Mês: junho 2014

Sobre a Maldade

No passado, temiam-se as pessoas naturalmente más, que praticavam o mal para seu próprio deleite. Aliás, mesmo na antiguidade a maldade era tomada por algo prazeroso. Tomás de Aquino chegou a escrever que, dentre os prazeres do paraíso, estava a contemplação dos sofrimentos do inferno. Nietzsche ficou horrorizado com este pensamento. E é mesmo para se horrorizar. Só algum tempo depois Tomás de Aquino se deu conta da incorreção do que escreveu e substituiu o prazer com contemplação dos sofrimentos do inferno por prazer com a justiça divina.

Tratando ainda do mal que mais interessava no passado, Kierkegaard escreveu que todo mal radical vem das profundezas do desespero. Freud talvez tenha acertado mais nessa área, apesar de sua obsessão pela atribuição de motivos sexuais como explicação para quase tudo.

Para a política, interessa mais o mal praticado pela indiferença que o mal radical. Foi o totalitarismo que revelou os perigos do mal praticado não por sádicos, mas pelos que abriram mão de pensar. É evidente que os alemães, mesmo os nazistas, não eram todos sádicos. Nos julgamentos ocorridos após a Segunda Guerra ficou bastante claro que a maioria que contribuiu para o Holocausto era composta de pessoas como outras quaisquer, exercendo com zelo suas atribuições naquela estrutura.

Eichmann era tido como um monstro, responsável pelo transporte de judeus para os campos de extermínio. Em seu julgamento, não se viu traços de um monstro, mas de um funcionário que procurava cumprir suas atribuições profissionais, dispensando a si mesmo do exercício do pensamento.

Ainda hoje grandes organizações revelam funcionários alinhados com as chefias, incapazes de exercer o juízo crítico, para o qual o pensar é indispensável. O contínuo interromper do pensamento limita a capacidade do ser humano de executar essa funcionalidade. Kant dizia que o poder exterior que priva o homem da liberdade de comunicar os seus pensamentos publicamente priva-o ao mesmo tempo da sua liberdade de pensar. O que a modernidade demonstrou é que mesmo quando a comunicação do pensamento é admitida, o homem médio prefere não pensar.

Daí o temor do homem moderno face à máquina burocrática do estado ou das grandes organizações que tratam a todos com impessoalidade. Se no passado pensávamos que os modelos tirânicos eram mais propícios à inibição do pensamento, hoje sabemos que a democracia representativa tem o mesmo efeito.

Trotsky foi um dos líderes da Revolução Russa, mas depois passou a ser perseguido por Stalin quando este assumiu o poder; Stalin acabou por assassinar Trotsky em território mexicano, onde se exilara. O último texto escrito por Trotsky antes de sua morte ilustra adequadamente o tema deste artigo: Stalin tomou conta do poder não com a ajuda de suas qualidades pessoais, mas com a ajuda de sua máquina impessoal.

Em que momento agir, como colocar o pensamento a serviço de uma sociedade melhor, atuando em sua rotina diária e combatendo o mal, principalmente esse mal indistinto e impessoal, cabe a cada um refletir isoladamente. Quem nos auxilia nesta área – ainda que revele a dificuldade da tarefa – é o grande pensador e político conservador Edmund Burke, que diz que a sabedoria consiste em saber quanto mal deve ser tolerado.

Gustavo Theodoro

Minha Escalação

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Todo brasileiro é um técnico de futebol em potencial. Somos 200 milhões de treinadores. Neste momento de aparente crise de nossa seleção, não poderia deixar de escalar meu time ideal.

Antes, algumas considerações. A Espanha ganhou quase tudo o que disputou nos últimos seis anos. Há dois anos, ganhou a Eurocopa, repetindo o feito de seis anos atrás. É a atual campeã do mundo. Fez um bom primeiro tempo contra a Holanda. Podia ter sido vitoriosa no primeiro tempo não fosse o voo de Van Persie. Após levar o segundo gol, se desestruturou e levou a goleada.

Contra o Chile, a Espanha começou bem de novo. Mas o Chile corria mais e teve mais posse de bola do que a Espanha (mais de 60%), o que é bastante incomum para o tik-taka espanhol. A análise das distâncias percorridas revelou que o Chile corre cerca de 20 quilômetros a mais do que os demais times. Ou seja, é como se o Chile jogasse com dois jogadores a mais.

Logo, a Espanha não era uma galinha morta e o Chile não se classificou por acaso: tem um excelente time e poderia sim ter ganho do Brasil. A confiança de nossa torcida no time brasileiro é demasiada. Temos chances de chegar lá, mas vai ser muito difícil, pois não temos uma geração de craques como já tivemos.

De todo modo, temos chances. Mas o jogo contra o Chile evidenciou nossa principal dificuldade: ter o domínio do jogo. Felipão não construiu nosso time para ter o meio campo. Para ele, era importante tornar a defesa consistente e jogar com objetividade, sempre tentando o gol. Sem toques de lado, não teríamos mesmo posse de bola. Deu certo na Copa das Confederações. Um Brasil diferente ganhou aquela Copa. De lá para cá, no entanto, algo mudou. E não foi na tática de jogo, mas no desempenho individual de alguns jogadores.

