Nos próximos artigos, pretendo aprofundar a discussão sobre a realidade econômica e social brasileira. Mas não pretendo entrar no Fla-Flu em que se tornou a política nacional. Entendo que houve erros e acertos cometidos pelos nossos governantes nos últimos anos; vou esmiuçá-los nas próximas colunas. Para deixar transparente para os participantes desta ágora meu ângulo de observar a política, vou contar um pouco das afinidades políticas que tive nas últimas décadas.
Tive interesse precoce pela política por razões familiares. Tinha 14 anos na campanha das Diretas-Já, época em que lia os jornais diariamente. Por influência familiar, pensava que a saída do regime de exceção deveria se dar por meio de uma eleição indireta. Tinha o DNA reformista mesmo com aquela idade. Quando a campanha das diretas foi derrotada, saudei a eleição de Tancredo para a Presidência. Considerei que tínhamos tomado o melhor caminho, que a transição estava assegurada e que a liberdade nos seria devolvida.
Morava no Estado do Rio de Janeiro e acabei me aproximando do brizolismo. Em 1986, com 16 anos, quando a juventude apoiava a candidatura de Fernando Gabeira para Governador do Rio e os conservadores se voltavam para Moreira Franco, eu trabalhei por Darcy Ribeiro, que acabou derrotado nas urnas em decorrência do Plano Cruzado, que fez o PMDB abocanhar o governo da maioria dos estados brasileiros.
Foi nessa época que comecei a ler a literatura típica de esquerda, de Sartre a Marx. A leitura de A História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman, provocou meu afastamento intelectual das causas esquerdistas. As semelhanças entre o marxismo e o cristianismo, claramente relevados pelo livro, ainda que de forma involuntária, me levaram a buscar novos horizontes políticos. A leitura de Nietzsche nesta época só fez confirmar meu insight das estranhas semelhanças que havia identificado entre o marxismo e o cristianismo.
Na presidencial de 1989 eu já morava no Rio de Janeiro e passei a simpatizar com a social-democracia. Apoiei Mário Covas para presidente. Estive prestes a assinar a ficha de filiação ao PSDB nesta campanha, mas preferi fazer a campanha como não filiado. Na universidade que cursava (UFRJ), os Centros Acadêmicos eram dominados pelos brizolistas. O PT era uma minoria ruidosa, mas minoria. PSDB, PMDB e a direita da época quase não tinham defensores entre os estudantes.
Com a derrota de Mário Covas, Lula aparecia como única opção do segundo turno. Aquela divisão atirou-me na esquerda mais uma vez, de onde só fui sair em 2005 com a eclosão do episódio do mensalão. Entre 1990 e 2005 li mais uma vez boa parte da literatura da esquerda, da Revista Carta Capital e Caros Amigos até Saramago e Hobsbawm. Com o fracasso do PT em apresentar uma alterativa à esquerda – já que o primeiro Governo Lula foi essencialmente uma continuidade do Governo FHC – e com o desenrolar da CPI dos Correios, em que as entranhas do PT foram expostas, afastei-me do PT.
Lula, quando candidato, dizia que sua eleição, por si só, poderia provocar considerável redução da corrupção. Descoberto o escândalo, diante da percepção aparente de que o PT era até mais corrupto do que os demais partidos, o Presidente Lula chegou a dizer que o PT só fez o que todos sistematicamente fazem. Ou seja, antes do mensalão, o PT se dizia diferente por ser mais ético do que os demais. Depois do mensalão, o Presidente Lula mudou totalmente o discurso, dizendo que o PT não era mais corrupto do que os demais: era apenas tão corrupto quanto os outros.
Ao me afastar do PT (partido a que nunca cheguei a me filiar), afastei-me também da esquerda. Passei a ler autores conservadores, como Edmund Burke, economistas liberais, como Adam Smith, John Stuart Mill, Hayek, e pensadores inclassificáveis, como Tocqueville. Ainda me tomo por liberal, mas muito distante das posições de Reagan e Thatcher. Não sou contra algumas regulações, apesar de não defender empresas estatais. Acredito que a economia de mercado não funciona adequadamente sem um Estado forte, que garanta a livre concorrência e combata os carteis e os monopólios. E não acho que toda a discussão econômica no Brasil se restrinja ao tripé econômico. Acho que há um Brasil diverso por trás de toda a discussão econômica acadêmica produzida no país, e esta discussão nem sempre leva em conta as peculiaridades daqui.
Os partidos perderam sua identidade, o PSDB se consolidou como força representante do conservadorismo, o PMDB se firmou como partido regido pelos interesses regionais – nem sempre republicanos -, o PSOL parece querer refazer o caminho do PT e os demais partidos não chegam a ter agenda definida. Diante desse panorama, prefiro ficar de fora discutindo minha própria panaceia, as críticas e o conjunto de medidas que, acredito, poderiam ajudar nosso país. E é assim que pretendo atuar durante essas eleições.
No momento, não tenho vinculação nem simpatias partidárias. Ninguém é totalmente isento. Todos somos a soma de nossas experiências, nossas leituras, nossa formação. No entanto, farei um esforço para contribuir com o debate político atual com o mínimo de polarização, mesmo porque este Fla-Flu ideológico vivido pelo Brasil só faz reduzir o espaço para nossa evolução e aprendizado.
Gustavo Theodoro