razão), mostrando-lhe como não precisa de ciência nem de filosofia para saber como é que uma pessoa se deve portar para ser honesta e boa, e até sábia e virtuosa.

Voltemos então à aula de Michael Sandel. O tema é justiça. Um auditório lotado de alunos de primeiro ano interage com o professor. E Sandel propõe algumas questões morais que rapidamente se tornam complexas. O que impressiona no vídeo é como alunos de primeiro ano, que ainda não estudaram Kant ou John Raws, conseguem tomar, quase sempre, as melhores decisões diante das questões apresentadas. Ou seja, a aula de Sandel, de certo modo, comprova empiricamente os pensamentos de Kant e Sócrates.

Voltemos agora à Tchecoslováquia. Seja pela razão, seja pelo conhecimento inato, os tchecos sabiam qual era a decisão certa a tomar. E tomaram más decisões pelo simples fato de terem medo de encarar as consequências. Kant nunca foi utilitarista. Nunca foi pragmático. Na terminologia moderna, ele estaria mais para sonhático. Por isso Kant, se ousasse dar conselhos, diria para seguirmos o caminho que sabemos correto. Mesmo se nada der certo.

Gustavo Theodoro

Independência do Banco Central

Banco Central

O programa de governo de Marina Silva propõe instituir, por meio de lei, a independência o Banco Central. Como todos sabem, independência do banco central não passa de uma medida que busca assegurar ao sistema financeiro que o BC tomará as medidas necessárias ao controle da inflação. A promessa faz sentido neste momento, já que a interferência do Governo Federal no Banco Central foi uma das principais causas que nos levaram a tão baixo crescimento, a certo descontrole inflacionário e ao retorno dos juros a antigos patamares. Dilma irá entregar a seu sucessor taxas de juros superiores às recebidas do Presidente Lula.

Em 2012, o descontrole fiscal começou a afetar a inflação. Havia, no entanto, a percepção de que os juros no país eram artificialmente altos. Diante da necessidade de poupar recursos para fazer frente aos gastos contratados, a redução dos juros pareceu boa alternativa, uma vez que países com juros mais baixos são, normalmente, mais desenvolvidos. Os agentes financeiros, que decidem o destino dos bilhões de dólares ávidos por um bom lugar para investir, já desconfiavam dos números fiscais do governo. E desconfiavam da autoridade do Banco Central para fazer o que fosse preciso para conter a inflação. Em 2012, Dilma fez a seguinte declaração: Não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico. É uma frase tão equivocada que fez o mercado financeiro balançar.

O equívoco não está apenas no atentado à nossa bela língua. O mercado interpretou que Dilma seria mais leniente no combate à inflação, pois, segundo ela, combater a inflação inibe o crescimento. Trata-se de imensa confusão de conceitos que nos faz temer pelos próximos quatro anos.

Apesar de o governo ter publicado notas depois deste episódio negando que a Presidente iria interferir na política de juros do BC, os juros seguiram baixos e a inflação seguiu se aproximando do topo da meta. Os agentes financeiros davam por certo que era Dilma quem tinha o controle do BC e passaram a exigir juros maiores para garantir o ingresso de recursos no país, que passou a ser necessário tanto por conta do déficit na balança comercial como para apreciar o câmbio, reduzindo a pressão inflacionária.

Fosse o Banco Central independente em 2012, não estaríamos hoje no atual patamar de juros e poderíamos estar economizando algumas dezenas de bilhões de reais com o pagamento das taxas de rolagem da dívida. Ao desafiar o mercado, nós é que pagamos a conta.

A recente campanha eleitoral da candidata petista também não auxilia seu eventual futuro governo. A campanha de Dilma, como todos sabem, é milionária. A campanha de Dilma arrecadou, até o momento, quase R$ 130 milhões, enquanto a de Marina ainda não atingiu os R$ 30 milhões. Dilma tem tempo de televisão quase dez vezes superior ao de Marina. Na última semana, Dilma falou mais de Marina do que a própria Marina, com seus 1min29seg. Ou seja, Dilma tem mais tempo para denegrir Marina do que tem Marina de falar sobre seu programa de governo.

