Mês: janeiro 2014

Direita e Esquerda IV

                Como havia prometido, passo a tratar dos sintomas de uma doença que contaminou o ambiente político brasileiro, mas que nasceu na Europa do século XX. Havia uma sensação entre nós, logo após a democratização, de que as pessoas boas, bem intencionadas, eram de esquerda, enquanto a direita era bem representada por ditadores, facínoras, empresários inescrupulosos, banqueiros corruptos e por políticos da ARENA. Ao contrário do que pudesse parecer, este não era um fenômeno nacional.

                Com o fim da possibilidade de opor o proletariado à burguesia, novos parâmetros foram postos em seu lugar. Este movimento teve início no século passado, mas segue a todo vapor neste novo milênio.

                O socialismo foi tido por boa parte da intelectualidade europeia do século XX como o representante dos valores humanistas. Ora, quem é contra defender a pobreza, a solidariedade e a igualdade, não é mesmo?

                Mesmo a solução proposta por Bobbio, de certa forma, nos induz a considerar os simpatizantes dos ideais de livre mercado insensíveis às distorções ligadas ao capitalismo, principalmente no que tange a sua característica de gerar desigualdade. Ainda vou analisar mais a fundo estas questões ligadas à igualdade, pois é um dos conceitos que mais sofrem com a guerra política que se estabeleceu nos dias atuais.

                O certo é que o socialismo e a esquerda venceram a batalha de opiniões travada no século XX, mesmo com o capitalismo se mostrando muito mais capaz de produzir riqueza e inovação do que o socialismo.           Isto levou William Harcourt a dizer, no início do século XX, a seguinte frase: somos todos socialistas. Nos anos 1980, poderíamos proferir sentença semelhante aqui no Brasil: éramos todos de esquerda.

O pensamento da época era mais ou menos o seguinte: se os socialistas são humanistas, se são eles os defensores do bem, da solidariedade, da igualdade, quem é contra estes conceitos só pode encarnar o mal radical, o egoísmo, o hedonismo e a ambição desmedida.

                Para agravar o quadro, a esquerda herdou o discurso da divisão da sociedade da Revolução Francesa e da adaptação a esses conceitos feita por Marx no século XIX. Antes do fim do bloco soviético, os socialdemocratas eram os novos representantes da burguesia, o inimigo a ser batido.

O mito do bom selvagem adentrou o espaço político ocidental, o que ajudou a criar toda a sorte de preconceitos contra o homem civilizado e educado. O europeu era prontamente identificado com o opressor imperialista. Esta forma de pensar autorizou Sartre a dizer que abater um europeu é matar dois pássaros com uma só pedra… obtém-se um homem morto e um homem livre. Marx jamais concordaria com tal assertiva.

Nos anos 1970s, vimos surgir com força uma nova esquerda, pautada nas ideias de divisão da sociedade. Vimos o surgimento das doutrinas feministas. Os Panteras Negras e os demais grupos raciais deram nova cara ao movimento negro (que começou de forma legítima e espontânea como movimento de resistência a uma discriminação estatuída por lei). O movimento gay ganhou força nos anos 1980s. Este é o embrião da nova esquerda. Com a queda do comunismo, estas teses marginais de divisão da sociedade assumiram um protagonismo que antes era totalmente ocupado pelas questões econômicas.

A velha crítica de Marx à alienação adentrou neste novo discurso, impedindo que uma mulher seja apenas uma mulher: ela deveria ser, antes de tudo, engajada, ligada aos seus movimentos em defesa da mulher, deveria ser favorável ao aborto e a favor das cotas nas atividades com predominância masculina.

É nesse contexto que os princípios da igualdade e da liberdade passaram por uma releitura, fazendo com que nova ponderação fosse a eles atribuída e criada a obrigatoriedade de que uma pessoa de um grupo social não seja apenas uma pessoa, mas que ele ocupe o papel social das minorias.

De certa forma, esta nova pauta traz consigo a reconfiguração das lutas que mobilizam as pessoas em grupos distintos. E cerceia a liberdade da pessoa enquadrada em algum grupo minoritário sujeito ao ativismo político, não dando a ele possibilidade de se alienar (segundo jargão marxista). Ou seja, se um negro passa a apresentar o Jornal Nacional, ele deve ostentar a defesa da causa negra. Se uma mulher escreve uma coluna em um jornal, ele deve ter as ideias corretas.

Isto lembra-me a velha crítica da esquerda ocidental aos intelectuais que lutavam por liberdade sob a cortina de ferro soviética. Lembro aqui uma declaração de Jan Kavan, diplomata nascido na Inglaterra, mas filho de Tchecos, acerca dessa crítica: “Os meus amigos da Europa Ocidental têm me dito que estamos apenas lutando por liberdade democrático-burguesas. Mas não consigo distinguir entre liberdades capitalistas e socialistas. O que reconheço são as liberdades humanas básica.”

