Extremismo

Fiquei uns dias sem escrever, mas não pude passar incólume ao volume das discussões dos últimos dias. Pude perceber nesse recesso que o homem é movido a paixões e, na maioria das vezes, elas nos cegam. Sei bem que a utilização da razão (pensamento) é apenas auxiliar à atividade de julgar. E que particularmente nos assuntos políticos é a emoção que dá as cartas, ainda que travestida de razão.

Cito o caso do estupro coletivo, por exemplo. Assim que divulgado o fiapo de informação da história, já se formaram barricadas em sentido contrário, cujos limites extremos defendiam a culpa de todas as mulheres ou a culpa de todos os homens. Ao final, acho que pouco evoluímos na discussão que realmente importa sobre o estupro, já que a grande maioria das pessoas atacadas é de meninas menores de idade em companhia de parentes ou conhecidos.

O atentado da boate gay, em que foram mortas cinquenta pessoas, também foi um prato cheio para os formuladores de teses extremas. Raramente, na comoção que se segue a esses eventos, a culpa é atribuída ao autor dos disparos. A esquerda e os movimentos LGBT imediatamente atribuíram responsabilidade à cultura do ódio contra os gays (tal como houve o movimento de atribuir aquele estupro aqui no Brasil à cultura do estupro) e ao porte de armas. Já os conservadores chegaram a culpar a política de restrição às armas da boate, que transformou o assassino no único armado no local.

O que se nota nessas comoções é que grupos organizados se aproveitam desses momentos para fazer valer suas teorias. Enquanto isso, problemas reais são deixados de lado. Há quase 50.000 estupros por ano no Brasil. E percebemos no caso do estupro coletivo que não temos delegacias especializadas para lidar com esses casos nem mesmo em nossas grandes cidades.

A discussão das armas tampouco avança. Se por um lado continuará impossível conter os lobos solitários, sujeitos de pouco convívio social que eventualmente resolvem praticar homicídios em série, é certo que não se exige, para defesa pessoal, e não deveria ser admitido, um rifle com capacidade para matar dezenas de pessoas em um minuto. Nesse sentido, a busca do consenso é bloqueada pelos radicais, que buscam de um lado a proibição de todas as armas legais, enquanto o outro lado quer manter todo tipo de armamento.

As paixões dominam igualmente a cena política brasileira. Uma série de factoides e falácias conduzem o atual acirramento de posições. A contradição acaba se revelando com a evolução dos acontecimentos. Em um momento a Lava Jato era ruim, parcial e golpista. Como não fica bem passar falar o oposto do que se dizia, resta comemorar que agora políticos dos mais diversos partidos e do atual governo estão sendo delatados.

A delação era algo que não merecia respeito. “Eu não respeito delator”, disse Dilma Rousseff, sobre a delação contida em lei por ela mesma sancionada. Agora passa a ser motivo de comemoração pelos que condenavam a delação. É certo que há oportunismo dos políticos profissionais. Mas uma boa leitura das delações de Delcídio do Amaral e Sérgio Machado nos dispensa até mesmo da leitura de Raymundo Faoro e sua fenomenal obra “Os Donos do Poder”.

A Lava Jato não existiria se as ruas, em 2013, não tivessem derrubado a PEC 37/2011, que impedia o Ministério Público de iniciar operações. E pensar que muita gente boa combateu essa atuação do MP, por puro alinhamento ideológico, sem saber direito as razões pelas quais os políticos queriam calar esse quarto poder. Agora tudo ficou mais claro.

Por isso sempre aconselho que revisitemos nossas certezas, testemos nossos conceitos formados, duvidemos de nossas conclusões. E sublimemos um pouco essa divisão bastante artificial de “esquerda”, “direita“, “desenvolvimentista”, “liberal”, pois elas parecem que mais contribuem para fomentar a discórdia do que revelar nossas verdadeiras diferenças. Vejo que ainda há, para muitos, uma superioridade moral ao se dizer inclinado a alguma dessas correntes: “sou de esquerda”, “sou liberal”, é sempre dito com orgulho. Mas costuma ser os preconceitos de cada grupo que molda as opiniões das pessoas. Pertencer a um grupo tem um valor. Refletir isoladamente sobre cada questão é solitário e cobra um preço. Mas é o preço da liberdade. Vamos pensar sobre isso?

Gustavo Theodoro

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