As Bolhas da Internet e o Reflexo Condicionado

A internet criou bolhas, ambientes em que cada um só se relaciona com seus iguais. Os mecanismos das redes sociais acabam favorecendo esse comportamento de segregação, na medida em que “curtidas” levam aquele assunto a aparecer mais em sua “timeline”, ao mesmo tempo em que a opção de bloqueio dos diferentes está sempre disponível.

Petismo, MBL, feminismo, islamismo, globalismo, racismo, discriminação, qualquer acontecimento banal que possa ser enquadrado nesses arquétipos são amplamente discutidos, ainda que o fato em si seja absolutamente irrelevante. Vimos nas últimas semanas vários exemplos dessas discussões inúteis, como a decisão judicial que envolve regulamento do conselho de psicologia sobre atendimento de gays, a mostra que um banco resolveu encerrar precocemente, dentre outros que não me darei ao trabalho de enumerar.

O país vive uma grave crise econômica, o desemprego segue em níveis exorbitantes, o déficit público segue sem dar sinais de ser controlado, a dívida pública deve continuar crescendo nos próximos anos, a educação segue perdendo alunos e com qualidade reduzida e tomamos conhecimento de que a propagada redução da desigualdade da última década não passou de um engodo.

São assuntos aborrecidos, cujas soluções complexas exigem determinação e resiliência, mas que envolvem temas essenciais para o nosso futuro. Por que nos interessamos tanto pelos temas inúteis e banais que acirram nossas diferenças, ao invés de discutirmos aquilo que todos reconhecem ser importante?

Penso que nosso cérebro tem a tendência seguir trilhas conhecidas. Os arquétipos mentais tornam mais simples descrever um fato a partir de ideias pré-concebidas. Determinados eventos disparam mecanismos que induzem reflexos condicionados, levando-nos, de forma quase inconsciente, a reproduzir fórmulas e percorrer novamente antigos caminhos. Mesmo o pensamento supostamente mais revolucionário se torna conformista quando é recorrentemente repetido.

A situação de Myanmar é um bom exemplo de evento que foge dos padrões normais de interpretação, o que leva o assunto a ser constantemente evitado, apesar de sua importância. Em Myanmar reside o maior contingente de apátridas do mundo. Quase um milhão de pessoas. A maioria budista parece estar iniciando uma guerra de extermínio étnico contra a minoria rohingya, de religião muçulmana.

Estima-se que mais de 400 mil pessoas tiveram que deixar Myanmar nos últimos meses, o que indica ser este um dos maiores conflitos humanitários contemporâneos. A descrição dos fatos, no entanto, não invoca nenhum reflexo condicionado no mundo. Não há europeus a serem identificados como vilões racistas, tampouco muçulmanos identificados como terroristas. Budistas evocam imagens de meditação e nirvana, de paz e empatia. Uma guerra genocida patrocinada por budistas, em um País sob a liderança de Aung San Suu Kyi, personalidade agraciada com o prêmio Nobel da Paz, tem algo que parece não encaixar em nossas experiências anteriores, soa quase como inverossímil. Sem bolhas e sem as divisões habituais entre esquerda e direita, o assunto não mobiliza.

É de se pensar se não é o caso voltarmos a nos relacionar com aquele que pensa de forma absolutamente diferente de nós, se não é o momento de abandonar alguns extremismos e buscarmos pontos de contato com aqueles de quem divergimos, ao invés de seguirmos nessa toada de acirramento. Sabemos como é difícil construir uma civilização, mas a Síria está aí para demonstrar que a destruição de um País é um feito ao alcance das nossas mãos. E aí, estamos dispostos a voltar a conversar?

Gustavo Theodoro

Deixe um comentário