O que resta dessas reflexões é determinar se os direitos das minorias devem se sobrepor aos direitos básicos da pessoa humana, se ainda faz sentido retratar como de direta aquele que luta pelo direito de todos, sem fazer as distinções das pessoas em grupos sociais, tal como nos é cobrado desde a inauguração deste novo fenômeno político e se ainda se justifica a disseminação o preconceito contra as elites, os empresários, os banqueiros, preconceitos esses que foram colocados no lugar dos demais preconceitos observados comumente na sociedade.

Gustavo Theodoro

Dilma em Portugal e a Verdade na Política

                Nos últimos dias pudemos presenciar a confusão estabelecida nas relações públicas do Governo Federal, confusão criada em decorrência de seu hábito de não dizer sempre a verdade. A Presidente Dilma fez uma pernoite em Portugal não prevista em sua agenda. Diante do fato noticiado pela imprensa, o Palácio do Planalto informou que a pernoite foi decidida na véspera, em razão da mudança nas condições climáticas que desaconselhavam voos noturnos. No entanto, posteriormente, o restaurante e o hotel em que a Presidente estive confirmaram que a visita foi preparada com dias de antecedência. Trata-se de fato menor, uma pequena mentira, mas que revela bastante sobre a confusão que os Governos fazem sobre o texto de Maquiavel e seu discurso sobre meios e fins.

Na filosofia, é pela verdade que se busca. Já na política, em geral – e é natural que assim seja -, impera a lógica utilitária e as posições são discutidas em razão dos meios e fins. O estadista visa ao bem público e, por vezes, é necessário manter sigilo sobre alguns fatos, especialmente no que tange à política externa.

A filosofia é campo da verdade. E é perigoso falar a verdade. Esta foi a lição aprendida por Platão com a condenação de Sócrates à morte. Foi a partir deste momento que Platão passou a defender uma tirania de filósofos, para que seus pensamentos – e, consequentemente, a verdade – fossem protegidos. É interessante observar que também Cícero, político e filósofo,  acabou seus dias na ponta de uma espada, condenado que foi à morte.

É de se reconhecer que Platão não estava pensando como um ser político ao defender a tirania, já que não era o bem comum que ele tinha em mente, mas sim a segurança dos filósofos. Montesquieu, que conhecia bem o assunto, sabia que as tiranias são condenadas porque destroem a união dos homens; isolando uns dos outros, elas buscam destruir a pluralidade humana. No entanto, o caso ilustra adequadamente o antagonismo existente entre filosofia e política, antagonismo decorrente, em grande parte, da diferença de objetivos entre eles (verdade e bem comum).

Ao contrário do que imaginam os assessores dos Governos e os responsáveis pelo marketing e pelas relações públicas, não é porque o político nem sempre é obrigado a dizer a verdade que suas atividades devam ser constantemente protegidas por mentiras deliberadas, a não ser que tenham objetivos muito específicos.

De Gaulle propagou, durante a Segunda Guerra, a ideia de que uma França livre lutava contra a Alemanha. Mas é fato bem conhecido que a França havia sucumbido e que os franceses, em larga maioria, não estavam lutando contra os Nazistas. O certo é que mesmo a teoria política, muito afeita à teoria dos meios e fins, admite em pouquíssimos casos a mentira deliberada, mesmo assim em condições extremas.

O que se percebe com essa pequena mentira contada pelo Governo acerca da estadia da Presidente em Portugal é que a mentira deliberada passou a ser utilizada, indiscriminadamente, como prática corrente; foi incorporada à cultura de governo. Nas últimas décadas, parece ter havido uma grande extrapolação dos já discutíveis parâmetros maquiavélicos – em que a exceção da verdade tinha motivos e condições bem estabelecidas – para um absoluto descaso com a verdade.

Cultura vem do latim colere e tem significado bastante próximo do atual: significa cultivar, habitar, tomar conta, criar, preservar. Já no latim era utilizado na agricultura (daí vem a ideia mais forte atualmente, pois as plantas precisam de cuidados constantes para ser mantidas).

A importância das relações públicas – atualmente sob cuidado de marqueteiros – tem papel na criação deste ambiente cultural que incentiva o uso da mentira. Episódios como este, de grande repercussão, mas de baixo impacto sobre o futuro de uma País ou de um Governo, revelam que mentir se tornou prática comum e que o primado de verdade deixou de prevalecer não em razão do bem público, mas do costume de sempre moldar a realidade à conveniência dos Governos. E é bastante provável que o descrédito da política – em que o lema sem partidos das manifestações é emblemático – decorra, em parte, de a mentira ter sido incorporada como meio de ação política.

Gustavo Theodoro

A Copa é de Esquerda ou de Direita?

Copa do Mundo é um bom exemplo do alinhamento automático observado no debate das polarizadas posições políticas da população brasileira. Em geral, quem se julga de esquerda defende a realização da Copa, dizendo que trará mais recursos e empregos para o País. Para quem é contra o Governo – que acaba se classificando sem maior reflexão como pertencente à direita – diz que temos muitas urgências e que não deveríamos investir em estádios que terão pouco uso após a Copa.