Oscar passou a ser questionado no Chelsea e foi para o banco de reservas. Nossa esperança de criação passou a atuar melhor como defensor. Pode ser cansaço, pode ser que se recupere ainda. Mas seu ano foi muito ruim e ele continua jogando o mesmo futebol na Copa. Eu o tiraria do time.

Só o Felipão insistiria tanto com o Paulinho. No Tottenham foi para o banco de reservas. Quando jogou foi muito mal, tal como na seleção brasileira. Fernandinho foi titular como primeiro volante no time campeão inglês, o Manchester City. Para mim, seria titular desde o início.

Daniel Alves nunca foi bem na seleção. No Barcelona continuou como titular, mas foi sua pior temporada e o Barcelona quer negociá-lo. Além disso, nossos laterais jogam no ataque em seus times. O esquema de Felipão, com quatro jogadores ofensivos (em tese), exige que os laterais guardem posição. Tanto Daniel Alves como Marcelo não são bons marcadores. Logo, para aproveitar os laterais, é necessário mudar o esquema tático. No caso da lateral direita, a temporada do Maicon foi melhor do que a do Daniel Alves. Maicon caiu de produção devido ao excesso de noitadas, mas neste ano voltou a se dedicar à profissão e merece a vaga de titular no time.

Hernanes tem feito sucessivas boas temporadas europeias e tem condições de brigar por uma posição no time. Willian, no Chelsea, barrou Juan Mata, grande jogador espanhol e foi fundamental para a temporada do time inglês. Seria titular do meu time desde o início. O Ramires não tem entrado bem na seleção, mas quase sempre joga fora da posição que rende mais.

Hulk foi o melhor jogador do campeonato russo. Pode não ser um excelente campeonato, mas jogou o tempo todo e foi bem. Lógico que, como atacante, prefiro Romário ou Ronaldo. Mas essa geração produziu excelentes zagueiros, mas nenhum grande goleador. Assim, dentre os convocados, Hulk seria o meu nove, o centroavante. Ele já jogou nessa posição, apesar de preferir jogar na direita, onde o Felipão raramente o escala.

Neymar é nosso craque e não pode jogar longe do gol. E não pode voltar para marcar. Deve jogar avançado, girando próximo à área adversária ou iniciando contra-ataques. Não vou perder tempo falando do Fred e do Jô. Bernard teve bom começo aqui, mas não jogou, pois foi para a reserva do ucranião, o fortíssimo campeonato da Ucrânia.

Contra a Colômbia, precisamos de mais meio campo. Nossa defesa é boa, mas precisamos do meio campo. Como não temos um excelente ataque, melhor jogar sem ele e apostarmos no Neymar, nas bolas aéreas e em alguns chutes do Hulk.

Meu time, com a convocação do Felipão, para enfrentar a Colômbia seria: Júlio Cesar, Maicon, Tiago Silva, David Luiz e Marcelo; Fernandinho, Hernandes, Ramires e Willian; Hulk e Neymar. Por favor, mandem esta escalação para o Felipão.

Gustavo Theodoro

Piketty e o Brasil

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Com o lançamento do livro de Piketty, que provocou um verdadeiro terremoto no debate político e econômico neste ano, tomamos conhecimento de que o Brasil não quis fornecer dados para sua pesquisa. Vizinhos nossos como Argentina e Chile forneceram seus dados, mas o Brasil se escondeu sob restrição do sigilo fiscal.

Quem conhece o mínimo de legislação tributária sabe que o sigilo fiscal restringe apenas a divulgação de dados que revelem posições individuais. O que a pesquisa de Piketty demandava eram os dados agregados por faixa de renda e patrimônio. Não há nada que limite o acesso a essas informações que, afinal, são compartilhadas com o IBGE e com o IPEA.

O método utilizado por Piketty indicou que a desigualdade tem aumentado há algumas décadas nos países pesquisados e que não há sinal de reversão dessa tendência. A fórmula mais importante de Piketty relaciona remuneração do capital com o crescimento da economia. De forma bastante simplificada, sua tese infere que, se o crescimento da remuneração do capital é maior do que o crescimento da economia, a desigualdade está aumentando.

Na última década, o Governo tem constantemente divulgado pesquisas indicando a redução da desigualdade no Brasil, refletida principalmente no índice de Gini. É importante ressaltar que o método de Piketty mostrou aumento na desigualdade mesmo quando o índice de Gini apontava direção contrária.

Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, publicou uma coluna no dia 29/04/2014 em que retrata a queda da desigualdade brasileira como pura lenda. A tese do jornalista é a de que foi a renda de salários que apresentou redução na desigualdade. Como a renda do capital apresenta diversas falhas na medição, é provável que a desigualdade tenha seguido seu ciclo de aumento.

