Reforma Política

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Em seu discurso após a proclamação do resultado das eleições presidências, Dilma Rousseff lançou no centro das discussões políticas uma única reforma: a Reforma Política. Apesar de não apoiar inteiramente o diagnóstico, de que essa é a reforma mais importante, vejo que o assunto começou a ganhar corpo. Assim, faz-se necessário que nos posicionemos sobre o assunto.

Rejeito qualquer proposta envolvendo constituinte específica ou mesmo plebiscito. Isso porque entendo desnecessárias amplas mudanças em nossa Constituição, mas também por entender que temas excessivamente complexos não são sujeitos a respostas binárias, do tipo sim e não.

A reforma política defendida pelo PT envolve financiamento público de campanhas e voto em lista. Já escrevi sobre financiamento de campanha. Sou contra o financiamento público. É evidente que qualquer método é sujeito a imperfeições e desvios. Mas apoio o financiamento privado, pois é importante criar um vínculo entre o eleitor e o eleito, de forma que o comprometimento do eleitor com o eleito vá além do voto. Uma das tarefas de políticos de alguns países mais desenvolvidos é telefonar para os eleitores de sua região em busca de recursos e trabalho voluntário para sua campanha. Acredito que esse tipo de conduta aproxima representantes e representados. O incremento nas doações de pessoas físicas pode fazer com que o eleitor acompanhe com mais interesse o desempenho do eleito, fazendo a cobrança necessária dos compromissos assumidos na campanha.

Para corrigir alguns problemas do sistema político, proporia a adoção das seguintes medidas: fim do voto obrigatório, ajuste na proporcionalidade da Câmara Federal, fim do horário eleitoral gratuito e do fundo partidário e fim das coligações em eleições proporcionais.

São reformas simples, sendo que duas delas exigem mudanças na Constituição: a obrigatoriedade do voto (§1 do artigo 14) e o horário eleitoral gratuito e o fundo partidário (§3º do artigo 17). Voto é direito, não obrigação. Democracia se faz por aqueles que desejam dela participar. É antidemocrático obrigar que o cidadão exerça esse direito. Quase não encontro quem se oponha a isso, exceto políticos, principalmente aqueles que abusam do poder econômico.

Quase todos os políticos justificam os gastos de campanha por meio de alegações de que gravar programas de TV é muito caro. A propaganda gratuita implica renúncias fiscais da ordem de R$ 1 bilhão. É muito dinheiro, vale mais do que um ano de Prouni, programa de governo destinado à formação superior. O fundo partidário distribui ervanário semelhante aos partidos e alimenta a criação de partidos nanicos, sem qualquer penetração na população, mas que recebem uma fatia do polpudo fundo, incentivando a existência dos políticos profissionais.

Estou de acordo com a decisão que está para ser tomada pelo STF de proibir doação de empresas para campanhas políticas. Com o fim da propaganda gratuita, as campanhas tendem a ficar mais baratas. Com doações apenas de pessoas físicas, haverá muito menos dinheiro disponível para a campanha. Os políticos deverão exibir mais criatividade e talvez sejam até mesmo instados a produzir ideias, o que não temos visto nas últimas campanhas.

Visando a dar identidade aos partidos, sou a favor da proibição de coligações em eleições proporcionais. Partidos que não atingirem o coeficiente eleitoral não teriam representantes. A cláusula de barreira seria revivida sem necessidade de explicitá-la. E com o fim do fundo partidário, não haveria vantagens em pertencer a bancadas muito reduzidas.

Não acredito que seja a necessidade de financiamento das campanhas a causa da corrupção. Ela continuará existindo mesmo que as campanhas sejam financiadas com dinheiro de impostos. Nunca é demais lembrar que um gerente da Petrobrás sozinho se dispôs a devolver quase US$ 100 mi que ele tinha roubado para si próprio. E que a corrupção grassa inclusive em anos em que não há pleitos eletivos. A tese de que é o financiamento de campanha que alimenta a corrupção assemelha-se à tese de que é a proibição da droga que faz os bandidos. As comunidades com milícias arrecadam mais dinheiro fruto de crime do que as dominadas pelos traficantes. Isso é fato. O que alimenta a corrupção são os corruptos.

O PSDB e seus apoiadores defendem a adoção do voto distrital misto. Dizem que a vinculação de um parlamentar a um distrito diminui o custo da campanha. Mantendo as eleições proporcionais para certo número de deputados, seria possível captar um voto minoritário de opinião que as eleições majoritárias – tal como exige o voto distrital – não valorizariam.

Entendo que o sistema proporcional sem as coligações já atende a esses princípios do voto distrital misto, sem que seja necessário modificar inteiramente nosso sistema eleitoral com a criação artificial de distritos. Hoje alguns deputados são eleitos por municípios ou regiões, enquanto outros recebem o voto de opinião, por serem conhecidos por ampla parcela da população. São as coligações que embaralham nosso voto proporcional. A extinção das coligações é matéria de Lei Complementar.

