A Promessa da Política

O Judiciário brasileiro ocupou espaços que eram próprios do Legislativo e do Executivo. Essa é a conclusão de Boris Fausto em entrevista recente concedida ao portal Uol. E isso se deveu, basicamente, ao esfacelamento da política partidária, à naturalização das práticas não republicanas, ao impeachment de Dilma Rousseff, às dificuldades na economia e à falta de legitimidade do Governo Michel Temer.

As lideranças do passado andam se arrastando por aí, sem se dar conta de que seu tempo já passou. Lula foi condenado em segunda instância, Aécio foi gravado pedindo dinheiro para Joesley Batista, José Serra foi acusado de receber dinheiro na Suíça, os últimos presidentes e tesoureiros de PT e PSDB tão cedo não se desvencilharão das garras do judiciário.

O sistema político foi incapaz de expurgar essas “lideranças”, seja pelo voto, seja pela ação do parlamento, seja pela ação das próprias máquinas partidárias. O Judiciário ocupou esse lugar, mas essa operação deixou sequelas. O extremismo político ganhou terreno, fazendo com que os operadores mais moderados se afastassem do debate ou deixassem simplesmente de ser ouvidos.

Prevalecem os discursos maniqueístas e simplistas, como o de Lula, de que foi condenado por ter promovido políticas públicas de interesse dos mais pobres, ou de Bolsonaro, que promete dar armas para todos para “resolver o problema da violência”, promete “acabar” com a doutrinação nas escolas, tudo isso enquanto,  quem sabe, “come gente” com dinheiro público.

Hannah Arendt atribuía à política a capacidade de fornecer ao ser humano a atividade de maior valor na esfera da chamada vida ativa. Excetuando-se a vida contemplativa, era pela ação política, pelo agir em conjunto, de forma articulada e coordenada, que o homem poderia obter uma espécie própria de felicidade, que ela chamava de “felicidade pública”.

O clima político atual leva, no entanto, as melhores pessoas a se afastar até mesmo dos debates políticos, pelo temor de ser ofendido, xingado, ou de ter amizades de anos rompidas. Lembro que esse fenômeno não é recente. Sartre e Raymond Aron eram melhores amigos na universidade. Prometeram, inclusive, que o sobrevivente escreveria o obituário do outro quando chegasse o momento. A separação deles durante a vida em face da política foi tão grande que Aron julgou inadequado que ele escrevesse uma linha que fosse sobre a morte de Sartre.

Antes de romperem, Camus, Sartre e Simone de Beauvoir conversaram longamente sobre as amizades e suas divergências políticas. Concluíram que jamais deixariam que as diferenças de pensamento os levassem ao rompimento. Mas quando Camus lançou sua teoria do Homem Revoltado, que significou o rompimento definitivo com o regime soviético, a amizade deles não resistiu. Sartre se radicalizou ainda mais nos anos seguintes, chegando a defender a teoria da violência de Frantz Fanon e seu uso na política. A violência se torna assunto deste blog quando há radicalidade nos discursos, fenômeno que notamos nesta semana.

Hannah Arendt, novamente, escreveu importante ensaio sobre violência e política, deixando claro que o início da violência marca o fim da política. Não há política sem diálogo, acordos, discensos, antagonismo, luta, discurso, promessa e perdão. Sem diálogo, é ferida de morte a própria política.

O espírito das redes sociais, com suas bolhas e radicalismos, parece estar afetando os atores políticos. Isso, ao lado da incapacidade do sistema político de lidar com suas mazelas, fez com que o Judiciário assumisse certo protagonismo, o que nos aborrece a todos. O desprezo pela política fruto desse ambiente, mais do que impedimentos ou cassações de candidatos, é que pode colocar em risco a nossa democracia.

Há quem preveja um segundo semestre acirrado, dividido, violento. A dívida pública saltou de 51% para 75% em poucos anos. O desemprego explodiu e a renda despencou. A conflagração do país dificilmente nos deixará legado positivo. Voltemos as atenções para os políticos que estejam dispostos a conversar, ouvir, argumentar, pensar, pois onde há gritaria, ameaças, arruaças, e violência, não há política. E nós, nas redes, tratemos de conviver com as diferenças.

Gustavo Theodoro

 

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