Em qualquer sistema que utilizarmos, avaliando os temas comumente divisores entre esquerda e direita (tamanho do Estado, universalização x focalização, pena de morte, aborto, eutanásia, drogas, armas, maioridade penal), não é possível classificar, a priori, se alguém alinhado com alguma ideologia dessas deve ser contra ou a favor da Copa.

No entanto, o bipartidarismo que nos é constantemente imposto – ainda que existam dezenas de partidos – nos impõe um alinhamento a um dos grupos que são os únicos aparentemente existentes. Assim, quem se julga de esquerda se sente premido a defender a liberação da maconha e do aborto, deve esgrimir argumentos a favor das cotas raciais, deve defender a importação de médicos cubanos e deve defender a Copa.

Quem se enquadra no outro campo, em contrapartida, alinha-se imediatamente ao outro lado, criticando a política econômica do Governo, a realização da Copa, exigindo educação padrão Fifa.

Tenho tentado rememorar as razões pelas quais nos definíamos como esquerda e direta no passado para que, quem sabe, possamos fazer escolhas mais racionais e debates voltados ao aprendizado, e não ao convencimento.

Vejo que para muitos assuntos políticos simplesmente não interessam. Pois prometo em pouco tempo tratar da razão pela qual a política já foi a mais importante atividade da vida ativa e como o rebaixamento de seu status pode ter nos feito menos “felizes”, se é que este é o termo mais adequado.

Por ora, fiquemos com a reflexão sobre nossos alinhamentos automáticos e sobre a desnecessidade de tratarmos a política com paixão. Hobbes dava um conselho a todos os que se envolviam com política: Nosce te ipsum (Lê-te a ti mesmo). Este deve ser o ponto de partida, pois é a partir dos valores de cada um, da reflexão individual, que cada ponto deste pode ser decidido.

O posicionamento acerca da Copa dificilmente poderia ser resolvido pelo esquema imaginado pelo Bobbio (que retrata o conflito entre igualdade x liberdade). Dificilmente poderia ser resolvido por meio de um embate do tipo burguesia x proletariado ou elites x pobres. Fica a provocação para aquele que ainda não refletiu sobre o assunto mas já se alinhou a alguma das correntes de discussão. É certo que Burke nos aconselhava a nunca separar por completo o mérito de uma proposta dos homens envolvidos nela. Mas isto não nos autoriza a desconsiderar as teses por trás das ideias, pois, se assim fosse, tomaríamos a posição de seguidores ou asseclas, abrindo mão de nossa personalidade política.

Gustavo Theodoro

Não Vai Ter Copa

Enquanto aguardamos a construção de um novo mundo, vamos vivemos neste aqui mesmo. O ano começou no embalo dos “rolezinhos” e agora vemos manifestações que entoam o lema “não vai ter Copa”.

Ao mesmo tempo, vimos nesta semana notícia de que Estocolmo discutiu seu orçamento com a sociedade local e decidiu não se candidatar como sede para as Olimpíadas de 2022. Munique também havia rejeitado, por plebiscito, sediar as Olimpíadas.

Percebe-se que, aqui no Brasil, em nenhum momento esta discussão foi feita. Hoje vemos muitas críticas ao fato de só agora um grupo de manifestantes ter ido às ruas contra a Copa – agora que já é fato consumado -, mas é certo que este debate não foi levado à sociedade.

Talvez devamos, antes de tentar construir um novo mundo ou um novo homem, reformar nossas práticas e tentar melhorar nossa democracia. Pode ser que não adiante protestar agora. Mas não deixa de ser legítimo o questionamento, já que o debate no parlamento não houve e a sociedade não participou da decisão.

Gustavo Theodoro

Outro Mundo é Possível

Não é sempre que será possível seguir em linha reta neste blog. A realidade é difusa, o conhecimento é espraiado, as referências são inúmeras. Nos encontramos sobre longa tradição de pensamento e, ao lado disso, temos uma sociedade e um mundo complexos, cuja interpretação dificilmente será a definitiva e única. Por isso, dou um passo atrás na análise dos termos direita e esquerda para tratar de um dos temas caros à esquerda dos dias atuais: pode o homem se reinventar criando um mundo novo? Ou, nos termos do lema do Fórum Social Mundial, outro mundo é possível?

Os leitores deste blog provavelmente perceberão com o tempo que eu gosto muito de fazer perguntas, mas as respostas quase nunca são dadas diretamente. Em alguns casos, nem serão dadas. Importa-me mais a discussão, a elucidação do contexto em que as questões são colocadas, do que a conclusão propriamente dita, o julgamento do assunto. No entanto, deixemos essas digressões de lado e tratemos de enfrentar o tema.

A ideia de construir um mundo novo, livre das mazelas humanas, é relativamente recente. No passado, foi provavelmente Platão quem primeiro imaginou um mundo que não fosse tão imperfeito como o nosso, tendo proposto que o nosso aprendizado nos aproximaria dele (teoria das reminiscências). Ainda no campo metafísico, as religiões erigiram mundos muito mais perfeitos do que o nosso, cujo ingresso de nossas almas dependeria de condições e escolhas de cada um sujeitas a um julgamento moral.

