Tragédia Grega

ruinas gregas

Com a aprovação de um pacote de ajuda à Grécia, a novela em que se transformou a crise do euro ganhará alguma sobrevida. Para um analista imparcial, a dívida externa grega parece impagável. Além disso, a contínua aplicação de receitas ortodoxas fez com que o PIB continuasse caindo, tornando o pagamento da dívida mais incerto.

Apoiado pela população grega, o Syrisa prometeu um futuro com menos sofrimento, ou menos austeridade pelo menos. Ganhou as eleições e, até semana passada, parecia disposto a tudo para fazer prevalecer a vontade do provo grego. Eis que essa semana tudo mudou. Com a mudança do ministro da economia, o discurso se moderou e o líder grego, Alexis Tsipras, aceitou o dinheiro da troika em troca de um pacote bilionário de ajuda.

Ao que parece, a receita do medicamento que vinha fazendo o doente definhar foi dobrada. Resta saber se o doente vai sobreviver. O debate está polarizado, o que dificulta o entendimento da situação. Os detratores da Grécia se satisfazem ao lembrar que por anos a Grécia deu pedaladas fiscais, que gastos de atividades ilícitas eram incluídas do PIB e que a disciplina fiscal foi relaxada por muitos anos. Tudo isso é verdade.

Mas é verdade também que há seis anos a receita ortodoxa tem sido aplicada e não se vê possibilidade de saída da crise no curto prazo. É também verdade que os indicadores fraudados da Grécia não evitaram que bancos estrangeiros emprestassem grandes quantias à Grécia, o que provocou a exuberância irracional cujo preço vem sendo pago nos últimos anos.

Recente pesquisa divulgada pela OCDE indica que os trabalhadores gregos são os que trabalham mais horas por semana dentro da zona do euro. É certo que isso tem a ver com a baixa produtividade de sua mão-de-obra, mas não se pode tachar o povo de preguiçoso ou malandro a partir da observação da indisciplina fiscal dos governantes do passado. O interessante da pesquisa da OCDE é que são os alemães os que trabalham menos horas (e são, não por coincidência, os mais produtivos). A Alemanha – ou seus bancos – é a maior credora da dívida grega.

É de se notar que os países da zona do Euro não contam com uma das principais ferramentas para a saída de uma crise dessas, que passaria pela desvalorização da moeda acompanhada de alguma inflação. A Argentina e o Brasil passaram por crise semelhante na década de 1990 e ela só foi superada com o fim da paridade com o Dólar ou com o fim do controle cambial. O câmbio flutuante passou a compor o tripé econômico ortodoxo. Interessante observar que quase não se comenta que a moeda única europeia retira dos países em crise essa possibilidade de ajuste.

O debate entre keynesianos e hayekianos também não ajuda muito a iluminar o debate. Para os discípulos de Keynes, deveria estar em análise a política anticíclica, com expansão dos gastos públicos para controlar a crise no mercado de trabalho. O foco de Keynes sempre foi o emprego, nunca a inflação. Hayekianos tendem a colocar a inflação como centro das discussões, como se fosse esse o grande inimigo a ser debelado (além do “planejamento”, citado com muita frequência pela escola austríaca, mesmo não se tendo por certo seu real significado). Como como adotar a política anticíclica com esse buraco no orçamento? E como ajustar o orçamento com o congelamento cambial?

O jogo político do Syrisa parecia ter objetivos claros: conseguir o máximo da união europeia impondo o mínimo de sacrifícios ao provo grego. A elevação do tom de Tsipras parecia indicar que estávamos diante de dois caminhos: calote combinado de parte da dívida grega em troca de calote combinado ou saída da zona do Euro, para que o câmbio flutuante voltasse a dar competitividade à Grécia.

Ambos os caminhos eram temidos pela União Europeia. Sabe-se que a dívida italiana supera em muito a grega e tem a França como principal credora. O desfecho da situação grega pode afetar significativamente a possibilidade de existência futura do euro. Eram essas as armas que Tsipras parecia estar utilizando.

O plebiscito convocado pelo Syrisa parecia indicar que a Grécia tinha as melhores cartas nas mãos. Assim, é surpreendente que, depois de um jogo político bem feito, a Grécia aceite um pacote de ajuda – que não passa de renovação dos empréstimos – em troca de mais austeridade. Ontem o premier grego se manifestou da seguinte maneira: “Não vou tentar fazer este acordo parecer melhor do que é. É um plano difícil. Eu tive que escolher entre um acordo com o qual não concordava, uma quebra confusa ou a opção de Shäuble, a saída do euro.”

Parece-me que, se Tsipras estava disposto a concordar com “um acordo com o qual não concordava”, o jogo político dos últimos meses deixou de fazer sentido. Quando estava prestes a conseguir algo, optou pelo caminho tradicional, não sem antes inflamar os eleitores gregos, talvez inviabilizando seu futuro político. Kant dizia que quem não sabe o que procura não entende o que encontra. Tsipras acabou de fazer uma bela demonstração dessa máxima.

Gustavo Theodoro

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