O Poder da Imprensa

news of the world

Há um certo desconforto na imprensa nativa com o modo como os meios de informação internacional vêm tratando a crise política do Brasil. Se é fato que por aqui não se nota grande dissonância de opiniões sobre a legalidade do impeachment de Dilma Rousseff, as reportagens da mídia estrangeiras, particularmente aquelas mais alinhadas com a esquerda, tem levantado dúvidas sobre o processo de deposição da Presidente.

Equívoco comete quem não revela dúvidas sobre o assunto. Eduardo Cunha, que teve papel preponderante no “sucesso” da votação, é réu no STF e citado por diversos delatores. Além disso, o crime de responsabilidade da Presidente exige algum exercício hermenêutico para admitir sua comprovação.

Li a reportagem de alguns veículos estrangeiros e considerei a abordagem bem completa. Os que falam em golpe não são taxativos quanto ao assunto. Os que rejeitam o golpe tampouco deixam de ressaltar as divergências que a matéria comporta. Digo, portanto, que a imprensa internacional tem sido muito mais precisa e isenta na análise da situação do que a imprensa local.

As constantes críticas e denúncias à nossa imprensa que os sites ligados ao PT fizeram nos últimos anos reduziram seu poder de despertar na população a desconfiança quanto ao processo que está em andamento. É como o menino que de tanto gritar “fogo” não consegue alertar os demais quando um incêndio realmente se inicia. Apesar de a denúncia não ter sido levada a sério no Brasil, eu percebo um alinhamento em busca da deposição da Presidente que revela uma torcida.

É salutar percebermos que a imprensa internacional tem tratado o assunto com isenção. Li com especial interesse a reportagem do jornalista do The Guardian, Glen Greenwald, publicada em seu blog. Diria que é o texto mais “petista” de todos, menos isento e mais alarmista, talvez por ter sido escrito por um jornalista que reside no Brasil. Mas as motivações de Greenwald vão um pouco além de puro alinhamento ideológico.

O texto é bastante contundente e sua principal crítica se direciona ao oligopólio dos setores de imprensa. É bom tem em mente que o The Guardian enfrentou, há alguns anos, o principal oligopólio de mídia do mundo, o de Rupert Murdoch, poderoso dono do News Group. The Guardian lançou em 2008 uma reportagem denunciando que os jornais de Murdoch cometiam crimes para obter seus furos.

Foi uma luta de pelo menos quatro anos, com o The Guardian sendo desacreditado de forma uníssona pela mídia, pela polícia e pelos parlamentares britânicos nas primeiras reportagens. O News Of The World chegou a vender 3,5 milhões de exemplares por dia no meio dos anos 2000, mas acabou sendo fechado em 2011 devido ao escândalo.

Graças ainda a essas revelações, Murdoch foi impedido de dominar a mídia britânica, pois as denúncias fizeram com que os órgãos reguladores atuassem e vetassem o domínio das TVs britânicas pelo News Group.

O fato de Murdoch usar métodos ilícitos na Inglaterra não implica, necessariamente, que toda a mídia atue da mesma maneira, que utilize os mesmos métodos. Mas é certo que não se vê o mesmo ímpeto da imprensa nacional contra Michel Temer, que ontem mesmo foi citado por um executivo da Engevix como destinatário de propinas. Temer já foi citado por outros delatores.

Meios de comunicações podem ter suas preferências. Mas é empobrecedor para o debate que não sejam capazes de revelar todos os lados de uma questão grave, complexa e tão impactante quanto um processo de afastamento de Presidente. E tampouco parecem ser capazes de esconder sua preferência pela manutenção do Vice-Presidente, mesmo estando cada vez mais claro (vide delação da Andrade Gutierrez e da sócia da Pepper) que a campanha de Dilma-Temer recebeu recursos e pagou despesas em malas de dinheiro. Já há uma torcida pela separação, no TSE, do processo de Temer do de Dilma.

O que a experiência inglesa demonstrou é que os órgãos reguladores da mídia devem ser fortes e isentos. Ocorre que nem na Inglaterra nem dos EUA a regulação conseguiu barrar a existência dos oligopólios. Na Inglaterra foi o escândalo levantado pelo The Guardian que impediu o monopólio e nos EUA Murdoch conseguiu controlar a TV de maior audiência e o principal jornal.

É de se notar, ainda, que a imprensa é muito forte, particularmente quando aliada à elite de negócios de um país, mas não é invencível. Provocar o impedimento de Dilma não tem sido fácil, apesar de todo esse apoio. Veremos se será possível afastar Temer sem o apoio da imprensa. Depois de tudo o que me informei sobre a Lava Jato, por mim, além de Dilma, Temer, Renan e Cunha não permanecem nem mais um minuto nos cargos. Duvido, no entanto, que essa seja uma tarefa fácil. Porém, usarei a força desta Ágora para atingir tal objetivo.

Gustavo Theodoro

3 comentários

  1. Muito boa análise, Gustavo, em tempos de Fla x Flu. Destaco a parte do garoto que grita fogo (blogs petistas) e a avaliação do jornalista Greenwald (que estava entalada na minha garganta)

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