O mundo em que vivemos era, portanto, reconhecido como palco de misérias e sofrimento que só seriam redimidos após a morte desde que virtuosas escolhas fossem feitas durante a vida.

Com o progresso da ciência, houve uma mudança de ambiente na humanidade. Para retratar esta mudança, cito os versos de Ulrich Von Hutten, datados de pouco depois de 1500, tratando do avanço das ciências:

“Ó século, ó ciências!

                É um prazer viver.

                O saber floresce, e os espíritos agitam-se.

                Barbárie, pega na tua corda e prepara-se para o exílio!”

Sim, parecia que o progresso científico poderia modificar o próprio homem e suas sociedades. A ideia do homem criando a si mesmo está na base do pensamento hegeliano e marxista. E este conceito está também na base de todo o humanismo de esquerda. No entanto, Hegel era um idealista; nesse sentido, o homem só poderia criar a si mesmo por meio do pensamento. Já Marx virou ao contrario o idealismo de Hegel, elegendo o trabalho como protagonista desta criação.

O que no século XIV começou como uma crença na ciência e em seu poder de dar fim à barbárie, no século XIX parecia bastante possível que o progresso atingisse o humano e suas relações sociais, a ponto de nos transformar em pessoas moralmente superiores e as sociedades em repositório de igualdade e colaboração.

Sei que estou abordando a velha questão da possibilidade da evolução moral do homem, e a quantidade de vezes que cito antigos textos dá uma dica de minha forma de pensar, mas não é nesse ponto a que quero me ater.

É interessante observar que, apesar de Hegel considerar possível a formação de um novo homem, ele ao mesmo tempo dizia que nada mais surgirá exceto aquilo que já existia, denotando que o novo homem era prerrogativa de uns poucos, mas não de toda a sociedade. Esta é outra das reviravoltas provocadas por Marx no pensamento hegeliano, na medida em que, na visão de Marx, o capitalismo caminhava para uma crise, e um novo homem surgiria no socialismo.

Não há nada pior do que tentarmos prever o futuro, pois corremos o risco de sermos desmentidos pela história. O futuro idílico em que um novo mundo seria criado, provavelmente, ainda não chegou. Neste ponto, os marxistas se assemelham aos da religião judaica, que continuam esperando seu Messias assim como os marxistas aguardam a derrocada do capitalismo. E a todo momento vemos, em seus fóruns e discussões, que o capitalismo está em sua crise final, que desta vez o modelo será superado. E continuam a ser desmentidos pela história.

O que descobrimos com o tempo é que as crises são o mecanismo de correção do próprio capitalismo e que são as crises é que garantem sua permanência. Não estou com isso dizendo que esta forma de nos relacionarmos em sociedade e produzirmos nossos bens e mercadorias seja a mais adequada ou que não possa sofrer ajustes futuros. Mas há mais chances para aqueles que apostam que a próxima crise não passará de mais um ajuste do sistema, e não seu fim.

Aliás, se há alguma crise, ela está é no socialismo, que só existe na Coreia do Norte e, de certo modo, em Cuba (apesar de a ilha de Castro estar gradualmente aderindo ao sistema capitalista). A China não poderá jamais ser tomada por socialista ou comunista, já que os meios de produção são controladas por iniciativa privada (não preciso esclarecer que o capitalismo pode ser encontrado nas tiranias, nas monarquias, nas aristocracias ou nas democracias liberais).

A ideia de que outro mundo é possível decorre da percepção de Marx de que o homem pode se reconstruir pelo trabalho. Derivações dessas teorias tomaram de assalto até mesmo as estantes das livrarias, com seus grandes espaços destinados à auto-ajuda, sem se dar conta de que o Dr. House estava quase sempre certo quando dizia: people don’t change.

A esperança de um futuro melhor, de uma humanidade mais humana, de pessoas mais altruístas e solidárias é sempre postergada para um futuro em que o homem se dará conta de sua situação, deixando de se alienar e passando a agir apenas em favor do interesse comum. E essa a visão dos utópicos.

É digno de nota que séculos se passaram sem que conseguíssemos transformar o mundo. Talvez sejam demasiadas as expectativas de quem pensa que outro mundo é possível. E é, também, por essa razão que discursos como a da ex-Senadora Marina Silva devem ser vistos com certo ceticismo, na medida em que condena tudo isso que está aí, recusando-se ela até mesmo a aceitar que seu partido tenha o nome de partido, substituindo-o por rede.

A sociedade utópica, em que os homens bons finalmente vencerão homens maus continua como miragens no deserto. E como disse Camus certa vez, dando à frase uma conotação nostálgica e um tanto pessimista, os únicos paraísos são aqueles que perdemos.