Pois bem. Semana passada Dilma gravou um filmete sobre o futuro que os brasileiros devem esperar com Marina presidente. No filme, a comida desaparece dos pratos dos pobres, dando a entender que os recursos seriam repassados a banqueiros inescrupulosos. É preciso reconhecer que o PT sabe ganhar eleições. Resta saber se haverá cooperação dos agentes econômicos para governar.

E mais: ao retratar o sistema financeiro como um bando de avarentos oportunistas, a campanha petista acaba por reforçar a imagem de avesso aos mercados. Inevitavelmente isso terá um custo na condução da política econômica em eventual governo petista. Quando me refiro a custo, não estou falando em custo político ou emocional. O custo é financeiro mesmo. Como nossa dívida bruta está na casa dos 70% do PIB, o custo de sua rolagem é a maior conta do país. Cada ponto da Selic representa um custo adicional de cerca de R$ 6 bilhões ao ano. Isso equivale a seis Prouni.

Ao manter o discurso belicoso, mesmo que se trate apenas de discurso, contra o sistema financeiro e os agentes econômicos, é possível que Dilma vença as eleições. Isto porque anos de governo de esquerda reforçaram o preconceito do eleitor contra o mercado financeiro, contra os empresários e contra tudo aquilo que represente alguma forma de riqueza. No entanto, a vitória das eleições por meio deste caminho acirra as desconfianças não só do hot money (do qual o país continua dependendo), mas dos responsáveis pelo investimento direto.

Sem investimento direto, torna-se ainda mais necessário o capital especulativo. E ele só virá se os juros compensarem o risco. Logo, as bravatas disparadas contra o mercado financeiro, ao invés de proteger os pobres dos ricos, faz justamente o contrário: aumenta a sangria de recursos de nossos já combalidos cofres públicos em direção aos donos do capital.

Neste sentido, foi importante para sua governabilidade Marina declarar ser favorável à independência do BC. Uma medida como essa dificilmente passará pelo Congresso. Mas essa sinalização tornará mais simples para o novo governo tirar o país da situação em que vivemos atualmente, com descontrole fiscal (disfarçado e maquiado), inflação do topo da meta, primeiros sinais de aumento do desemprego, desindustrialização e, principalmente, crescimento econômico medíocre (gosto de lembrar que há 100 anos não crescemos tão pouco como no Governo Dilma). Não vai ser fácil recolocar o País no rumo certo. Mas sinalizações corretas durante a campanha podem acelerar a recuperação de nossa economia.

Gustavo Theodoro

Tudo Pelo Poder

Os recentes ataques do PT a sua ex-filiada, Marina Silva, revelam o quanto a manutenção do poder se tornou vital para o Partido dos Trabalhadores. Marina Silva esteve no PT por 24 anos. Participou de quase todas a lutas do partido. E o deixou enquanto Lula estava no poder, mostrando considerável desapego.

Dilma Roussef era do PDT. Sempre teve cargos comissionados em razão de sua filiação. No breve período em que não conseguiu alguma assessoria, na década de 1990, abriu uma loja de R$ 1,99 que trazia produtos importados do Panamá. O negócio não deu certo e fechou em menos de um ano. Quando Olívio Dutra foi eleito com apoio do PDT, Dilma voltou a ocupar cargo comissionado. Mas PT e PDT não se entendiam. O PDT deixou a aliança com Olívio Dutra em 2001. Dilma era Secretária de Minas e Energia do Governo do Rio Grande do Sul e, entre a fidelidade ao partido e o cargo, optou pelo cargo. Ela deve ter concluído que não é fácil ser empresária. Filiou-se ao PT para permanecer Secretária.

Em todo esse período, desde 1985, Marina Silva era do PT. Perdeu quatro eleições com Lula. E saiu quando Lula estava no auge de popularidade. Dilma só esteve com Lula em 2002. Interessante esse paralelo.

Por isso causa tanta estranheza a virulência dos ataques de Dilma e do PT contra Marina. Sustentada por banqueiros, contra o pré-sal, fundamentalista, contra o desenvolvimento. E Marina não passou a falar uma língua tão diferente de quando estava no PT. Ela continua tendo como principal bandeira o crescimento sustentável da economia (a mesma defesa que fazia quando estava no PT). Defende a retomada do tripé econômico, tal como foi praticado no primeiro mandato de Lula. De novidade, defende a autonomia do Banco Central, tema controverso, mas de que tratarei em breve.

