Um vídeo produzido por um grupo de fãs do Foo Fighters da cidade de Cesena, na Itália, correu o mundo. Cerca de 1000 músicos tocaram ao mesmo tempo a música Learn To Fly. A performance pode ser conferida no link abaixo:
O vídeo levou um ano para ser produzido. Os músicos ensaiaram diariamente por todo esse período. Ninguém recebeu salário para participar dele. O fato de terem conseguido reforça a tese bastante contemporânea de que estamos muito longe de sermos tratados unicamente pelo viés econômico (homo economicus). Tampouco parece adequado que sejamos tratados como seres movidos a estímulos.
Vejam que, para a produção do vídeo, a participação foi voluntária. Cada um contribuiu da maneira que entendia melhor: tocando um instrumento, cuidando da gravação e da edição, ou mesmo da divulgação do clipe. E mesmo assim, sem cobranças de horários, sem controle de atividades, sem prêmio de produtividade, sem chefes. Como isso foi possível?
Lembro-me da história de um chefe que produzia o pior ambiente organizacional possível. Eram cobranças injustificadas, excessos de controles e tudo o mais que caracteriza a velha gerência. Em sua defesa, ele dizia não fazer o estilo de chefe “pop star”, ressaltando o caráter negativo da expressão. Como será que um gestor nessa fase (atrasada) do desenvolvimento explicaria a disciplina, o empenho e a dedicação dessas pessoas para produzir esse belo resultado?
Pois a ciência moderna tem buscado explicações. O ser humano busca significado para o que faz. Mas isso ainda é vago. Há autores – em especial Daniel Pink – que defendem a importância de, pelo menos, três elementos que atuariam diretamente na motivação e propiciariam a conclusão dos projetos: a autonomia, a excelência e o propósito.
Autonomia não se confunde com liberdade para fazer o que se quer. Não se trata disso. É conceito é razoavelmente complexo, mas pode ser encarado com dar as pessoas algumas liberdades que a gestão do século XX não admitia, não necessariamente em conjunto: liberdade de horário, para que o tempo seja gerido da maneira mais conveniente a cada um; concessão de espaço para modificar processos, visando atingir os objetivos da instituição; abertura de canais de comunicação e ampliação da estrutura de decisão, de modo a envolver mais pessoas, dentre outros.
A busca pela excelência é um dos motores da motivação. Tentar ser bom em alguma atividade, lutar para fazer algo de suas melhores características, isso pode levar alguém a gastar horas na frente de um piano, praticando uma modalidade esportiva ou estudando um assunto complexo e, aparentemente, inútil. E isso pode ser visto na gravação do vídeo dos músicos de Cesena, pois o trabalho ficou exemplar.
Não é só em laboratório e pesquisas controladas que essas teses funcionam. Muito daquilo com que convivemos hoje partiu de motivação gerada não por remuneração formal ou por sistemas de chefias hierárquicos. A enciclopédia Wikipedia, sistemas como o Linux, os servidores Apache, tudo isso só existe graças a força dessa motivação que a ciência contemporânea começou a identificar.
No entanto, mesmo nos países desenvolvidos é difícil vencer a crença nas ideias de Taylor, na obsessão pelo controle ou, um mal mais atual, a febre dos indicadores e da premiação por resultado. Eu sei que é contra intuitivo pensar que dar um propósito para um funcionário pode ser mais importante do que pagar um prêmio por uma meta. Que dar autonomia por dar mais resultados do que prometer um aumento no final do ano. Não que dinheiro não seja importante. Ele sempre será. Mas para problemas complexos, o incentivo financeiro pode até atrapalhar.
As lições que recebemos diariamente não podem nos passar incólumes. Revejam o vídeo. É possível que se o governo brasileiro obtivesse o mesmo resultado se criasse uma estatal e investisse alguns milhões de reais em um projeto como esse? Não é difícil supor que a qualidade do vídeo produzido pela FooFightersBras não alcançaria a dos fãs da banda. Trazer esses elementos para qualquer organização nunca é tarefa fácil. O que não se pode é deixar de tentar e continuar fazendo o que sempre foi feito. Pois esse é o caminho certo para a falência das empresas privadas e da ineficiência das organizações públicas. Vamos aprender a voar?
Gustavo Theodoro