Após dar a entender que iria apoiar Sergio Moro nas eleições de 2022, o comentarista da Jovem Pan Caio Coppola, bolsonarista, foi fortemente atacado por seus seguidores. Esses ataques o levaram a uma espécie de retratação, quase um pedido de desculpas, acalmando os ânimos daqueles que o acompanham.
Hamilton Carvalho já abordou (links ao final desse artigo) o tema da psicologia do fanatismo, o custo psicológico de se abandonar sua identidade política, a dissonância cognitiva que faz expulsar novas ideias por conta do desconforto produzido e, por fim, sobre o sentimento do pertencimento e sinalização de identidade. A análise psicológica bem informada nos ajuda a compreender esse perturbador fenômeno que transforma pessoas que jugávamos absolutamente ponderadas em fanáticas disseminadores de Fake News.
Já testemunhei isso quando acompanhei a forma como amigos e conhecidos justificavam a corrupção ou a incompetência petista tendo incialmente por argumento o bem maior que representava um governo a eles alinhado ideologicamente. Quando os fatos passaram a contradizer qualquer possibilidade de racionalização, fatos alternativos eram evocados de modo a preservar a crença até então defendida.
Guido Mantega, o Ministro da Fazenda mais longevo dos governos do PT, reconheceu ter recursos não declarados em conta numerada na Suíça. Antonio Palocci, talvez o mais importante Ministro de Lula e Dilma, confessou ter arrecadado propina com empreiteiros tanto para campanha como para distribuição a membros do partido. Apesar disso, há firme convicção entre os simpatizantes do PT de que todos os processos que os filiados ao partido sofreram nos últimos anos decorreram de perseguição, com alegações inclusive de participação da CIA.
O bolsonarismo não ficou atrás nas racionalizações e na falta de apego aos fatos. Na campanha e no primeiro ano de Governo o discurso contra o Centrão, cujos políticos eram tratados como ladrões, era repetido. Desde o início deste ano, Bolsonaro não para de repetir que sempre foi do Centrão, a ponto de se filar na semana que passou ao partido de Valdemar da Costa Neto, que cumpriu pena na Penitenciária da Papuda, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Foram anos de pregação contra a urna eletrônica. Um grande número de pessoas com camisa da CBF foi às ruas diversas vezes para pedir voto impresso. Após o 7 de setembro de 2021, Bolsonaro tem dito que agora confia no nosso sistema de votação. Essas mudanças súbitas, ao contrário do que seria esperando por nós que não somos versados em psicologia, tem o efeito de aumentar o comprometimento pessoal com a causa e, no caso, com o líder que, na aparência, parece saber o que está fazendo.
Há um outro aspecto que explica a manutenção do apoio a causas que, vistas de fora, estão totalmente arruinadas. O pensamento filosófico sofreu significativa inflexão a partir do final do século XIX e início do século XX com a constatação de que “Deus está morto”, algo que teve forte impacto na condução dos assuntos humanos. A autoridade, a religião e a tradição deixaram de dar suporte ao governante, que passou a depender de contratos para sua manutenção ou, quando era possível, substitutos desses valores que ficaram para trás.
Os EUA, por exemplo, tiveram sua Revolução que fundou a República e promulgou uma Constituição, que, por muito tempo, cumpriu a função que deixou de ser exercida pela autoridade divina dos soberanos. Nas sociedades mais homogêneas, aquelas que se pode atribuir o termo Estado-Nação, critérios étnicos tiveram papel importante no século XX, com as consequências que bem conhecemos, como guerras, eugenia e separatismo.
Após o sopro de otimismo da década de 1990, em que mesmo o pessimista e anti-hegeliano Isaiah Berlin imaginou que as democracias ocidentais iriam se espalhar pelo mundo, nosso século apresentou dificuldades que não antevíamos. O autoritarismo aumentou e democracias consolidadas tiveram incremento em suas características oligárquicas ou plutocráticas. As possibilidades de ação política, de participação efetiva nos debates públicos, eram cada vez menores antes do advento das redes sociais. Com elas, retornou um sentimento de efetiva participação e influência de cada um, retirando as pessoas do ostracismo político, devolvendo-os à ágora, ainda que digital.
Se por um lado o pensamento é algo que só pode ocorrer na solidão, a ação política pressupõe atividade conjunta, cujo sucesso depende de estar de acordo com um certo número de pessoas. Estar entre pessoas agindo em conjunto propicia aquilo que os redatores da Constituição Americana chamavam de felicidade pública, que deveria, no entender deles, ser direito de todos.
Ao mesmo tempo, a radicalização simula uma guerra, em que parece sempre haver um inimigo a ser vencido em batalhas de vida ou morte. Os donos das redes sociais perceberam que algoritmos que destacavam e agregavam extremos atraíam audiência. Um ciclo vicioso se criou, em que a mentira, com suas múltiplas caras, parecia sempre mais atraente que a verdade. A falta de realidade compartilhada, em que as pessoas já não concordam nem quanto aos fatos, levou o centro político a perder a maioria que os regimes democráticos historicamente apresentavam.
O clima constante de guerra gera paixões. Lembro aqui de Robert E Lee, oficial militar na Guerra Civil americana, que disse ser “bom que a Guerra seja tão terrível, se não, nos afeiçoaríamos demais a ela”. Sim, esse clima de guerra dá sentido à vida das pessoas. É guerra sem mortes pode durar mais tempo. Há muitas citações com conteúdo semelhante. Lembrarei de apenas mais uma, de J. Glenn Gray: “A paz expôs um vazio nas pessoas que a excitação permitiu que elas encobrissem”.
Caio Copolla se desculpou e provavelmente não dará mais sinais de que pode abandonar o bolsonarismo em consequência de sua experiência recente. Os que não pertencemos a grupos fanáticos, devemos manter os olhos abertos e as mentes arejadas, pois ninguém está imune aos mecanismos de cooptação que tão bem conhecemos. Antes cético que fanático. Pensar com independência tem um custo, que pode ser até a solidão. Antes sacrificar a presença de outros que a integridade de consciência.
Gustavo Theodoro