O economista Marcelo Neri, inventor na Nova Classe Média e Ministro do SAE, criticou Clóvis Rossi na Folha de São Paulo de ontem. Para o economista, pelo PNAD é possível constatar que a renda do capital também mostrou redução na desigualdade. Para isso, Neri combina informações da PNAD de 2012 com as do IRPF. Logo no início de seu artigo, Marcelo Neri reconhece as dificuldades de utilização dos dados do IRPF justamente por terem base de dados defasadas, tanto mais após a explosiva valorização imobiliária dos últimos cinco anos. Além disso, é alta a taxa de informalidade no aluguel de imóveis. Ainda assim, é com base nesses dados que o SAE chega à conclusão de que a desigualdade está, sim, caindo.

A discussão da desigualdade é tema por demais importante para ser tratado assim, por meio de discussões em artigos de jornal. É pena que o IPEA tenha voltado suas atenções para outras áreas – como pesquisas sociais, por exemplo – deixando de executar, com isenção, estudos de que somos tão carentes.

Alguns dos livros de história do mundo mais citados no exterior, escritos por europeus ou americanos, só mencionam o Brasil para tratar de desigualdade social. Logo, desigualdade é, de fato, um assunto que muito nos interessa.

De tudo isso, só podemos lamentar que o Governo do Brasil não tenha compartilhado seus dados com a equipe de Piketty, pois assim não estaríamos discutindo suposições em artigos de jornal. Infelizmente, os dados mais recentes, publicados pelo IBGE, indicam que mesmo a desigualdade de renda começou a aumentar a partir de 2012. Com os dados divulgados nos últimos dias pela economia americana, é provável que nossa crise só venha a se agravar.

O ano já começou sob a sombra das manifestações, da inflação e do baixo crescimento. Estamos no meio do ano e as perspectivas continuam negativas. Tudo isso pode ter grande efeito sobre as inegáveis conquistas na área de desigualdade de renda no trabalho observadas nos últimos anos. Se isso ocorrer, toda essa discussão sobre o método utilizado para o cálculo da desigualdade torna-se desnecessária: a desigualdade tenderá mesmo a aumentar.

Gustavo Theodoro

Rede sob Suspeita

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Marina Silva sempre teve em seu discurso algo de incompreensível e algo de messiânico. Seu gosto por palavras diferentes que sugeriam o nascimento de uma nova política atraiu interesse dos que estão cansados de ver a política nacional restrita à disputa entre PT e PSDB. Foram emitidos diversos sinais de ruptura com a velha política, dentre os quais podemos citar o próprio nome do partido que ela tentou criar, a Rede de Sustentabilidade. Ainda que se tivesse tentado criar um partido político, a ex-Senadora preferiu dar a ele um novo nome (Rede), indicando um agrupamento mais participativo, mas com foco na sustentabilidade do modelo de desenvolvimento.

A Rede não obteve o registro a tempo de disputar as próximas eleições presidenciais. Em um lance saudado por muitos – inclusive por mim-, a Rede se aliou ao PSB de Eduardo Campos em busca de estar presente no processo eleitoral deste ano sem que fosse necessário adotar uma legenda de aluguel. Muitas foram as ofertas para que Marina Silva concorresse como cabeça de chapa, mas a Rede preferiu participar da criação de um projeto político aparentemente mais viável, em uma demonstração de apreço por seus fundamentos, mas sem deixar de participar da realpolitik, com o pragmatismo que ele exige.

Sou dos que acreditam que política se faz com estreia de novos personagens ao quadro existente, mas também com novos acordos por políticos estabelecidos. A democracia se caracteriza pela novidade, já que é ela que garante a permanência do regime; assim, mesmo a eleição de um novo político pode ser comemorada pelo mais conservador dos democratas. A aliança de Marina Silva com Eduardo Campos criou as condições para o surgimento de uma terceira força na política nacional. O bem estruturado PSB havia se juntado aos sonháticos da Rede, em aparente boa combinação de utopia com pragmatismo.

Eis que o ano de 2014 começou e os problemas próprios de nossa política começaram a aparecer nessa aliança. Além das questões envolvendo meio ambiente, os interesses regionais começaram a atuar em sentido contrário à proposta original da aliança. Nosso ambiente partidário não incentiva o apreço à ideologia. Mas é improvável que um projeto político tenha sucesso sem que tenha como fundamento um conjunto coerente de premissas, de ideias, que sustentem a aliança. A afinidade deve ir além da pessoal – própria da vida privada -, deve ser resultado da convergência de ideias ou, pelo menos, resultado de acordo envolvendo os temas mais importantes para os envolvidos.

Em todo o primeiro semestre deste ano, vimos essa aliança balançar em seus fundamentos, com interesses contrários em franco combate. O símbolo mais eloquente dessa desavença, em minha opinião, foi produzido na semana passada. Contrariando posição pública de Marina Silva, o PSB se aliou, em São Paulo, ao PSDB, de Aécio Neves. Irá apoiar o Governador Geraldo Alckmin naquele estado.

No Rio de Janeiro, quase no mesmo dia, o PSB optou por apoiar o Senador Lindberg Farias, candidato do Partido dos Trabalhadores ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em Minas Gerais, a convenção do PSB decidiu deixar a decisão nas mãos da Diretoria Executiva do partido, mas os membros do diretório regional do partido deixaram claro que poderiam aderir a qualquer candidatura, sendo que é mais provável que apoiem Pimenta da Veiga, candidato do PSDB ao Governo do Estado.

