Há semelhança entre Rachel Sheherazade e Drauzio Varella? Aparentemente nenhuma. Rachel Sheherazade é jornalista conservadora do SBT, que recentemente foi proibida de emitir opiniões em horário nobre. Drauzio Varella é médico, prestou serviço voluntário no presídio do Carandiru, escreve na Folha de São Paulo, apresenta programas para a Rede Globo sobre prevenções e cuidados com a saúde. Até agora nenhuma semelhança foi notada entre estes dois personagens. No entanto, há algumas opiniões que os aproximam.
Rachel Sheherazade, ao comentar o episódio em que um menor de idade foi detido e amarrado em poste nas ruas do Rio de Janeiro, disse que compreende a atitude dos justiceiros. Acrescentou ainda que os defensores dos direitos humanos que não concordassem com a medida que adotassem um bandido. Minha impressão é que se tratou de um comentário infeliz, já que foi revelado que os jovens que prenderam o menor vinham patrulhando as ruas, substituindo a polícia em seu papel. É certo que o artigo 301 do Código de Processo Penal autoriza o cidadão comum a prender os que se encontram em flagrante delito. Mas a legislação não autoriza que os cidadãos saiam às ruas à procura de bandidos, ainda que a intenção seja a de coibir o crime.
Rachel Sheherazade, em seu comentário a que tive o cuidado de assistir, não defendeu o linchamento de bandidos nem propôs que a sociedade saísse às ruas em reação. A jornalista declarou que compreendia a atitude das pessoas diante da omissão da polícia.
No dia 19/04/2014, o médico Drauzio Varella publicou uma coluna na Folha de São Paulo em que tratou do estupro na sociedade (face à pesquisa do IPEA), relatando sua experiência de quando atuou no Carandiru. Segundo o Dr. Drauzio, o estuprador tinha vida muito difícil na cadeia. Destaco o seguinte trecho de sua coluna, tratando de condenado por estupro que havia recebido 50 facadas dos demais detentos:
Quando perguntei a um dos detentos que havia carregado o corpo até a enfermaria, por que razão respeitavam o assassino de um pai de família, enquanto barbarizavam o estuprador, ele respondeu com voz pausada:
– Quem mata uma pessoa pode passar o resto da vida sem matar mais ninguém. O estuprador vai sair daqui e atacar outra mulher, que pode ser a sua filha ou a minha irmã. Esses caras são anormais.
Não lhe tiro a razão. De fato, aceitamos com mais condescendência um assassino do que o estuprador. O estupro é o mais abjeto dos crimes.
Não lhe tiro a razão, foi o que escreveu o Dr. Drauzio. Colocando-se no lugar dos bandidos, entendeu seu ponto de vista. Na verdade, o Dr. Drauzio foi um pouco além do compreendo da Rachel Sheherazade. Não lhe tiro a razão é de uma concordância efetiva com a explicação do detento.
O Dr. Drauzio é um velho defensor das boas causas, da prevenção de doenças, prestou serviço voluntário, ou seja, é alguém que poderíamos chamar de pessoa de bem. Rachel Sheherazade é evangélica, contra o aborto, contra as drogas, a favor da autodefesa e da redução da idade para responsabilidade penal. É pessoa que usualmente trataríamos como alguém da direita conservadora.
Apesar de as declarações revelarem um paralelo, já que tanto a jornalista quanto o médico compreendem aquele que comete um crime, Rachel Sheherazade sofreu poderosa campanha difamatória e intimidatória por parte dos chamados blogs de esquerda, enquanto o Drauzio Varella teve seu texto reproduzido pelos mesmos blogs sem qualquer alegação de que o médico poderia estar incitando as pessoas ao crime.
O que será que distancia Drauzio Varella de Rachel Sheherazade? Por que Rachel Sheherazade foi tão ofendida pelos blogs e redes sociais, enquanto o artigo de Drauzio Varella não gerou nenhuma repercussão?
Deixarei a resposta para os leitores. Não concordo com boa parte das opiniões de Rachel Sheherazade. Preocupa-me, no entanto, observar jornalistas serem silenciados quando suas opiniões não agradam certa minoria, particularmente se esta minoria está alinhada ao poder governamental. Pois silêncio promovido pelo Governo, seja de que forma for, é equivalente à censura. E a liberdade de expressão é um valor de tão difícil conquista que não podemos retroceder o mínimo que seja.
Gustavo Theodoro
E eles possuem uma outra diferença bastante significativa não colocada no texto: Drauzio é ateu convicto, Rachel é evangélica fervorosa.