No estudo da moral e da ética, é bem conhecido o dilema que vivem os que resolvem atuar na esfera pública. Por vezes, o realismo político impõe o descumprimento de promessas, a quebra de acordos ou mesmo o emprego da mentira como medida tática, visando ao alcance de um bem maior.
Temos visto no Brasil pessoas bem intencionadas defenderem esses 12 anos de governo do PT sob o argumento de que os pobres foram beneficiados neste período, o que supostamente não teria acontecido com outro governo. A divisão entre pobres versus ricos tem sido manejada repetidamente, como se o maior partido do país, ocupante do cargo mais importante da República em um regime presidencialista, não constituísse uma elite tal como a econômica ou mesmo a cultural.
Até aqui tanto o discurso da flexibilidade ética quanto o da identificação da elite política com os pobres tem sido bem sucedido. Resta saber que efeitos terão as últimas revelações do ex-Diretor da Petrobrás, Paulo Roberto da Costa, sobre a percepção dos ferrenhos defensores do atual governo.
O Caso Petrobras é grave pois não se trata de uma empresa qualquer: é a maior empresa da América Latina. Além disso, a Petrobrás foi frequentemente utilizada nos embates eleitorais para decisão dos pleitos. Um diretor da Petrobrás do Governo FHC sugeriu mudar o nome da Petrobras para Petrobrax, o que gerou forte reação da oposição da época, encabeçada pelo PT, sob a acusação de que a medida não passava de preparação para a privatização da empresa. Nas sucessivas campanhas presidenciais, esse episódio foi revivido para decidir as eleições. O PT sempre se apresentou como aquele que mais bem tinha autoridade moral para defender a empresa.
Até hoje o PT se porta desta maneira. Marina Silva não deu, segundo Dilma Rousseff, a devida importância ao pré-sal em seu programa de Governo. No debate do SBT, o assunto pré-sal foi escolhido por Dilma para fazer seu primeiro ataque direto a Marina Silva. Isso revela o quanto o PT conta com a identificação entre a Petrobras forte e seu mandato.
As revelações de Paulo Roberto da Costa, segundo a Revista Veja, desmontam a tese de que a empresa estatal está defendida dos interesses escusos. Segundo ele, os contratos bilionários firmados pela Petrobras sempre continham percentual de devolução. Ou seja, sempre que um contrato era assinado com as empreiteiras da Petrobras, parte desses recursos deveria voltar por meio de paraísos fiscais ou doleiros para abastecer a base aliada do Governo.
Nem é possível dizer que Dilma Rousseff não tinha nada a ver com isso. É certo que as notícias mais recentes dão conta de que foi o próprio ex-Presidente Lula que indicou Costa para uma Diretoria da Petrobras. Mas Dilma Rousseff era Ministra de Minas e Energia em 2004, ano em que Costa foi indicado. Quando foi para a Casa Civil, Dilma tornou-se Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás. Torna-se difícil alegar distanciamento do caso, já que são tantos os indícios de proximidade. Paulo Roberto da Costa ficou 8 anos no cargo, de 2004 a 2012. É improvável que um dia tomemos conhecimento do montante de recursos públicos desviados por essa quadrilha. Mas não custa tomarmos nota de alguns valores.
O Bolsa-Família, programa de maior uso eleitoral pelo Governo, custa anualmente R$ 25 bi. O Prouni, programa que permite o ingresso de jovens de baixa renda em faculdades de baixa qualidade, custa menos de R$ 1 bi por ano. O Programa Mais Médicos custa cerca de R$ 1,5 bi por ano, sendo que deste valor cabe à Cuba R$ 1 bi. Agora vamos à Petrobrás. Pasadena será ainda objeto de depoimento de Paulo Roberto da Costa. Mas o prejuízo registrado pela Petrobrás foi de R$ 500 mi, apesar de analistas de mercado apontarem perdas superiores a R$ 1 bi. Uma única refinaria, que ainda não está pronta, já tem custo estimado de R$ 40 bi. Trata-se da Refinaria Abreu e Lima, construída em Pernambuco, terra do falecido Eduardo Campos. São R$ 40 bi por uma refinaria. Que ainda não está pronta.
É evidente que comprar uma base aliada custa muito dinheiro. Nunca, desde a ditadura militar, um presidente teve base tão robusta como a Presidente Dilma. Parece que, com as revelações recentes, torna-se mais claro como alguém tão pouco afeita à política partidária construiu a maior base da história recente.
Pela minha vivência dos anos recentes, os últimos iludidos ainda apelarão para a necessidade da reforma política e da instituição do financiamento público de campanha, como se acreditassem que essa montanha de dinheiro se devesse exclusivamente ao “caixa 2 eleitoral”. Assim, mas uma vez o culpado será o PMDB e o sistema político, que força o honesto mas pragmático partido do Governo a tomar caminhos que preferiria evitar. Resta saber em que momento o pragmatismo se transformou em puro descaramento. Em que momento o rompimento dos limites éticos deixou de se justificar pelas boas intenções.
Ética e moral têm sentidos semelhantes, já que ética vem do grego ethos, que significa hábitos; e moral do latino mores, que significa costumes. O risco da corrupção é que ela tende a se tornar um hábito. No início, ela pode até ser justificada com alguma racionalização do tipo: mas sem comprar a base aliada em não consigo governar. Depois de se habituar a essas práticas, tudo passa a ser visto como normal. E justifica a fala de Lula durante o mensalão: o PT só fez o que todo mundo já fazia.
Está contida na democracia a expectativa de alternância de poder. E a alternância se justifica, também, pela renovação dos grupos políticos. Eu ainda não decidi meu voto, mas já estou certo de que não votarei na Dilma e no PT nessas eleições presidenciais. Isso não se deve apenas à degradação dos limites éticos do partido e do governo. Mas o nível de corrupção atingido nos diz que é hora de o PT passar um tempo na oposição, até para refletir sobre seu desvirtuamento ético e para voltar renovado daqui a alguns anos. Pois na democracia os grupos políticos se revezam e não devemos temer isso. Pelo contrário: alternância de poder é prova de força da democracia de um país.
Gustavo Theodoro