Nos três principais estados da federação, interesses regionais se sobrepuseram a qualquer tipo de coerência política. Planos e programas opostos foram abraçados como resultado de acertos políticos tão combatidos pelos que anunciaram a aurora de novos tempos.

Os utópicos e os sonháticos parecem estar sendo substituídos pelos pragmáticos nessa aliança entre a Rede e o PSB. A velha política está de volta com força total. Neste momento, parece mais difícil atribuir uma personalidade a essa aliança, que está cada vez mais parecida com seus adversários quanto ao pragmatismo; no entanto, o PT e PSDB defendem posições antagônicas em diversos aspectos e são identificados por essas diferenças. Resta saber se a Rede e o PSB conseguirão construir uma identidade própria e, ao mesmo tempo, conviver com as alianças pactuadas nos estados.

Gustavo Theodoro

O Enigma do Emprego

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Há alguns enigmas envolvendo a questão do desemprego no Brasil muito pouco discutidos na imprensa nacional. É certo que as taxas de desemprego, especialmente a oficial, indicam que vivemos sob pleno emprego (5%). Este número surpreende especialmente diante do baixo crescimento da economia verificado nos últimos três anos.

Ainda que se considere a pesquisa ampliada do IBGE, o número de desempregados não supera os 8%. Como um país que não cresce pode produzir dados positivos quanto ao emprego? Talvez não seja possível formular uma resposta livre de quaisquer dúvidas. Mas a análise de outros indicadores pode nos dar alguma luz sobre este aparente enigma.

Um dado bastante intrigante é a taxa de desocupação da população brasileira. Se contarmos a população em idade ativa que não procura trabalho e a somarmos à população de desempregados, verificamos que quase metade da população brasileira em idade ativa não trabalha. O número é estranhamente superior ao verificado em outros países, sem que seja possível atribuir essa discrepância a aspectos culturais.

Outro dado que chama a atenção é a taxa de pessoas que trocam de emprego. Cerca de 40% dos brasileiros trocam de emprego todo ano. A taxa é muito superior aos demais países do mundo. O próprio governo tem se mostrado incomodado com essa rotatividade. No governo, há quem pense que tudo isso se relaciona ao recebimento do seguro-desemprego.

De 2007 a 2013 houve crescimento explosivo no requerimento de seguro-desemprego, algo em torno de 150%. O Brasil já gasta cerca de R$ 50 bilhões ao ano com esse benefício. É muito dinheiro. A primeira pergunta formulada, considerada um enigma da economia, tratava de tentar explicar como uma economia que não cresce pode produzir pleno emprego. O segundo enigma é entender por que uma economia de pleno emprego produz aumento substancial nos gastos de seguro-desemprego.

O governo suspeita que os trabalhadores estão trocando de emprego, com o apoio dos empresários, com vistas ao recebimento do seguro-desemprego. Ou seja, o empregado é demitido por uma empresa, recebe seu seguro-desemprego por cerca de 5 meses enquanto trabalha informalmente, às vezes para a mesma empresa que o demitiu. O trabalhador considera isso uma promoção, um bônus em seu salário. Para as empresas, especialmente as do ramo de serviços e de construção civil, essa estratégia, – fraudulenta, obviamente – é forma de dar aumento sem onerar custos.

Outros trabalhadores se aproveitam do seguro-desemprego, das carências e dos prazos de recebimento, para dar uma pausa no trabalho. Nesses meses, esses segurados não buscam emprego e não constam dos índices oficiais de desemprego (pois não estão procurando emprego).

Vejam que as suspeitas aqui levantadas afetam os dois maiores ativos eleitorais do Governo Dilma, quais sejam, o pleno emprego e o aumento da renda. Aguardo comentários sobre o assunto, pois pretendo retomá-lo. A pergunta que fica é: será que os melhores números produzidos pelo Governo Dilma se dissolvem sob uma análise mais meticulosa?

Gustavo Theodoro

Guerra ao Terror

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Diz o ditado que é justa bella quibus necessária, ou seja, é justa a guerra quando necessária. Guerras sempre foram meios de defesa das cidades e dos estados ou meio de garantir a segurança futura da população por meio de domínio de novos territórios, como no Império Romano.

Na era moderna, tivemos as duas grandes guerras, cujas razões são complexas, mas que encerraram aquele ciclo de conflitos. Nos anos de Guerra Fria, as guerras passaram a ser travadas por pequenos países, incentivados e armados pelas duas potências dominantes. Com o fim da Guerra Fria, houve quem esperasse que adentraríamos num período de menos conflitos; levantaram até a possibilidade de estarmos diante do fim da história, quando a democracia liberal avançaria pelo mundo de maneira irresistível.

