Em 1947, os EUA lançaram o Plano Marshall. A Europa estava destruída e ninguém queria repetir os erros cometidos no final da Primeira Guerra. Os países da Europa ocidental que aceitaram aderir ao plano e receber os recursos do EUA tiveram imenso desenvolvimento no período de 1947 a 1951. Muitos levaram sua economia a patamares superiores aos observados antes da Segunda Guerra.
Alguns países do leste europeu não dispunham de autonomia suficiente para decidir seu futuro. A Polônia, por exemplo, encontrava-se subjugada pela URSS e não lhe foi permitido aderir ao Plano. No entanto, um país em especial poderia ter recebido os recursos dos EUA: a Tchecoslováquia. O partido comunista ainda não estava no poder quando do lançamento do plano. E seu governo ainda operava com razoável autonomia. Só sete meses após a Tchecoslováquia recusar a ajuda americana o partido comunista deu golpe de estado, colocando o país à disposição da URSS. O resto é história. Os países da Europa ocidental se tornaram ricas democracias e os países do leste europeu tornaram-se países pobres e esfaimados.
Evidentemente, o historiador está em vantagem sobre os que viveram o momento. Hoje já sabemos que o regime comunista só durou tanto tempo em razão de sua natureza totalitária, e não devido a seus méritos econômicos. A análise dos discursos dos políticos tchecos do período revela, no entanto, que havia considerável conhecimento das vantagens de aderir ao Plano Marshall. Havia, no entanto, o medo de sair da esfera de influência da URSS. O medo, ao final, acabou predominando. E isso selou o destino do país.
Há um vídeo de uma aula de Michael Sandel sobre justiça que é muito revelador. Antes de chegar a ele, é bom recobrar as lições dos meus velhos filósofos. Já escrevi aqui o que Sócrates pensava sobre a capacidade humana de discernir o certo do errado, os comportamentos moralmente justificáveis dos imorais. Em certo momento de seu diálogo com Fedro, Sócrates disparou a pergunta: o que é bom, Fedro, e o que não é bom; será que alguém precisa lhe ensinar isso? Não me surpreende que Sócrates duvide de que alguém precise aprender algo para fazer bons julgamentos morais.
Ocorre que Kant também escreveu algo que vai na direção semelhante. Veja que isso é, sob muitos prismas, surpreendente. O Sócrates de Platão acredita que já nascemos com a posse de todo o conhecimento de que precisamos. Mas não temos acesso imediato a ele. Kant, é bom que nos lembremos, tirou a metafísica da sala (é certo que depois a trouxe de volta discretamente, mas sobre isso já escrevi).
Para Kant, no entanto, o bom julgamento moral não decorre de lembranças de um contato com a verdade, mas sim de virmos equipados de plena competência para distinguir o que é bom do que é mau, o que é conforme e o que é contrário ao dever, bastando que, sem nada lhe ensinarem de novo e aplicando apenas o método de Sócrates, a torne simplesmente atenta a seu próprio princípio (da razão), mostrando-lhe como não precisa de ciência nem de filosofia para saber como é que uma pessoa se deve portar para ser honesta e boa, e até sábia e virtuosa.
Voltemos então à aula de Michael Sandel. O tema é justiça. Um auditório lotado de alunos de primeiro ano interage com o professor. E Sandel propõe algumas questões morais que rapidamente se tornam complexas. O que impressiona no vídeo é como alunos de primeiro ano, que ainda não estudaram Kant ou John Raws, conseguem tomar, quase sempre, as melhores decisões diante das questões apresentadas. Ou seja, a aula de Sandel, de certo modo, comprova empiricamente os pensamentos de Kant e Sócrates.
Voltemos agora à Tchecoslováquia. Seja pela razão, seja pelo conhecimento inato, os tchecos sabiam qual era a decisão certa a tomar. E tomaram más decisões pelo simples fato de terem medo de encarar as consequências. Kant nunca foi utilitarista. Nunca foi pragmático. Na terminologia moderna, ele estaria mais para sonhático. Por isso Kant, se ousasse dar conselhos, diria para seguirmos o caminho que sabemos correto. Mesmo se nada der certo.
Gustavo Theodoro