Mês: janeiro 2018

A Promessa da Política

O Judiciário brasileiro ocupou espaços que eram próprios do Legislativo e do Executivo. Essa é a conclusão de Boris Fausto em entrevista recente concedida ao portal Uol. E isso se deveu, basicamente, ao esfacelamento da política partidária, à naturalização das práticas não republicanas, ao impeachment de Dilma Rousseff, às dificuldades na economia e à falta de legitimidade do Governo Michel Temer.

As lideranças do passado andam se arrastando por aí, sem se dar conta de que seu tempo já passou. Lula foi condenado em segunda instância, Aécio foi gravado pedindo dinheiro para Joesley Batista, José Serra foi acusado de receber dinheiro na Suíça, os últimos presidentes e tesoureiros de PT e PSDB tão cedo não se desvencilharão das garras do judiciário.

O sistema político foi incapaz de expurgar essas “lideranças”, seja pelo voto, seja pela ação do parlamento, seja pela ação das próprias máquinas partidárias. O Judiciário ocupou esse lugar, mas essa operação deixou sequelas. O extremismo político ganhou terreno, fazendo com que os operadores mais moderados se afastassem do debate ou deixassem simplesmente de ser ouvidos.

Prevalecem os discursos maniqueístas e simplistas, como o de Lula, de que foi condenado por ter promovido políticas públicas de interesse dos mais pobres, ou de Bolsonaro, que promete dar armas para todos para “resolver o problema da violência”, promete “acabar” com a doutrinação nas escolas, tudo isso enquanto,  quem sabe, “come gente” com dinheiro público.

Hannah Arendt atribuía à política a capacidade de fornecer ao ser humano a atividade de maior valor na esfera da chamada vida ativa. Excetuando-se a vida contemplativa, era pela ação política, pelo agir em conjunto, de forma articulada e coordenada, que o homem poderia obter uma espécie própria de felicidade, que ela chamava de “felicidade pública”.

O clima político atual leva, no entanto, as melhores pessoas a se afastar até mesmo dos debates políticos, pelo temor de ser ofendido, xingado, ou de ter amizades de anos rompidas. Lembro que esse fenômeno não é recente. Sartre e Raymond Aron eram melhores amigos na universidade. Prometeram, inclusive, que o sobrevivente escreveria o obituário do outro quando chegasse o momento. A separação deles durante a vida em face da política foi tão grande que Aron julgou inadequado que ele escrevesse uma linha que fosse sobre a morte de Sartre.

Antes de romperem, Camus, Sartre e Simone de Beauvoir conversaram longamente sobre as amizades e suas divergências políticas. Concluíram que jamais deixariam que as diferenças de pensamento os levassem ao rompimento. Mas quando Camus lançou sua teoria do Homem Revoltado, que significou o rompimento definitivo com o regime soviético, a amizade deles não resistiu. Sartre se radicalizou ainda mais nos anos seguintes, chegando a defender a teoria da violência de Frantz Fanon e seu uso na política. A violência se torna assunto deste blog quando há radicalidade nos discursos, fenômeno que notamos nesta semana.

Hannah Arendt, novamente, escreveu importante ensaio sobre violência e política, deixando claro que o início da violência marca o fim da política. Não há política sem diálogo, acordos, discensos, antagonismo, luta, discurso, promessa e perdão. Sem diálogo, é ferida de morte a própria política.

O espírito das redes sociais, com suas bolhas e radicalismos, parece estar afetando os atores políticos. Isso, ao lado da incapacidade do sistema político de lidar com suas mazelas, fez com que o Judiciário assumisse certo protagonismo, o que nos aborrece a todos. O desprezo pela política fruto desse ambiente, mais do que impedimentos ou cassações de candidatos, é que pode colocar em risco a nossa democracia.

Há quem preveja um segundo semestre acirrado, dividido, violento. A dívida pública saltou de 51% para 75% em poucos anos. O desemprego explodiu e a renda despencou. A conflagração do país dificilmente nos deixará legado positivo. Voltemos as atenções para os políticos que estejam dispostos a conversar, ouvir, argumentar, pensar, pois onde há gritaria, ameaças, arruaças, e violência, não há política. E nós, nas redes, tratemos de conviver com as diferenças.

Gustavo Theodoro

 

Universo Eterno

Houve um tempo em que a Filosofia pretendia avançar sobre todas as áreas do conhecimento. Como o tempo, o conhecimento foi se especializando e houve um divórcio entre as ciências duras e a filosofia.

A filosofia, no entanto, nunca deixou de influenciar a física. Demócrito, há mais de 2300 anos, propôs que a matéria poderia ser desconstituída em átomos, algo que foi apropriado pela ciência, ainda que as partículas consideradas elementares hoje sejam outras (quarks e léptons). A ideia de que houve um início de tudo sempre se contrapôs a ideia de que nada é mutável (vide as oposições entre Heráclito – tudo flui – e Parmênides – toda mutação é ilusória).

A física segue sendo influenciada por nossa cultura. A ideia de um início é muito forte nas religiões com berço em Jerusalem. Einstein escreveu há mais de cem anos suas famosas equações sobre relatividade geral que permitiram a descrição do universo como o conhecemos hoje. Ajustes têm sido feitos na teoria, mas havia diversas situações que estavam abertas a pesquisas, por não serem totalmente explicadas, como a taxa de crescimento do universo (fenômeno descrito pelo termo “inflação”), a misteriosa “energia escura”, e previsões só recentemente comprovadas, como as ondas gravitacionais.

Para estudar o suposto início do universo, foi necessário adotar algumas premissas e aplicá-las às equações de Einstein. Qualquer estudante de física sabe das dificuldades que a física tem para lidar com singularidades. Hawking inclusive fez sua carreira estudando uma espécie de singularidade: os buracos negros. Singularidades, em termos matemáticos, não passam de situações em que, sob determinadas condições, algum termo tende ao infinito (ou apresenta-se uma divisão por zero).

Por isso estudar o universo e sua suposta criação é tão difícil. As equações de Einstein começam a apresentar singularidades nos estudos de início e fim do universo e são as condições impostas por quem está solucionando o problema que permitem que se chegue a um resultado. O Big Bang é um consenso na ciência, apesar de estar apoiado em bases frágeis. As teorias de universo eterno, com o tempo, ganham força como uma possibilidade, uma alternativa. Essa matéria de O Globo traz uma dessas alternativas. Percebe-se, também, um sentido filosófico na busca empreendida pelo autor do estudo: “Filosófica e fisicamente também não faz sentido presumir um início do Universo do nada”. Se o universo teve início no Big Bang, o que havia antes? E o que é o nada? Avançamos, mas o debate de Heráclito e Parmênides ainda é atual.

https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/fisico-brasileiro-avanca-com-teoria-cosmologica-que-dispensa-big-bang-22240235?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=OGlobo

Gustavo Theodoro