No entanto, o que se viu foi um período de novos conflitos de proporções não desprezíveis. A comunidade internacional conseguiu se portar mal em quase todos os novos conflitos. A primeira Guerra do Iraque (1991) ainda foi precedida de razoável negociação multilateral. Ainda assim, não é consenso de que aquela era uma guerra necessária, mesmo se a análise estiver em suas consequências.

Pouco tempo depois houve a guerra civil em Ruanda. A ONU optou por não intervir e deixou ocorrer o massacre de quase um milhão de pessoas. O mesmo se pode dizer quanto à Guerra do Kosovo; ainda que tenha havido ação dos países vizinhos (OTAN), a ajuda militar efetiva demorou a aparecer, o que possibilitou a ocorrência de novos massacres.

Com o atentado às torres gêmeas, os EUA, liderados por George W. Bush, abriram duas novas frentes de guerra: a do Afeganistão, apoiada pela OTAN e pela população americana, visto que não eram poucos os indícios de que o regime Talibã fomentava a formação de grupos terroristas e abrigou em seu território Osama Bin Laden; e a do Iraque, que tinha por fundamentos inexistentes armas de destruição em massa.

Os mecanismos multilaterais nunca funcionaram muito bem, mas as guerras só eram travadas mediante negociações prévias com os países com assento no Conselho de Segurança da ONU. Os EUA deram então um passo à frente: contrariando a própria política americana do pós-guerra, os americanos resolveram remover Saddam Hussein do poder de forma unilateral. Conseguiu o apoio dos ingleses e iniciaram nova guerra, sem nenhuma legitimidade. Não se tratava de uma guerra necessária.

Acossados pela crise financeira internacional, os EUA precisavam reduzir o orçamento militar e, consequentemente, reduzir o número de frentes. Obama foi eleito estabelecendo alguns acordos com os eleitores: dar fim à Guerra do Iraque, vencer a Guerra do Afeganistão (que havia recrudescido) e fechar Guantánamo. Nenhuma dessas promessas foi cumprida.

Guantánamo foi consequência natural da guerra ao terror liderada por Bush. Como os EUA deflagraram conflitos não autorizados pela ONU, não passava pela cabeça dos ideólogos da guerra respeitar as cláusulas da Convenção de Genebra no trato dos prisioneiros de guerra. O modo de se legitimar essas práticas passou pela denominação de terroristas aos prisioneiros de guerra. A prisão localizada em solo não americano completou a construção legal da anomalia jurídica de Guantánamo.

Obama, que como candidato atuou como típico líder populista, prometeu fechar Guantánamo no primeiro ano. E prometeu encerrar o conflito no Iraque. A promessa de fechar Guantánamo não dependia apenas de vontade política. É mais fácil criar uma anomalia jurídica do que desfazê-la. Nenhum país quer os prisioneiros de Guantánamo. Não é politicamente aceitável levá-los ao EUA. E assim o tempo está passando sem que a prometida solução seja encontrada.

O fim da guerra do Iraque foi decidido nos gabinetes de Washington. Feita breve transição, as forças armadas americanas deixaram o Iraque nas mãos de um governo frágil, fruto de uma democracia que lhes foi imposta.

As guerras impopulares impediram o mundo ocidental de tomar medidas mais duras contra o Irã, que pode estar desenvolvendo bombas nucleares. A falta de interesse do atual governo americano pela política externa propiciou apoio irresponsável à Primavera Árabe, que até agora só produziu novas ditaduras e guerras civis. Face ao provável esfacelamento do Iraque, os EUA buscam apoio iraniano para conter o movimento rebelde ISIS, que ameaça instituir nova ditadura no conturbado Iraque.

É inegável a responsabilidade do governo George W. Bush, que deu início às guerras do Afeganistão e do Iraque, pela situação atual vivida pela política externa americana. Mas está claro que falta ao Governo Obama rumo, falta real interesse pelo mundo e consciência do que estão fazendo. É nesse sentido que o Governo Obama se assemelha os de países menos desenvolvidos: sua ênfase nos efeitos internos nas decisões de política externa; seu desinteresse pela história dos países envolvidos nos conflitos; sua tibieza alternada com declarações que beiram ao destempero; sua falta de cuidado com os aliados tradicionais.

Tudo isso levou os EUA à perda de relevância internacional, à perda do papel de potência hegemônica, posição atingida com o esfacelamento do bloco soviético. Paralelamente a isto, a diplomacia chinesa vem ocupando, a cada dia, posição de maior destaque no mundo, levando sua influência para além do oriente. A guerra ao terror pode ser muito popular entre os americanos; mas tem como consequência a limitação de seu poderio internacional. Para piorar, com o mundo mais complexo, seria desejável que houvesse um fortalecimento dos mecanismos multilaterais. A deflagração de guerras à margem da ONU só contribuiu para o seu enfraquecimento. Talvez esteja aí a explicação para o surgimento contínuo de conflitos de difícil solução, como os da Síria, da Ucrânia, do Egito e do Iraque.