O sistema bicameral tem como um de seus objetivos dar mais garantias ao sistema democrático. Uma das casas legislativas deveria representar os cidadãos, o povo, e a outra os Estados da Federação. O Senado está corretamente representado, com três senadores por Estado (eu preferiria apenas dois, com mandatos alternados de oito anos). Já a Câmara Federal confere sub-representação aos estados mais populosos, como os da região sudeste. Vejam que a Federação já é adequadamente defendida pelo Senado. A Câmara deveria guardar proporcionalidade com a população, mas a Lei Complementar 78/1993 estabelece número mínimo de oito deputados e máximo de 70 deputados, impedindo que os estados mais populosos sejam adequadamente representados.

São reformas razoavelmente pequenas, mas que mudariam profundamente nosso sistema político. Sei que nenhuma dessas reformas está para ser encaminhada. Pelo contrário, o que se fala é em constituinte exclusiva, em voto em lista e em financiamento público exclusivo de campanha. Particularmente, não sou simpático a nenhuma dessas teses. Voto em lista favorece a máquina partidária. Financiamento público transforma definitivamente os políticos em burocratas que, se bem posicionados em seus partidos, podem se perpetuar à custa de nosso dinheiro. E constituinte exclusiva só se justificaria se nosso sistema político necessitasse de uma reformulação geral. Não acredito que seja esse o caso. Mas deixo aberta a questão aos aporéticos.

Gustavo Theodoro

2 comentários

  1. Caro Gustavo:
    Gostaria de me posicionar, como você sugeriu ser necessário, sobre esta questão. E aproveito seu espaço para o fazer… concordando, em parte, mas registrando também algumas divergências em relação à sua opinião.
    Primeiro, acho que a reforma política é, sim, fundamental. Um amigo petista coerente – se é que isso não representa uma “contradictio in terminis” – rssss – insiste em dizer que o mensalão, o petrolão e todos os escândalos mais que surgirem, só existem porque é impossível governar com tantos partidos “solicitando” cargos e vantagens pós-eleitorais, por conta do apoio dado antes. Não se pode negar que há, pelo menos, um pouco de verdade nisso. Não concordo que toda a verdade esteja aí, mas… Bem, a solução, então, é eliminar os partidos fisiologistas, que são criados apenas para “vender” apoio. Além disso, há outros assuntos importantes neste “pacote”, como o financiamento público ou privado das campanhas e etc. E eu concordo plenamente com você que isso não é assunto de plebiscito, visto que há um viés técnico importante em vários itens.
    Sua análise segue um caminho preciso, que um único comentário não conseguiria dar conta de comentar. Mas eu gostaria de me ater a um ponto específico. Antes de tocar nele, queria dizer que sou muito pessimista em relação ao Brasil. Assim, várias soluções que eu vejo como boas, de um modo geral e absoluto, eu paro para pensar como funcionariam aqui na nossa República das Bananas. Um exemplo histórico, para mim, é a reeleição. Sempre defendi a ideia. Acho que um bom governante deve ter o direito de seguir fazendo bem o seu trabalho. Mas… aqui no Brasil, vi que, na prática, as coisas não funcionam bem. Faz-se um governo estrategicamente voltado para a reeleição… e ponto final. Portanto, agora sou contra a reeleição… quase chegando a pretender que seja obrigatória uma transferência obrigatória do poder a cada quatro ou cinco anos. Mas há que se amadurecer essa ideia.
    De qualquer modo, quero falar sobre sua ideia da não obrigatoriedade do voto. Discordo… não em tese, mas por uma questão meramente pragmática. Se assim fosse, só o partido com a militância mais “empolgada” ganharia as eleições… por acaso, o PT. Não que isso represente, por si só, um problema. Mas a questão é que vamos, cada vez mais, reduzindo a representatividade da democracia que tanto é prezada. Embora eu seja um pessimista quanto ao “caso Brasil”, lembro que já tivemos uma situação parecida na tão ilustrada França. Vou apelar à sua memória, já que a minha não é boa. Mas lá vai a situação. Há algum tempo, a França se assustou com um dos candidatos que foi para o segundo turno da eleição presidencial, um ultrarradical de direita. O pessoal se deu conta que a não obrigatoriedade do voto permitiu que o grupo de direita se mobilizasse melhor e fosse responsável pela vitória parcial do seu candidato. Obviamente, o remédio para isso, foi, no segundo turno, a massa contrária às ideias do tal partido igualmente se mobilizar e ir às urnas, a fim de dar a vitória ao candidato mais moderado.
    Já falei demais. Abração,
    Ricardo.

  2. Olá Ricardo,
    Com o desapreço que as pessoas tem pela política, é provável que uma minoria decida votar. É o que ocorre em outros países. Mas meu lado liberal, de aceitar a liberdade de as pessoas tomarem seus próprios caminhos, é que pavimentam esse caminho. Não consigo conciliar democracia com voto obrigatório. Os riscos existem para os dois lados. A obrigatoriedade do voto pode incentivar o voto cabresto e reforçar a importância do poderio econômico, pois mesmo o mais desinteressado por política irá votar, sendo esse que menos se informa e menos se interessa o mais suscetível a se deixar levar por propagandas. É isso. Legal você vir aqui.
    Um abraço,

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