Assistimos nas últimas décadas a uma acirrada polarização do debate econômico. Duas correntes acabaram predominando: uma, centrada em valores liberais, privilegia ideias propagadas a partir do chamado Consenso de Washington; outra, de contornos desenvolvimentistas, acredita na participação do Estado na função do ordenamento da economia e privilegia, por exemplo, o emprego e a renda sobre a inflação e o equilíbrio fiscal.
Esse debate é, de certa forma, requentado, pois a história do pensamento econômico já nos revelou, no século passado, eminentes pensadores com as mesmas sérias divergências de enfoques e de prioridades.
Friedrich Hayek, grande economista austríaco, alcançou destaque mundial por suas ideias combatendo o planejamento da economia. Seu principal alvo, depois de reconhecido, passou a ser o regime soviético. Hayek testemunhou a ascensão do fascismo nos anos 1930 e se convenceu de que, independentemente da existência do comunismo, o planejamento concentrava poderes e terminava por arruinar a democracia.
Apesar de ser tido como representante do liberalismo e um dos fundadores do neoliberalismo, Hayek raramente utilizava argumentos econômicos para combater o planejamento e as economias centralizadas. Constantemente seus escritos abordavam o planejamento para, a seguir, tratar de seu resultado: o autoritarismo.
John Maynard Keynes já era admirado na universidade, pois era pessoa de notável brilho pessoal e de inteligência vibrante. Mesmo antes de publicar a sua principal obra, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, em 1936, já tinha alcançado sucesso com os seus Um Tratado Sobre a Probabilidade e Um Tratado Sobre a Moeda.
No pós-guerra, Keynes foi o economista mais influente do mundo e dominou o cenário econômico até os anos 1970, quando Thatcher adotou Hayek e o partido republicano adotou as ideias de Milton Friedman.
Interessante observar que Keynes, que testemunhou o crash de 1929 na Inglaterra, sempre deu destaque ao emprego em sua teoria econômica. Já Hayek, que testemunhou o processo de hiperinflação alemã, realçava o controle da inflação em sua abordagem econômica.
Um velho professor de história ensinava que geografia trata de clima, vegetação e mapas, enquanto a história trata de pessoas. No entanto, é notável como a vivência de cada um influencia até mesmo a produção acadêmica de grandes pensadores.
Não se sabe até que ponto a geografia influenciou o pensamento econômico de Keynes ou de Hayek. Mas é certo que, no local e no tempo onde o emprego era o maior dos problemas, foi formado o economista que é um dos preferidos de toda a esquerda mundial em sua ênfase no combate ao desemprego. Do mesmo modo, a parte do mundo que conviveu com o fenômeno da hiperinflação e com o nascimento de regimes autoritários produziu um economista extremamente libertário que influenciou Thatcher, Reagan e, de certa forma, até hoje influencia a direita do mundo (o debate do partido republicano revela bem a força de suas ideias, com a aversão aos controles estatais e a ênfase ao controle da inflação).
Muitas vezes nos julgamos únicos donos de nossos próprios pensamentos. Mas é útil que nos questionemos o quanto somos influenciados pelo ambiente que nos cerca. Talvez assim possamos, quem sabe, superar algumas das limitações geográficas que se instalaram em nosso cérebro.
Gustavo Theodoro