Não é tarefa fácil definir o que nos individualiza. Seríamos nós o que somos se não fôssemos vistos pelos outros? Ou, reformulando, será que nossa vida interior, as experiências e traumas por que passamos são exalados em nosso comportamento público, na forma como nos mostramos para outras pessoas?
Para nos ajudar a desenvolver essas questões, o novo filme de Christian Petzold, Phoenix, é imperdível. Nele, a personagem de Nina Hoss é levada à Auschwitz. Volta com o rosto desfigurado – talvez não só o rosto -, mas sobrevive ao campo. Após algumas cirurgias plásticas, retorna à caótica e dividida Alemanha do pós-Guerra. Seu marido não a reconhece. Mas, por achá-la parecida com sua mulher, propõe que a sobrevivente se passe por ela para que possam receber uma herança.
Nesse ponto começam as reflexões sobre o que nos faz nós mesmos. Em Memento, o personagem central da trama não guarda novas memórias. Talvez por perceber que ninguém pode viver assim, ele cria um roteiro para si próprio, dando um sentido para sua vida. Para ele, nós somos, essencialmente, nossas memórias.
Nossa personagem de Phoenix tem desafio um pouco diferente: ela precisa convencer o marido de que pode se passar por ela mesma. Mas, o que faz dela ela? Será o jeito de andar? Teria ele se modificado em razão das agudas experiências de vida por que passou? Será que uma experiência dessas pode alterar a personalidade a ponto nos tornarmos fisicamente irreconhecíveis?
São essas as questões que o filme propõe. Ninguém esperava respostas a questões tão abertas, evidentemente. Mas o filme é conduzido de forma perturbadora e tem um final de beleza ímpar. Propõe inicialmente a reflexão, mas com o tempo somos simplesmente levados pelo filme a seu clímax, que não decepciona.
Phoenix estreou nos pequenos cinemas de arte das grandes cidades neste final de semana. Se você tem acesso a ele e gostou das questões que ele propõe, não deixe de conferir. Não será tempo desperdiçado.
Gustavo Theodoro
Sempre acredito muito nas suas sugestões. Realmente, o tema parece ser bem interessante. Se conseguir, vou dar uma conferida.
Grande abraço.