
A expectativa com o voto de Rosa Weber deu lugar a dúvidas quanto ao seu significado, principalmente no curso de sua leitura em tempo real. Não era fácil determinar sua conclusão, apesar dos indícios deixados pela Ministra em diversas partes de seu voto.
Logo de início, num caso envolvendo a ANVISA, a Ministra Weber, como relatora, alegou ter votado contra sua convicção pessoal para garantir a “aplicação isonômica do direito”. A seguir, relacionou mais um caso em que decidiu contra suas convicções.
Essas duas pistas não foram consideradas suficientes pelos analistas para definir o rumo da decisão, já que é comum magistrados apresentarem argumentos em um sentido para, ao final, os refutarem.
Rosa Weber passou a alertar para a possibilidade de decisões antagônicas e igualmente válidas quando o assunto é a interpretação de normas constitucionais, introduzindo o princípio da segurança jurídica como um valor:
“…a segurança jurídica, segurança jurídica que, na minha compreensão, mais do que um princípio, consiste em um valor ínsito à democracia, ao estado de direito e ao próprio conceito de justiça, além de traduzir, na ordem constitucional, uma garantia dos jurisdicionados. Nesse enfoque, a imprevisibilidade, segundo entendo, por si só qualifica-se como elemento capaz de degenerar o Direito em arbítrio.”
Dando reforço a essa tese, a Ministra Weber citou Frederick Schauer: “espera-se que um tribunal resolva as questões da mesma maneira que ele decidiu no passado, ainda que os membros do tribunal tenham sido alterados, ou se os membros dos tribunais tenham mudado de opinião”.
A seguir foi defendida a preponderância da vontade do colegiado:
“Em outras palavras, as vozes individuais vão cedendo em favor de uma voz institucional, objetiva, desvinculada das diversas interpretações jurídicas colocadas na mesa para deliberação.”
Seguindo uma linha de raciocínio muito clara, Rosa Weber defendeu que as decisões com repercussão geral, como foi a tomada em 2016, “detém o efeito vinculante das decisões de controle concentrado de constitucionalidade”, com eficácia erga omnes.
E o desenvolvimento do voto continua, agora com homenagem à doutrina do precedente, o que reforça a coerência de seu voto: “A doutrina do precedente, hoje acolhida no art. 927 do Código de Processo Civil de 2015, estabelece um padrão de equidade e coerência normativa decisória – previsibilidade e fortalecimento da instituição – para o exercício da jurisdição”.
O voto segue com uma defesa da jurisprudência firmada, citando trechos da doutrina de Ronald Dworkin sobre a importância da estabilidade das regras. Logo a seguir ameniza o argumento, para admitir maior flexibilidade das cortes constitucionais para rever suas decisões, citando novamente Dworkin.
Voltando à análise do pedido, Rosa relembrou que o HC em votação dizia respeito apenas ao caso concreto, não se tratando de situação de caráter “objetivo”, em que o tema estaria reaberto, em tese, para discussão.
Para concessão de HC nessas condições, seria necessário que o pedido de prisão decorresse de ato “ilegal, abusivo ou teratológico”, condições absolutamente ausentes no caso, visto que fundado em decisão tomada com repercussão geral pelo próprio STF. Além disso, a alteração de seu voto em caso subjetivo – de um único paciente – violaria o princípio da segurança jurídica, citado por ela como um valor, além de tornar esvaziado o princípio do colegiado, ambos os princípios valorizados na parte inicial de seu voto.
Rosa Weber deixou claro que sua argumentação seria outra caso estivessem em pauta os Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, que reabririam o tema em tese. Mas mesmo que o caso volte à pauta do STF, não é possível asseverar qual caminho a Ministra deve tomar.
É certo que em 2016 ela se manifestou contra o cumprimento provisório da pena (prisão após a segunda instância), mas no voto do HC do Lula o posicionamento atual não foi revelado. Está claro que a argumentação utilizada para este HC (que deverá ser repetida para outros casos específicos) não se sustentará quando da análise das ADCs. Outra fundamentação deverá ser erigida, ainda que parte deste voto seja aproveitado.
A conclusão é que, apesar de o voto de Rosa Weber ter sido claro, coerente e bem fundamentado, nada se pode dizer sobre seu posicionamento nas ADCs. Tanto a manutenção de sua posição de 2016 quanto uma evolução, tal como ocorreu com Gilmar Mendes, estão no horizonte. Em nenhum momento ela declarou que sua convicção segue inalterada.
O certo é que, independentemente do caminho que vier a tomar, o ideal seria que jurisprudência do STF fosse mais estável, menos sujeitos a humores de ministros e a pressões de presos poderosos.
Lembro que Presidente Lula é oriundo da classe dos trabalhadores, mas ao fim adota as mesmas práticas da elite que o precedeu. As imensas pressões sofridas pelo STF desde o mensalão não fazem mais do que comprovar essa capacidade que as elites têm de absorver aqueles que a ela se agregam.
É Karl Marx inclusive que dizia que “quanto mais a classe dominante é capaz de assimilar as principais mentes da classe dominada, mais estável e perigoso torna o seu domínio.” Não acredito nessas explicações simplistas, mas é certo que a substituição das elites não conseguiram, por si só, promover o avanço de nosso marco civilizatório. Pior: o atual ataque às nossas instituições pode, inclusive, nos conduzir a um retrocesso.
Gustavo Theodoro