Gustavo Theodoro

Universo Eterno

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Hannah Arendt se recusava a reconhecer que a modernidade teria criado novos sistemas políticos. Retornando a Atenas e a Roma, poderíamos identificar todas as formas de sistemas políticos de que somos testemunhas: a tirania, o despotismo, a república, a democracia e a monarquia. Com o aparecimento do totalitarismo, Arendt foi forçada a reconhecer que estava diante de uma novidade, de algo inédito na história da humanidade.

A antiguidade nos legou um conjunto de saberes que até hoje nos influenciam. Demócrito, filósofo pré-socrático, formulou o atomismo, fundada na tese de que tudo o que conhecemos poderia ser reduzido a um pequeno constituinte, uma unidade fundamental microscópica constituinte de todas as coisas. As ciências físicas no século XX reciclaram as ideias de Demócrito, explicando o mundo por meio da teoria atômica. Atualmente, o que denominamos átomo não se confirmou como a unidade básica da matéria, sendo substituído pelos quarks e léptons.

É da antiguidade que primeiro emergiu as teorias que descreviam o mundo como algo único, imutável em sua essência, ou como algo em permanente mudança. Para Parmênides, toda mutação é ilusória. Já Heráclito era o representante da impermanência do mundo. Para ele: Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado… Você não consegue se banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo…É na mudança que as coisas acham repouso…

Essa discussão marcou a filosofia, reaparecendo nas obras de diversos filósofos modernos. Mas esses pensamentos não influenciaram só a filosofia. A física, que nasceu da filosofia, herdou essa discussão e a levou para análise da formação do universo.

Chegou a ser consenso na comunidade científica a tese de que nosso universo teve origem em uma grande explosão, o Big Bang, ocorrida há alguns bilhões de anos. Apesar de não implicar necessariamente um início do mundo, a teoria do Big Bang parece ser mais bem adequada a um momento de começo de tudo, parece referenciar um momento de formação de todas as coisas, um início. No entanto, não é a física que nos leva ao Big Bang, mas nossa cultura, nossa forma de pensar, nossa cultura. A física explica como o universo se expandiu após a explosão, mas não é possível explicar os primeiros momentos de existência do universo.

É dessa brecha que se aproveitam os cientistas céticos do Big Bang. O universo pode não ter tido início, mas oscilar entre expansão (a fase em que estamos no momento) e compressão (tal como ocorre nos buracos negros). Provavelmente, Parmênides teria maior simpatia por teorias como essas, sem rupturas nem inícios. Essas ideias, muito menos populares do que as do Big Bang, estão congregadas na Teoria do Universo Eterno. Mario Novello, físico brasileiro, é autor de uma dessas teorias.

Gustavo Theodoro

Mais Erros do Governo

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Eu sei, prometi que iria além dos juros e do câmbio. Já chego lá. A campanha está chegando e tenho notado o acirramento da disputa política. Neste momento é ainda mais importante manter o debate técnico, que permita réplica e tréplica sem transformar pessoas em inimigas.

Meu lado Casa das Garças me levou a tratar mais uma vez da política de câmbio e juros. Já expliquei como deixamos passar uma oportunidade durante a crise financeira internacional de 2008 de levar os juros a um patamar condizente com nossa situação fiscal. Perdemos a oportunidade e agora voltamos aos juros de dois dígitos. Há, no entanto, outro erro que vem sendo sistematicamente cometido desde que o Ministro Mantega passou a fazer prevalecer suas ideias.

O Brasil tem pouca poupança privada. A razão disto é daqueles enigmas que atiçam a curiosidade dos economistas. Alguns deles defendem que o risco jurisdicional é a razão de a poupança privada ser tão baixa. Ou seja: todo o histórico brasileiro de pacotes e calotes afastaram o brasileiro dos bancos. Outros defendem que somos mesmo muito pobres e muito consumistas, o que impede a maioria da população de fazer poupança. Independente da explicação para o fato, é certo que tempos poupança privada muito inferior a de outros países.

Isto faz com que a política de juros tenha dificuldade em desacelerar o consumo por meio do aumento da poupança – que é o modo como funciona a correia de transmissão dos juros nos países centrais. Ou seja, ao aumentar os juros, a população tende a deixar de consumir para usufruir da alta rentabilidade. No Brasil, como a poupança privada é baixa, a correia de transmissão, neste caso, não funciona.

No entanto, a política de aumento de juros pode ainda ser eficiente por duas razões: a primeira atua na expectativa do mercado e a segunda na atração do financiamento externo. Os operadores de mercado tendem a esperar inflação menor com o aumento de juros, ainda que as cadeias de transmissão sejam precárias. E as expectativas, em economia, têm importante influência no mercado. A atração do financiamento externo (Hot Money) aprecia o câmbio e provoca déficit na balança comercial (outro nome de poupança externa forçada). Ou seja, o principal mecanismo de transmissão do câmbio para a economia no Brasil é indireto, por meio de recepção de poupança externa, com o custo do aumento de importações e de reservas (que também tem seu custo). Como isso tudo parece inaceitável para o Governo, o câmbio veio sendo mantido em um certo patamar que acaba impedindo que essa perna da correia de transmissão funcione.

