A semana teve diversos temas em destaque, mas acredito nenhum deles tenha repercutido tanto como a fala do Deputado Federal Jair Bolsonaro. Em debate com a Deputada Maria do Rosário, Bolsonaro proferiu a seguinte frase:
Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí. Fique aí, Maria do Rosário. Há poucos dias você me chamou de estuprador no Salão Verde e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir.
O significado da frase é bastante elementar. Bolsonaro disse que não estuprava Maria do Rosário porque ela não merecia. O que nos faz pressupor que, segundo o entendimento do Deputado, há mulheres que merecem ser estupradas. E sobre essa afirmação iniciou-se campanha pela cassação do Deputado.
Não trataria de Bolsonaro se o tema não resvalasse nos pilares de sustentação da república. Bolsonaro é um Deputado representa um nicho do eleitorado, em geral representado por pessoas intolerantes e ignorantes, que defendem a ditadura militar, a morte de bandidos por policiais, a homofobia e outras barbaridades. Ou seja, trata-se de figura menor do parlamento, pouco afeito à verdadeira atividade política. Por isso, utiliza-se de conflitos que, na maior parte das vezes, ele mesmo provoca para ganhar visibilidade e difundir suas ideias retrogradas. É geralmente muito bem sucedido. Com essa estratégia, foi o Deputado mais votado do Rio de Janeiro e elegeu seus três filhos, dois Deputados Estaduais e um Vereador.
Durante a ditadura militar, o congresso foi fechado e deputados foram cassados em diversas situações. Por conta disso, temos tomado cuidado para que a liberdade de expressão seja garantida, em especial a dos políticos. Ninguém se esquece de que foi o discurso do Deputado Moreira Alves em 1968 que culminou no fechamento do Congresso Nacional e no AI-5.
Assim, além do dispositivo do artigo 5º da CF/88 que cuida da liberdade de expressão, o artigo 53 da mesma carta assim dispõe:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
Vejam que o Deputado se aproveita das barreiras que levantamos para proteger nossa República para defender o período de sombras, atacar minorias e ofender pessoas ou grupos. Demos aos parlamentares a inviolabilidade por suas opiniões e palavras, mas Bolsonaro quase faz com que nos arrependamos disso.
A regra do artigo 53, no entanto, não dá a proteção completa que os parlamentares imaginam. Já é pacífico que a mentira pode ser considerada quebra de decoro parlamentar. Demóstenes Torres fez discurso em plenário negando relações com o Carlinhos Cachoeira. Depois que restou provada a relação, o então Senador passou a defender a tese de que mentir não se constituía quebra de decoro e aventou a possibilidade de estar protegido pelo artigo 53 da CF/88. Ao final, teve seu mandato cassado pelo plenário do Senado.
Assim, o Deputado Bolsonaro não deveria estar tão seguro de sua inviolabilidade. A questão só se torna tormentosa na medida em que sabemos que ele representa com precisão os que nele votaram. Ou seja, Bolsonaro, o Deputado mais votado do Rio de Janeiro, se comporta tal como é vontade de seus eleitores. Ele representa fielmente seus eleitores. Se olharmos pelo lado dos ofendidos, Bolsonaro deveria ser cassado. Se olharmos pelo ângulo garantista, de que vivemos em um sistema representativo e que mesmo a minoria tem o direito de manifestar suas opiniões, por mais abjetas que sejam, Bolsonaro deveria ter assegurado o direito de proferir suas asnices.
Eu sou um democrata. Mesmo um democrata se coloca a pensar diante desse abuso da prerrogativa que demos aos parlamentares. Minha tendência é de manter o mandato do sujeito, mas tratar de revelar o descalabro de suas opiniões para que elas jamais se derramem pela sociedade, tornando-se majoritária. É minha opinião.
Gustavo Theodoro