Gustavo Theodoro

Direita e Esquerda III

Norberto Bobbio escreveu um pequeno livro de nome Direita e Esquerda logo após o esfacelamento do regime soviético. Era necessário recolocar as questões em seu lugar, já que a velha divisão socialismo x capitalismo havia caído rapidamente em desuso (exceto em alguns lugares mais atrasados do mundo).

Para Bobbio, o velho conflito entre esquerda e direita poderia ser reinterpretado pelo choque entre os ideais abstratos de liberdade e igualdade. Bobbio se apoiou na própria tradição de pensamento dos séculos precedentes, pois, na Revolução Francesa, o fim dos privilégios de classe era um alvo a ser atingido pelo fenômeno revolucionário.

A ideia de igualdade como decorrência da aplicação do direito natural teve poucas vezes presente na história da humanidade. Na democracia das cidades-estado gregas, cada cidadão representava um único voto (não que este conceito fosse muito relevante, pois os debates na Ágora sempre buscavam o consenso, e não a maioria). Mas havia um enorme contingente da população que não tinham direito de participar das discussões (escravos, mulheres, entre outros).

No Império Romano, a questão passava ainda mais distante dos conceitos de igualdade. Práticos, os romanos tratavam de estabelecer leis e contratos reconhecendo desigualdades presentes em sua sociedade. Ao contrário da visão dos filósofos do Iluminismo, a desigualdade era considerada natural.

Com o progresso da ciência e com a redução da autoridade do clero e da nobreza é que as ideias envolvendo um direito natural à igualdade começaram a ganhar força. E é bastante evidente que as ideias de igualdade estavam presentes nos revolucionários franceses. O Socialismo também previu uma sociedade mais igualitária, uma sociedade sem classes.

É evidente que era o que Bobbio tinha em mente ao reeditar o conflito entre capitalismo e socialismo por meio do embate entre liberdade e igualdade. Percebemos que os que se declaram de direita no Brasil e nos EUA costumam referir a si mesmo como libertários. Este termo está obviamente vinculado à liberdade exigida para o bom funcionamento dos mercados livres. E a igualdade, como observamos acima, esteve na base teórica do Iluminismo e do Socialismo. Logo, pode-se concluir que, em primeira análise, Norberto Bobbio poderia estar correto em sua análise e os termos esquerda e direita poderiam sobreviver em torno dos ideias de igualdade e liberdade.

A realidade, no entanto, é sempre mais complexa do que nossas teorias gostariam, o que torna a tarefa daquele que faz classificações sempre e cada vez mais complexa. Talvez seja mesmo o caso de abandonar esta busca por classificações a aceitar a profusão de significados com que convivemos. A mente racional, no entanto, não se conforma com isso e segue tentando interpretar e classificar a realidade. Este ceticismo quanto ao poder da razão estava presente em Pope quando comentou acerca do poder da razão sobre aquele que deve aplicar a justiça:

Em vão tua razão lançará finas teias

Para envolver a justiça em seu aranhol,

E o certo, rígido demais, retorcer em errado.

Portanto, sigamos com o racionalismo, mas sem abandonar o ceticismo profissional. Vamos guardar as ideias de Bobbio para retomá-las mais à frente. Não cheguei a analisar ainda os conceitos da esquerda brasileira nem a atualização do conflito de classes, mas prometo que chegarei lá.

Gustavo Theodoro

Direita e Esquerda II

Vimos que na Revolução Francesa foi pela primeira vez utilizado os termos esquerda e direita. No século seguinte, Marx redefiniu a oposição que existia entre o povo e os membros da nobreza e do clero, passando a opor proletários a burgueses. O que há de característico nos dois movimentos é que ambos opunham uma maioria empobrecida contra uma minoria proprietária de privilégios e meios de produção.

Há uma herança dos séculos XVIII e XIX que ainda está em voga no conceito de esquerda atualmente em uso: o discurso do opressor e do oprimido. No século XVIII eram a nobreza e o clero que oprimiam o povo. No século XIX, os proletários eram oprimidos pelos burgueses.

Antes de prosseguir, faz-se necessário rever alguns conceitos relativos a formas de governo. Hoje há um consenso de que a democracia é o sistema de governo que garante maior participação popular e impede ocorrência de graves lesões aos direitos humanos. A despeito disso, há alguns preconceitos que devem ser revistos.

Os regimes aristocráticos, monárquicos ou mesmo os tirânicos têm boa parte de seu poder decorrente da aprovação popular. É um erro conceber que governos – exceto os totalitários – possam existir sem o apoio da opinião dos cidadão. Quem percebeu isso claramente foi James Madison, que disse: todos os Governos se baseiam na opinião. Montesquieu nunca teve dúvidas sobre o assunto e vaticinou: o poder do governo é proporcional à quantidade de pessoas a que está associado.

Cada regime tem seus balizamentos, seu ambiente de existência, suas regras de conduta. Montesquieu enumerou os sentimentos predominantes em alguns regimes: a honra, nas monarquias; a virtude, nas repúblicas; o medo, nas tiranias. Poderíamos incorporar a esses algumas vocações básicas de todo ser humano: o desejo de justiça, ou outros menos consensuais, como o desejo de igualdade e liberdade.