Para piorar as expectativas, no segundo Governo Lula houve continuado aumento nos gastos públicos como política deliberada, a fim de que o aumento das taxas de juros não impactasse no PIB. Um efeito natural do aumento dos juros é redução no crescimento. Isto também parecia inaceitável no segundo Governo Lula, o que nos levou a uma aceleração nos gastos públicos e corte nos impostos ao mesmo tempo em que os juros eram mantidos relativamente altos.

O Governo Dilma herdou uma situação fiscal bastante deteriorada. Como se sabe, a manutenção de reservas custa caro. Estabelecer um piso para o câmbio aumenta a retenção de reservas. Aumento dos gastos públicos e a redução dos impostos desfazem o trabalho feito pelo aumento dos juros. Para todos os lados que se olha, são forças opostas que vemos atuar.

Para agravar este quadro, a Presidente Dilma tinha suas próprias concepções sobre a política de juros. O fato de a taxa de juros permanecer alta fez nascer a tese de que se poderia dar uma pancada nos juros para baixo sem consequências econômicas. Era uma tese muito adequada ao Governo, já que os gastos com os juros da dívida interna são muito altos. Com a situação fiscal deteriorada, economia no pagamento dos juros parecia a saída natural. E foi este o caminho escolhido pelo Governo. Foi um teste importante: se os juros fossem altos por motivos históricos, sua redução não implicaria repique da inflação. O resultado desta aposta, no entanto, tem nos custado caro. A redução dos juros fez a inflação permanecer no limite superior da banda. Reafirmando a aposta feita, o Governo passou a controlar as tarifas públicas, como energia elétrica e gasolina, para evitar o descontrole inflacionário. Ocorre que controlar tarifas também tem seu custo, o que contribuiu na piora da situação fiscal do Governo.

Só em meados de 2013 o Governo admitiu o erro, recomeçando o ciclo de alta de juros. Todos os desequilíbrios introduzidos pela tentativa de reduzir os juros com base na vontade política precisam ser revertidos. Ocorre que a reversão dessas políticas teria impacto na inflação, mas também nas eleições. Logo, os ajustes ficarão para 2015.

É certo que a crise internacional teve importante efeito sobre o crescimento do Brasil no Governo Dilma. Mas não é possível tirar a responsabilidade da equipe econômica pelo fato de termos o menor crescimento econômico desde o Governo Collor. Qualquer que seja o vencedor do pleito presidencial deste ano, é muito provável que o ano de 2015 seja ano de ajuste ou, em termos mais claros, ano de aperto econômico, a não ser que continuemos apostando no desequilíbrio. Até porque a redução dos juros como ato de vontade política já foi testada e está claro que não atingiu os resultados pretendidos. Parece que juros e inflação não são causa, mas sintoma, de nossos desajustes.

Gustavo Theodoro

A Copa Paralela

Está havendo um campeonato paralelo com a Copa do Mundo da Fifa. Geralmente é uma luta travada entre os que já se alinharam a algum dos candidatos que disputarão as eleições deste ano. Os que não gostam da Dilma viram com simpatia o movimento não vai ter Copa. Os alinhados com o Governo reviveram um patriotismo não visto desde Médici, com um discurso ame-o ou deixe-o. Os que criticaram os gastos excessivos da Copa ou o fraco desempenho econômico passaram ser tratados como portadores de um complexo de vira-latas.

É nesse ambiente que foi divulgado um estudo pela LCA Consultores sobre os países que realizaram Copas do Mundo da Fifa. Segundo o estudo, países que sediam Copas do Mundo costumam ter crescimento 1% superior do que se não tivessem realizado. Nos casos em que o time da casa venceu a Copa, o bônus nos anos seguintes pode ser até maior.

Como me interesso por esses tipos de estudos, fui tomar conhecimento dele. Como era de se esperar, o estudo não faz nenhum prognóstico para o futuro. Logo, nem de longe é possível concluir que nossa economia vai crescer mais por conta da Copa. O trabalho foi desenvolvido com base em mero exercício de comparação e correlação. As conclusões foram que os países que mantiveram os cronogramas de obras e investiram pesado em infraestrutura tiveram crescimento superior ao que teriam caso não tivessem realizado a Copa.

Não preciso lembrar que, por aqui, não foram observadas as condições do estudo. Obras foram executadas à noite – devido aos atrasos –, implicando aumento dos custos. As obras de mobilidade sobre trilhos – que seriam o grande legado da Copa – não ficaram prontas, sendo que algumas nem chegaram a sair do papel (como o trem-bala). Os estádios ficaram prontos, mas a um custo muito superior à previsão inicial. Só o Mané Garrincha, em Brasília, custou R$ 2 bi.

Assim, antes que os mais animados com a Copa da Fifa ou com o Governo Petista se animem, é bom que leiam o estudo. Em nenhum momento o estudo conclui que realizar a Copa da Fifa trará crescimento para o Brasil. O que o estudo concluiu é que alguns países se beneficiaram com grandes eventos. Mas apenas aqueles que realizaram as obras com planejamento, de forma a não onerar os custos de construção, e que conseguiram mudar a infraestrutura das cidades por meio de investimentos transformadores principalmente na área de transportes.

