O Espanto do Filósofo

A alta velocidade da vida moderna nos aliena da reflexão sobre o mundo ao nosso redor. O sentimento de urgência é incentivado pela atualidade. Carpe Diem, expressão que contém uma mensagem positiva, pode também trazer angústias quando fazemos apenas o que a vida nos exige, sem conseguir cumprir as expectativas próprias e externas. Com isso, a urgência por aproveitar a vida nos impede de aproveitá-la. Voltaire chegou a tratar do assunto quando disse que a busca pela felicidade tornou a humanidade mais infeliz. E o grau de infelicidade aumenta com a intensidade da busca.

A leitura de autores clássicos, filósofos antigos e contemporâneos, nos dá uma boa indicação deste fenômeno. As perguntas essenciais da filosofia helênica envolviam o termo por que. O objetivo da busca pela filosofia era encontrar a verdade, que deveria estar em algum lugar dentro de nós mesmos, cuja porta de acesso era, provavelmente, a contemplação. A política gozava de baixo interesse, refletindo a desimportância atribuída à vida ativa na época.

Apesar de os romanos terem concepção oposta a dos gregos, sendo homens essencialmente práticos, a filosofia que vicejava no período ainda se ocupava dos porquês, era ainda resistente a deixar a essência de lado. Foi com o Iluminismo que os homens abandonaram a busca pela verdade por algo mais imediato, cuja resposta poderia ser obtida de outra maneira.

São diversos os sinais de que foi a era da razão que promoveu essa revolução no modo de conceber o mundo e que, quem sabe, é a origem dos atuais males de nossa sociedade. Aqui não se está minimizando ou desconsiderando os enormes avanços científicos promovidos pela elevação da razão e da vida ativa ao centro de nossa vida na terra. A contemplação era prática corrente no Cristianismo até o século XVI, pelo menos, havendo relatos dessa prática no catolicismo até no século XVII.

A escola da dúvida, criada por Descartes, penetrou nos mais diversos ramos do conhecimento. Os limites do incognoscível foram delineados. Kant tratou a coisa-em-si, ou seja, aquilo que existe independentemente de nossa nossa existência, com certo descaso. Assim, Kant escreveu o epitáfio da metafísica, ao mesmo tempo que a substituição do por que pelo como fazia a ciência e a técnica progredirem.

Kierkegaard, que se tornou cristão, procurou escapar da dúvida, mas acabou por levá-la para dentro da religião. Sem querer, também os filósofos não se deram conta dos possíveis efeitos do império da razão sobre a filosofia. Goethe lutou com todas as forças contra as evidências científicas da época. Escreveu um livro magnífico sobre a teoria das cores, erudito e belo, porém reprovável pela falta de método científico. Goethe seguiu a velha escola e disse algo que poderíamos muito bem colocar na pena de Platão: eu submerjo em mim mesmo e encontro o mundo.

Como diria Robert Pirsig, autor venerado de Zen e a Arte da Manutenção das Motocicletas, deixamos de filosofar para fazermos filosofosofia, ou o estudo dos filósofos. Nada mais distante das ideias de Platão, que dizia que o filósofo não nascia da leitura, mas da observação do mundo, do espanto por sua existência ou, em suas palavras: “O assombro é o que mais sente o filósofo, e a filosofia não tem outra origem senão esta”. Confirmando que era esse o espírito da época, Aristóteles também deixou escrito algo parecido: “Pois é devido ao seu espanto que os homens começam a filosofar, tanto hoje como antes”.

Os tempos atuais são outros. Não sei se tenho alguma proposta de solução para a crise do homem moderno e sua incessante e infrutífera busca pela felicidade. Mas os que se aventurarem pelo caminho da filosofia devem ter em mente que é o estar no mundo que nos desperta para a filosofia; é o tipo de olhar próprio do filósofo, interessado e espantado, afeito mais ao porquê que ao como. É a observação do mundo e a coragem para fazer as perguntas sem respostas que forjam o verdadeiro filósofo, ainda que as respostas não estejam ao nosso alcance.

Gustavo Theodoro

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