Não é consenso asseverar que as democracias de massa da atualidade sejam mais representativas do que alguns regimes monárquicos ou aristocráticos do passado. A análise feita aqui não pretende reabilitar o governo dos melhores ou outra forma aristocrática de governo. Mesmo a ditadura militar brasileira foi moldada pela opinião pública. No auge do milagre econômico brasileiro, exceto pela luta armada, pouca resistência à ditadura foi oposta pela população brasileira. A reação só começou a aparecer e a ganhar corpo após a crise do petróleo de 1973, que minou o milagre econômico e começou a mostrar a face da crise que durou até, pelo menos, 1994.

Feitos estes esclarecimentos sobre os regimes de governo, retomamos a discussão sobre as denominações “esquerda e direita”. Apesar da clareza dos ideais da Revolução Francesa, a revolta não teria ocorrido se a França não tivesse em mãos tão despreparadas para o exercício de poder. É evidente que os ideais republicanos já tomavam os corações e as cabeças de importantes formadores de opinião europeus, principalmente após o sucesso Revolução Americana. E a França, que era o berço das ideias republicanas e revolucionárias, teve a oportunidade de pôr em andamento a locomotiva da história.

Marx, que foi contemporâneo da revolução de 1848, anteviu a possibilidade de uma revolução acelerar a história e instituir a ditadura do proletariado, fase antecedente do momento em que a humanidade conviveria com uma sociedade sem classes.

Nota-se que, historicamente, os conceitos de esquerda e direita usualmente denotavam um conflito de classes, em que os chamados de esquerda eram em sua maioria constituídos por membros do povo, do proletariado, da classe trabalhadora. Já os que poderiam ser enquadrados como pertencentes à direita eram, em geral, conservadores (ou, quando muito, reformistas).

No século XX, houve um espraiamento das democracias liberais no ocidente. Assim, a luta contra os regimes não democráticos deixou de ser uma bandeira exclusiva da esquerda, já que nos países comunistas os regimes eram tirânicos, quando não totalitários.

Diante da ausência da bandeira da democracia – que foi incorporada pela maioria dos países ocidentais – e diante da derrocada soviética, era necessário redefinir os conceitos de esquerda e direita a que estávamos tão acostumados. Uma volta às origens parece ter sido a opção de uma parte da esquerda mundial e, em particular, da esquerda brasileira: reeditar o conflito de classes ainda que, para isso, seja necessário ampliar o conceito original de classes.

No próximo post, seguimos com estudo publicado sobre Norberto Bobbio sobre a atualidade da distinção entre esquerda e direita e retomamos a análise sobre conflito de classes utilizada pela esquerda brasileira.

Gustavo Theodoro

Direita e Esquerda

Os conceitos de esquerda e direita na política seguem fortes em todo o mundo ocidental, mesmo quando tanto da tradição do pensamento político foi deixada em segundo plano.

O mundo viveu milênios sem se ressentir da falta dos conceitos de esquerda e de direita até a Revolução Francesa. Diversos regimes com alguma representação popular existiram antes de 1789 sem que fosse necessário recorrer a classificações como essas.

Foi em decorrência da Revolução Francesa que termos como esquerda e direita começaram a entrar na moda. De acordo com o registro histórico, na Assembleia Constituinte de 1791 a aristocracia e os representantes da nobreza ocupavam a direita de quem entrava no recinto das reuniões enquanto os defensores da democracia ocupavam o lado esquerdo.

Marx deu nova roupagem a estes conceitos ao construir uma teoria econômica alternativa ao capitalismo (o próprio uso do termo capitalismo em oposição a algum outro sistema é obra de Marx). Além dessa nova análise econômica, Marx previu que o capitalismo não se sustentaria, sendo ele substituído por um sistema em que cada trabalhador tivesse como remuneração sua justa parcela sobre o valor de venda do produto.

Posteriormente, influenciado pela literatura revolucionária de sua era, Marx tornou-se partidário da revolução, pois elas seriam a locomotiva da história, o que revela muito de seu pensamento.

A revolução criaria uma ditadura do proletariado – que duraria curto espaço de tempo -, sendo posteriormente substituída pelo socialismo. Neste novo sistema, a propriedade dos meios de produção – e apenas deles – não seria privada.

De forma bem resumida, foi este caldo de cultura que resultou no regime comunista russo e, após a segunda guerra, no bloco comunista.

No século XX, a esquerda era bem representada pelos defensores do socialismo e do comunismo. Na direita, encontravam-se os conservadores liberais (no sentido inglês da palavra, representando um capitalismo em defesa da livre iniciativa e da propriedade privada). Os socialdemocratas nunca tiveram vida fácil, pois de certa forma se situavam à esquerda dos liberais, mas eram odiados pelos socialistas por defenderem o capitalismo.