No Brasil o trem-bala foi abandonado e os projetos de VLT e monotrilhos de cinco capitais não ficaram prontos, sendo que alguns deles provavelmente nem ficarão. O impacto disso na economia não é possível prospectar. Daqui a alguns anos talvez seja possível medir o impacto da Copa da Fifa sobre a economia do Brasil. Os números produzidos pela LCA Consultores nada disseram sobre o Brasil. E que fique claro: eu sou favorável à realização desses grandes eventos, como Copa da Fifa e Olímpiadas.

Gustavo Theodoro

Short Cuts – Cenas da Copa

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O dia da abertura da Copa das Copas poderia render um tratado de sociologia. Ainda bem que não sou sociólogo, pois assim posso me permitir a apenas enumerar os acontecimentos do dia, revelando seus aspectos contraditórios, violentos, irônicos ou simbólicos.

As manifestações de junho do ano passado já indicavam que aquele clima que assistimos há cerca de sete anos, quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa, não existia mais. Ao mesmo tempo em que a seleção brasileira se mostrou competitiva na Copa das Confederações, o humor do brasileiro piorou.

A folclórica cordialidade brasileira tem se revelado mais violenta do que seria de se esperar. E a violência deixou sua marca no primeiro dia da Copa da FIFA. Nas manifestações deflagradas em São Paulo no dia de ontem emergiu a violência, que partiu tanto dos manifestantes quanto da Polícia. Duas repórteres da CNN foram feridas, o que gerou uma cobertura ao vivo daquela emissora por mais de uma hora. Antes da partida, a imprensa internacional só queria saber da violência das manifestações e das incríveis cenas de depredação e de violência policial, que abusou das bombas de efeito moral (cujos estilhaços causaram ferimentos nos manifestantes) e das balas de borracha.

No campo, vimos um estádio muito bonito, quase todo pronto, com pequenas falhas na iluminação, na telefonia e na internet. Ninguém se lembrou da invasão ocorrida perto dali, do condomínio de barracos autodenominado Copa do Povo, cujos moradores criaram sérios problemas de mobilidade nos últimos dias, mas na hora do jogo pararam para torcer para o Brasil.

A imprensa internacional não gostou da abertura, que também não empolgou o público presente, composto, segundo Juca Kfouri, pela elite branca brasileira. A recepção da plateia à abertura foi, para dizer o mínimo, fria, o que indica que a FIFA entende mesmo é de estádios e, possivelmente, de dinheiro e, talvez, de futebol. A Rede Globo estava tão desatenta que perdeu o momento do pontapé inicial do menino paraplégico com seu exoesqueleto.

Pela primeira vez na história das Copas, o evento não teve a abertura oficial declarada pelo Chefe de Estado do País sede, indicando que já era esperado um público hostil à presença de autoridades. A elite branca que se fez presente ao espetáculo repetiu o hino à capela que tanto emocionou na Copa das Confederações e arrancou lágrimas do capitão da equipe brasileira, revelando certo descontrole emocional do time. A seguir, o público do estádio, a elite branca educada nas melhores escolas do Brasil, passou a ofender a Presidente Dilma com os gritos, em coro, de Ei, Dilma, vá tomar no cu. O espetáculo se repetiu por quatro vezes durante toda a partida.

No campo, o que se viu foi um jogo duro, de boa qualidade, de duas boas equipes. Do lado brasileiro, Oscar, Neymar e Luiz Gustavo se destacaram; a Croácia, como era de se esperar, fez suas principais peças funcionar e endureceu o jogo, não se intimidando com a torcida local. O jogo acabou sendo decidindo por um detalhe, um terrível erro de arbitragem, fruto da simulação de pênalti bem encenada pelo atacante Fred. O momento era difícil, o jogo estava empatado e igual, era meio do segundo tempo, momento usual de definição de jogos de futebol. O árbitro japonês errou em momento decisivo do jogo e o Brasil ganhou, O jeitinho brasileiro, consagrado por nossos sociólogos, deu sua cara logo na abertura da Copa. Ganhamos, mas roubado. Há quem pense que roubado é mais gostoso. Eu gostei de ver o Oscar voltar a jogar bem, depois de uma temporada abaixo de sua média no Chelsea, que gosto de acompanhar. Mas o gol que resultou do jeitinho brasileiro dá um sabor ruim a esta vitória.

A imprensa internacional, que tinha voltado todas as suas atenções para o país por conta dos incidentes da manhã, criticou a abertura da Copa e, depois do jogo, só destacou o erro do Juiz. Foi mencionada a antiga relação de Ricardo Teixeira com a Comissão de Arbitragem da FIFA. Lembraram a atuação dos árbitros na Copa da Coreia/Japão, que muito favoreceram os times da casa, particularmente o da Coréia do Sul.

No Brasil, o dia terminou com festa, com as naturais racionalizações de que é melhor ganhar roubado do que perder. O movimento não vai ter Copa pode não ter conseguido impedir a realização da Copa. No entanto, é difícil eleger o grande vencedor deste dia de tantos significados.

Gustavo Theodoro