A Petrobras teve como Diretor de Abastecimento dos governos petistas, por 8 anos, Paulo Roberto Costa. Dilma era Ministra de Minas e Energia quando ele foi indicado. Era Presidente do Conselho da estatal quando ele ganhou desenvoltura. Era a toda poderosa da Casa Civil quando foi feita parte significativa dos desembolsos da Refinaria Abreu e Lima – que, nunca é demais lembrar, vai custar mais de R$ 40 bi, sendo que foi orçada em menos de R$ 5 bi. Não posso deixar de lembrar esses fatos e relacioná-los à virulência dos recentes ataques do PT à Marina.

Na história escrita pelo PT, os vilões eram o PSDB e o DEM, que estavam no poder há 500 anos. Contra eles fazia sentido utilizar todas as armas disponíveis. Marina não veste o figurino do espantalho criado pelo PT. Mas está sendo transformada nele. A única justificativa que encontro para tal conduta é que o poder deve mesmo ser muito bom. E ninguém quer se desgarrar dele.

Gustavo Theodoro

Da Nova Política

Marina Silva

A expectativa de mudança sempre traz em si uma mensagem de esperança. A realidade não é páreo para a utopia, para o sonho. Por isso, é comum vermos o sentimento de mudança, de tempos em tempos, prevalecer sobre o conservadorismo.

A Revolução Francesa ecoou por todo o mundo propagando seus ideais libertários. Kant acompanhava diariamente os jornais, ansioso por tentar compreender a maioria silenciosa, que não tomava parte dos acontecimentos, mas era vital para o curso da história. Sua torcida era para que a revolução construísse uma sociedade melhor. Burke, conservador inglês, defendeu o sistema parlamentarista monárquico com unhas e dentes, apontando as inúmeras conquistas que aquele regime tinha legado à Inglaterra, onde também era posto em cheque. Era o embate entre a esperança de melhoria com as mudanças contra o medo de perder o que já foi conquistado.

O historiador distante no tempo consegue perceber, nitidamente, as inúmeras mensagens positivas incorporadas pelo ocidente como fruto da Revolução Francesa; mas não deixa de reconhecer o enorme fracasso dos governos que sucederam a monarquia francesa nos anos seguintes.

Vivemos um novo dilema no País. Tivemos, a partir de 1992, governos que conseguiram levar adiante algumas reformas necessárias ao nosso desenvolvimento. É possível, no entanto, que estejamos vivendo um momento de transição. É preciso, antes, fazer uma breve rememoração de nossa história recente para que possamos observar com mais exatidão o momento atual.

Em 1989, nas primeiras eleições livres após a ditadura militar, restaram duas candidaturas no segundo turno: Collor, do PRN e Lula, do PT. O PSDB havia caído no primeiro turno. Todas as forças herdeiras da ditadura se alinharam à Collor. O PSDB não conseguiu seguir unido naquele segundo turno. Mário Covas deu apoio discreto à Lula, mas parte de seu partido fez campanha para Collor. Hoje pode parecer impossível uma coalizão entre PSDB e PT, mas naquele tempo era a opção natural. Mas o PSDB tinha expectativa de chegar ao poder no futuro e preferiu não aderir, unido, à campanha de Lula. Collor venceu e teve que governar com o PFL (DEM).

Com o naufrágio do Governo Collor, Itamar Franco pretendeu fazer um governo dos melhores. Chamou as principais forças políticas do País, dentre elas o PT e o PSDB, para um governo de coalizão, mas uma coalizão dos melhores. Desta vez foi o PT quem não quis participar do governo, frustrando pela segunda vez aqueles que gostariam de vê-los juntos. O PSDB saiu como o grande vencedor do Governo Itamar, pois foi no Ministério de FHC que foi gestado o Plano Real, que finalmente controlou os preços, levando a inflação a patamares civilizados.