A divisão entre esquerda e direita, até a queda do muro de Berlim, era nítida. Depois disso os termos continuaram sendo usados, mas quase já não há socialistas de fato no mundo. E isto tem um motivo óbvio: foi o anseio dos povos sob a cortina de ferro por riqueza semelhante ao do bloco ocidental que derrubou os regimes comunistas. O Papa João Paulo II foi importante peça nesse tabuleiro, assim como a Guerra nas Estrelas de Reagan e assim como a tíbia liderança de Gorbachev. Mas o fato é que, como disse Bertold Brecht, o comunismo não é a justa distribuição da riqueza, mas da pobreza.

Diante da queda do muro, que levou Francis Fukuyama a decretar o fim da história – e, consequentemente, do fim da política, pela impossibilidade de produzir algo novo, que é o objetivo da política e da ação humana – os conceitos de esquerda e de direita tiveram que ser redefinidos. Continuo deste ponto no próximo post.

Gustavo Theodoro

Do Esvaziamento da Esfera Pública

Conforme observamos no post anterior, mesmo na ciência o acesso a verdade é mediado pelo mundo das aparências. E a falta de acesso à verdade é que torna possível que opiniões e fatos verdadeiros se tornem indistintos de opiniões e fatos falsos.

É corriqueiro notar que o debate político, ao mesmo tempo que tem se profissionalizado, tem também empobrecido. E está empobrecido a ponto de fazer sentido perguntar se os termos direita e esquerda na política ainda fazem algum sentido.

O debate na imprensa americana, por exemplo, se mostra a cada dia mais centrado em questões periféricas daquela sociedade, enquanto os temas tradicionais da política são deixados em segundo plano.

No Brasil ocorre situação similar, mas com muitas particularidades. A todo momento surge uma questão supostamente nova que mobiliza os debates. Nestes últimos anos vimos isto acontecer diversas vezes: fome zero, bolsa família, etanol, modelo de exploração de petróleo, autossuficiência da produção de petróleo, extradição de terrorista/ativista italiano, cotas raciais, comissão da verdade, médicos cubanos, as manifestações de junho, ENEM, aborto, privatizações, “rolezinhos”.

Em todas estas discussões aqueles mais afinados com a esquerda ou com a direita (posteriormente tratarei da definição destes termos com mais apuro) imediatamente tomam seus postos e inicia-se o combate, cada um defendendo os argumentos de seu time ou facção.

Para a maioria dos pensadores, o conhecimento congrega um conjunto de pensamentos coerentes em que, inicialmente, parte-se da parte para o todo e, uma vez formulada a teoria, resolve-se questões relacionadas às partes pela teoria geral.

Em analogia com a ciência, foi com a queda de uma maçã que supostamente foi extraída a ideia da gravitação universal de Newton. Uma vez criada a teoria, ela poderia descrever o movimento de diversos astros celestes.

No entanto, nem todos concordam que esta regra que claramente se aplica às ciências naturais poderia se aplicar, também, às ciências humanas. Edmund Burke, por exemplo, dizia que são as circunstâncias que fazem com que qualquer plano político ou civil seja benéfico ou prejudicial para a humanidade. Para Burke, portanto, pelo menos no que se refere às ciências políticas, cada caso merece uma análise em separado independentemente das formulações gerais.

É evidente que há um caminho do meio entre estas posições: há diversos conhecimentos que podem ser sistematizados, mesmo no campo da ciência política, e podem ser utilizados para formulação a questões usualmente feitas na política. No entanto, a simples localização do sujeito em seu grupo não deveria ser suficiente para formar sua opinião. Importar médicos cubanos, por exemplo, poderia, em princípio, ser providência de um governo de esquerda ou de direita. O mesmo pode ser dito, por exemplo, do bolsa-família, conforme post publicado anteriormente.

O que se quer demonstrar é que, seja nas discussões pela internet, seja nas discussões presenciais, assim que nascem, os temas ganham proporção, engrossam torcidas e esvaziam o debate político, seja por sua monotonia ou por sua irrelevância. Ambos os lados têm profissionais em formular teorias e argumentos que, ao final, todos os debatedores acabam reproduzindo. E isto resulta em uma surpreendente redução do espaço público, visto que ele é ocupado por falsas questões ou questões de importância menor.

Há quase 20 vinte anos aqui no Brasil há um embate entre dois partidos que emulam ideias muito parecidas, o PT e o PSDB, ambos camuflando posições supostamente antagônicas, mas tendo práticas similares no Governo.

É certo que este encolhimento do espaço público não se deve unicamente a este bipartidarismo sem antagonismo de ideias. Mas certamente o grito dos populares nas manifestações de junho por um movimento sem partido tem alguma relação com isso.

