O dia 22 de março de 2014 foi marcado pelas “Marchas da Família” em algumas capitais do País. Há 50 anos, era realizada a marcha original que marcou o apoio de parte significativa da sociedade brasileira a uma intervenção que levasse à derrubada do Governo João Goulart.
A batida frase atribuída à Marx, de que a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa aplica-se de alguma forma ao momento atual. Apesar de alguns colunistas verem semelhanças entre os dois períodos, são as diferenças que tornam a atual marcha tão patética. Neste primeiro post retratarei um pouco do ambiente político da época. No segundo, faço uma análise sobre o momento atual.
O Governo Jango foi marcado por muita desconfiança por parte de uma parcela da população brasileira. Havia um forte acirramento da opinião pública, um temor – agora sabemos injustificado – de que o comunismo estivesse prestes a se instalar no País. A estabilização de Cuba, proliferação das táticas de guerrilha pelo mundo, a China e a Guerra Fria davam razões a este tipo de temor.
Jango – hoje também podemos afirmar – não tinha pretensões de dar uma guinada rumo ao comunismo. No entanto, com o acirramento do debate público, Jango acabou por se aproximar daqueles que proferiam discursos radicais.
Jango cometeu diversos erros políticos, como a decretação do Estado de Sítio para o afastamento de Lacerda, do qual teve que recuar. Com a impossibilidade de se levar adiante a reforma agrária, os sindicatos sinalizaram o fim do apoio ao Governo. Sentindo-se isolado, em março de 1964 Jango fez seu famoso discurso aos trabalhadores, que foi lido por parte da sociedade civil como a adesão de Jango aos movimentos radicais.
Quase nenhum jornal importante o apoiava àquele momento. O comunismo era uma realidade no mundo e o movimento de qualquer Governo era acompanhando de perto pelos principais atores da Guerra Fria, os EUA e a URSS. A URSS havia apoiado inclusive com agentes a intentona comunista de 1937 e financiava o partido comunista do Brasil. Os EUA apoiavam financeiramente grupos de oposição a Jango. Ainda que seu Governo fosse razoavelmente moderado, seus discursos proferidos durante o mês de março indicavam uma clara inflexão à esquerda.
Com a insurgência de sargentos da marinha e da aeronáutica, a crise começou a se refletir dentro das forças armadas. A participação dos militares na vida pública era frequente. Para se ter uma ideia do panorama da época, antes da posse de Jango os ministros militares divulgaram nota com sua posição sobre o assunto, algo totalmente inadmitido nos dias atuais.
Não se vê militares fazendo pronunciamento na imprensa sobre o momento político do País e é muito forte a oposição de sua participação na vida pública. A saída do regime de exceção rumo à democracia foi recebida com entusiasmo pela população. Ainda que o regime democrático seja alvo de constantes críticas e que tenha entregado pouco do que dele se esperava, não há um movimento daquela maioria silenciosa a que se referia Kant clamando a volta do regime militar.
Lembro-me de estar na Venezuela na década de 1990 e muito me surpreendi com o discurso presente naquela sociedade favorável a um golpe militar com o intuito de restabelecer a ordem. Enquanto no Brasil havia clara percepção de que a quebra do regime democrático significava um retrocesso, na Venezuela a crença em golpes e revoluções seguia firme.
No fatídico 30 de março de 1964, Jango se pronunciou apoiando o movimento dos sargentos e suboficiais violando frontalmente a hierarquia militar e instigando a rebelião. Seu discurso foi transmitido pela TV, sendo considerado até hoje o estopim da revolta militar havida no dia seguinte.
O que vimos em 1964 foi a vitória dos radicais, que estão presentes nas franjas de qualquer sociedade, mas raramente adentram o centro do poder. Em 1963 e, particularmente, em 1964 o radicalismo havia tomado a cúpula das corporações militares e do Governo Jango. A vitória do radicalismo resultou em um regime militar que perdurou por 20 anos.
Feito este resgate histórico, no próximo post trato de analisar as semelhanças e diferenças entre o ano de 1964 e o momento atual.
Gustavo Theodoro