Eleito FHC contra Lula, era necessário governar. O PT naquele momento pretendia aguardar as próximas eleições. O que restava no congresso eram as forças que haviam sido derrotadas com o fim da ditadura e com a derrubada de Collor: o PFL e o PMDB. Nomes como Jucá, Sarney, ACM, Renan Calheiros, começaram a se tornar importantes no governo tucano, enquanto a disputa PT e PSDB se acirrava. Quando Lula venceu as eleições de 2002, ninguém mais contava com a possibilidade de um governo composto pelas maiores forças políticas do País. Como disse Marina Silva recentemente, parte das melhores pessoas está sentada no banco de reservas há muito tempo. Enquanto isso, Renan, Collor, Jucá e Sarney dão as cartas.

Lula tentou o mensalão. Depois voltou ao velho presidencialismo de coalizão, com entrega de cargos e ministérios em troca de votos. O PT construiu a maior base de sustentação parlamentar desde a ditadura militar. Aos poucos somos informados dos métodos empregados.

Pesquisas captam que a população quer mudanças. A distribuição de votos do PT nesta eleição é semelhante à de Collor em 1989. Os grotões votavam em Collor, enquanto a população urbana votava em Lula. Naquele tempo, o petismo dizia que o voto esclarecido estava com o PT. Que os pobres não votavam em Lula por falta de informação. Agora são os grotões que votam no PT. O pessoal dos centros urbanos mais escolarizados quer mudança. Um observador imparcial, como eu, diria que quem se informa não vota no PT. O petismo tem outra explicação: para eles, os pobres não votavam no PT em 1989 por que eram ignorantes. Agora que votam, é porque o PT fez um Governo para eles.

Talvez o cansaço provocado por esta eterna briga entre PT e PSDB, que levou os piores quadros para o poder, é que esteja impulsionando a candidatura Marina Silva. Com a imagem do governo dos melhores, Marina retoma o sonho de Itamar em um momento em que aquilo parecia possível. A imagem de Sarney, Renan, Collor, Jucá e Lobão faz com que o PT seja visto como o velho, a opção conservadora. Como o PSDB parece não ter um candidato competitivo desta vez, o eleitor parece querer deixar para trás esse presidencialismo de coalisão por cargos que impera desde o Governo FHC. E Marina Silva parece ser a melhor opção para vencê-lo.

Gustavo Theodoro

Dos Limites Éticos

politicos ricos

No estudo da moral e da ética, é bem conhecido o dilema que vivem os que resolvem atuar na esfera pública. Por vezes, o realismo político impõe o descumprimento de promessas, a quebra de acordos ou mesmo o emprego da mentira como medida tática, visando ao alcance de um bem maior.

Temos visto no Brasil pessoas bem intencionadas defenderem esses 12 anos de governo do PT sob o argumento de que os pobres foram beneficiados neste período, o que supostamente não teria acontecido com outro governo. A divisão entre pobres versus ricos tem sido manejada repetidamente, como se o maior partido do país, ocupante do cargo mais importante da República em um regime presidencialista, não constituísse uma elite tal como a econômica ou mesmo a cultural.

Até aqui tanto o discurso da flexibilidade ética quanto o da identificação da elite política com os pobres tem sido bem sucedido. Resta saber que efeitos terão as últimas revelações do ex-Diretor da Petrobrás, Paulo Roberto da Costa, sobre a percepção dos ferrenhos defensores do atual governo.

O Caso Petrobras é grave pois não se trata de uma empresa qualquer: é a maior empresa da América Latina. Além disso, a Petrobrás foi frequentemente utilizada nos embates eleitorais para decisão dos pleitos. Um diretor da Petrobrás do Governo FHC sugeriu mudar o nome da Petrobras para Petrobrax, o que gerou forte reação da oposição da época, encabeçada pelo PT, sob a acusação de que a medida não passava de preparação para a privatização da empresa. Nas sucessivas campanhas presidenciais, esse episódio foi revivido para decidir as eleições. O PT sempre se apresentou como aquele que mais bem tinha autoridade moral para defender a empresa.

Até hoje o PT se porta desta maneira. Marina Silva não deu, segundo Dilma Rousseff, a devida importância ao pré-sal em seu programa de Governo. No debate do SBT, o assunto pré-sal foi escolhido por Dilma para fazer seu primeiro ataque direto a Marina Silva. Isso revela o quanto o PT conta com a identificação entre a Petrobras forte e seu mandato.