Gustavo Theodoro

Considerações sobre a Verdade II

Que mundo existiria se não existíssemos? São as coisas como as percebemos ou há algo nelas de intrínseco, que independe de nossa presença? Questões como estas são matéria da filosofia há milênios. O mundo tal como o percebemos foi descrito como o mundo das aparências por Platão, das representações (Vorstellungen) por Shopenhauer, dos fenômenos (Ercheinungen), por Kant. Outros filósofos deram a este mundo outros nomes, o que revela o imenso interesse no mundo tal como ele é, na busca da coisa-em-si, independente do olhar humano.
A ciência, desde o Iluminismo, tenta descrever o mundo, de certo modo, de forma a independer da presença do espectador. Assim, os resultados decorrentes das experiências científicas podem ser reproduzidos por qualquer outro cientista.
Foi nesse ambiente que Kant admitiu a existência da coisa-em-si, do objeto existente por si próprio, mas deixou esta questão de lado, sendo ele, sob muitos aspecto, mas muito em decorrência deste posicionamento, o mais político dos filósofos. O abandono da metafísica deixou seu tempo livre para tratar da racionalidade, inclusive em suas consequências para a vida prática.
A ciência do século XX, no entanto, trouxe algumas questões que lançam uma dúvida sobre a suposta não interferência do observador no objeto observado, que foi a premissa da ciência a partir do século XVIII.
Com o advento das pesquisas em pequenas partículas (partículas elementares), uma nova teoria foi proposta para explicar o mundo dos quanta, a física quântica. Se por um lado o resultado das experiências era surpreendentes, igualmente surpreendente era a teoria proposta.
A nova teoria propunha algumas premissas extremamente contra-intuitivas: que as partículas ora se comportavam como partículas ora como ondas (dualidade onda-partícula); que era impossível conhecer com precisão sua posição e velocidade (princípio da incerteza de Heisenberg); e a mais interessante para este texto, a influência do observador no objeto observado.
Esta questão da influência do observador no objeto, aliada à incerteza das medidas e às descrições probabilísticas propostas pela física quântica, proporcionou debates científicos de grande interesse na metade do século passado. Einstein, que combatia com paixão a física quântica, disse a célebre frase: Deus não joga dados.
Há uma experiência descrita por Feynman que evidencia todas estas questões de forma bastante elementar. Imagine um canhão que atira elétrons contra uma antepara com dois furos. A experiência nos mostra que se emitíssemos ondas eletromagnéticas em direção à antepara, o resultado seria uma imagem de vales e picos cujo pico dominante estaria posicionado entre o furos da primeira antepara.
A surpresa da experiência envolvendo elétrons é que, neste experimento, ao invés de formar picos posicionados na frente de cada um dos furos (o que seria o comportamento típico das partículas), a imagem formada parece indicar que, neste caso, os elétrons estão se comportando e interagindo como onda. A imagem abaixo descreve adequadamente o fenômeno*:

imagem 1

Mas isto não é tudo. Se o canhão de elétrons reduzir sua produção de forma que ele emita um único elétron de cada vez, a imagem à direita permanece a mesma. Como não sabemos por onde o elétron passou (se pelo furo A ou B), é como se o elétron tivesse passado pelos dois furos, tendo como resultado a mesma figura mostrada acima.
Nosso senso lógico nos diz: mas o elétron não pode passar, ao mesmo tempo, pelos dois furos. A resposta dada pela física quântica para esta questão é a de que ele pode sim, desde que, naquele momento, esteja se comportando como onda.
O observador, no entanto, não ficou satisfeito com essa explicação e tentará enviar um fóton para descobrir, afinal, por onde o elétron passou. Ao fazer isso, o sucesso do observador é parcial. Ao emitir um fóton, é possível descobrir por qual furo o elétron passou: A ou B. No entanto, a figura resultante do experimento já não é esta e sim uma curva normal em torno do furo A ou B.
Ao descobrir por onde o elétron efetivamente passou, não há mais a interferência e o elétron, ao passar da fenda, acaba se direcionando para um dos pontos da segunda antepara. Executando o experimento repetidas vezes, o que se observa são duas curvas tal como mostrado na figura abaixo:

imagem 2

É o princípio da incerteza agindo, impedindo o observador de ficar à margem de seu experimento. Se o observador pretende conhecer exatamente o percurso do elétron, ele precisará intervir no experimento de uma maneira que alterará o resultado. Portanto, sem o observador, o elétron passa, ao mesmo tempo, pelas duas fendas. Ao tentar descobrir a trajetória do elétron, o observador acaba interferindo em seu percurso.
Se este fato fosse do conhecimento dos filósofos do passado, é possível que a metafísica não tivesse desaparecido dos debates filosóficos. Se eu me permitisse extrapolar estes resultados – o que não é recomendável – poderia chegar à mesma conclusão de Kant: de que a coisa-em-si é inalcançável, não significando isto que ela não exista. Talvez estejamos mesmo voltando a Platão que percebeu que a verdade existe, mas reconheceu a impossibilidade de todos termos acesso a ela. Sei que isto parece um pouco distante de nossos objetivos ao iniciar este debate – que é discutir a verdade na política -, mas penso que é impossível estar no mundo sem nos darmos conta da enorme herança de que dispomos. Conhecer um pouco desta herança nos ajuda a encontrar nosso lugar no mundo.
Gustavo Theodoro
*As figuras deste texto foram obtidas de texto de Osvaldo Pessoa Jr.