As revelações de Paulo Roberto da Costa, segundo a Revista Veja, desmontam a tese de que a empresa estatal está defendida dos interesses escusos. Segundo ele, os contratos bilionários firmados pela Petrobras sempre continham percentual de devolução. Ou seja, sempre que um contrato era assinado com as empreiteiras da Petrobras, parte desses recursos deveria voltar por meio de paraísos fiscais ou doleiros para abastecer a base aliada do Governo.

Nem é possível dizer que Dilma Rousseff não tinha nada a ver com isso. É certo que as notícias mais recentes dão conta de que foi o próprio ex-Presidente Lula que indicou Costa para uma Diretoria da Petrobras. Mas Dilma Rousseff era Ministra de Minas e Energia em 2004, ano em que Costa foi indicado. Quando foi para a Casa Civil, Dilma tornou-se Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás. Torna-se difícil alegar distanciamento do caso, já que são tantos os indícios de proximidade. Paulo Roberto da Costa ficou 8 anos no cargo, de 2004 a 2012. É improvável que um dia tomemos conhecimento do montante de recursos públicos desviados por essa quadrilha. Mas não custa tomarmos nota de alguns valores.

O Bolsa-Família, programa de maior uso eleitoral pelo Governo, custa anualmente R$ 25 bi. O Prouni, programa que permite o ingresso de jovens de baixa renda em faculdades de baixa qualidade, custa menos de R$ 1 bi por ano. O Programa Mais Médicos custa cerca de R$ 1,5 bi por ano, sendo que deste valor cabe à Cuba R$ 1 bi. Agora vamos à Petrobrás. Pasadena será ainda objeto de depoimento de Paulo Roberto da Costa. Mas o prejuízo registrado pela Petrobrás foi de R$ 500 mi, apesar de analistas de mercado apontarem perdas superiores a R$ 1 bi. Uma única refinaria, que ainda não está pronta, já tem custo estimado de R$ 40 bi. Trata-se da Refinaria Abreu e Lima, construída em Pernambuco, terra do falecido Eduardo Campos. São R$ 40 bi por uma refinaria. Que ainda não está pronta.

É evidente que comprar uma base aliada custa muito dinheiro. Nunca, desde a ditadura militar, um presidente teve base tão robusta como a Presidente Dilma. Parece que, com as revelações recentes, torna-se mais claro como alguém tão pouco afeita à política partidária construiu a maior base da história recente.

Pela minha vivência dos anos recentes, os últimos iludidos ainda apelarão para a necessidade da reforma política e da instituição do financiamento público de campanha, como se acreditassem que essa montanha de dinheiro se devesse exclusivamente ao “caixa 2 eleitoral”. Assim, mas uma vez o culpado será o PMDB e o sistema político, que força o honesto mas pragmático partido do Governo a tomar caminhos que preferiria evitar. Resta saber em que momento o pragmatismo se transformou em puro descaramento. Em que momento o rompimento dos limites éticos deixou de se justificar pelas boas intenções.

Ética e moral têm sentidos semelhantes, já que ética vem do grego ethos, que significa hábitos; e moral do latino mores, que significa costumes. O risco da corrupção é que ela tende a se tornar um hábito. No início, ela pode até ser justificada com alguma racionalização do tipo: mas sem comprar a base aliada em não consigo governar. Depois de se habituar a essas práticas, tudo passa a ser visto como normal. E justifica a fala de Lula durante o mensalão: o PT só fez o que todo mundo já fazia.

Está contida na democracia a expectativa de alternância de poder. E a alternância se justifica, também, pela renovação dos grupos políticos. Eu ainda não decidi meu voto, mas já estou certo de que não votarei na Dilma e no PT nessas eleições presidenciais. Isso não se deve apenas à degradação dos limites éticos do partido e do governo. Mas o nível de corrupção atingido nos diz que é hora de o PT passar um tempo na oposição, até para refletir sobre seu desvirtuamento ético e para voltar renovado daqui a alguns anos. Pois na democracia os grupos políticos se revezam e não devemos temer isso. Pelo contrário: alternância de poder é prova de força da democracia de um país.

Gustavo Theodoro