Partidos políticos devem se relacionar a um conjunto identificável de ideias bem definidas, representando, assim, uma parcela (parte) da sociedade, que se entende essencialmente partida. O bipartidarismo americano não me entusiasma nem um pouco, visto que a humanidade costuma ser muito complexa para ser dividida em apenas dois conjuntos de ideias. Ao mesmo tempo, as dezenas de partidos existentes no Brasil revelam situação indesejável em que não é sequer possível divisar, na grande maioria dos casos, o que diferencia cada legenda.
É indispensável fazer menção à excelente série dinamarquesa Borgen, que retrata os bastidores da política e da cobertura da imprensa naquele país. É necessário prevenir que assistir à série pode provocar profundo desânimo quanto à política brasileira. Apesar de a política ser atividade excessivamente dependente da imagem, em que características indefiníveis como o carisma se fazem necessárias, os episódios evidenciam como ainda é possível dialogar e estabelecer acordos desde que a identificação de cada partido seja bem-feita.
Segundo o seriado, a política dinamarquesa era composta por cinco partido políticos: os liberais (a favor da liberdade econômica e da redução do estado de bem estar social), os trabalhistas (herdeiros dos socialistas, alinhados com o trabalhismo sindical), a nova direita (muito comum na Europa, partido voltado à tradição, aos valores do país, sendo, essencialmente, xenófobo), os verdes (que não demandam maiores explicações) e os moderados (partido de centro, com tendências liberais na economia, mas socialdemocrata quanto às obrigações do Estado).
Em um regime parlamentarista, após as eleições, caso nenhum dos partidos tenha ocupado a maioria das cadeiras no parlamento, é necessário que o partido mais votado busque fazer alianças de modo a alcançar a maioria. Essa combinação política exige flexibilidade dos partidos ao mesmo tempo em que seus líderes tentam manter a coerência programática. Esse arranjo faz com que todos os partidos que participam da coalizão que conduz o governo tenham responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso. Além disso, o líder fraco ou incompetente pode ter seu mandato abreviado sem que isso represente algum tipo de trauma para o país.
As vantagens desse sistema político são notáveis e exige que cada partido busque se diferenciar para buscar seu espaço no parlamento. E os partidos acabam, de fato, representando uma parcela da sociedade, sendo que sua representatividade depende, essencialmente, da abrangência de suas ideias entre a população. Havendo clara identificação de seu programa, não seria admitido a um partido, como vemos aqui no Brasil, rasgar seu programa de governo para adotar o do adversário. Tampouco veríamos a oposição votar contra suas próprias criações unicamente para fustigar o governo de plantão.
Já me manifestei aqui contra o financiamento público de campanha. Sou a favor do financiamento privado das campanhas e dos partidos sob pena de o sistema político se transformar em uma sinecura, em um cabide de empregos sustentado por dinheiro público. Sim, pois o que sustenta a miríade de partidos políticos brasileiros são, basicamente, tempo de televisão pago pelo Estado e Fundo Partidário. Com esses recursos, surgiu a figura do dono de partido, que negocia dinheiro público recebido gratuitamente.
Como não há possibilidade de se terem programas diferentes para o número de partidos existente no Brasil, nossas legendas acabam não representando, efetivamente, ninguém. Cada um vota na pessoa que melhor se apresenta, cuja eleição – para o legislativo – depende de complexas coalizões partidárias e cálculo do incognoscível quociente eleitoral. Nesse sistema é reduzido o compromisso do congressista eleito com seu partido, talvez menor ainda é seu compromisso com o eleitor, impossível de ser identificado nas coalizões. Se os pequenos partidos têm a cara do dono, os médios são indistinguíveis (tais como PTB, PL, PP e PRB) e os grandes fazem o possível para esconder eventuais ideologias (como PT, PSDB e PMDB).
Em artigo anterior, já defendi qual seria minha panaceia para a reforma política: fim do voto obrigatório, ajuste na proporcionalidade da Câmara Federal, fim do horário eleitoral gratuito e do fundo partidário e fim das coligações em eleições proporcionais. Estamos ainda muito longe disso. Sempre que se discute reforma política esses temas não são sequer mencionados (muito pelo contrário, já que o Congresso aprovou aumento do Fundo Partidário). Mas não me custa voltar à defesa de um sistema partidário mais enxuto. E ele começa pelo fim do interesse dos políticos nos recursos e no tempo de televisão que acompanham a fundação de um novo partido. Com os incentivos vigentes, não chega a ser surpreendente que nosso sistema seja tão fragmentado e tão pouco aderente às divisões da sociedade; e que seja cada vez mais comum ouvirmos o bordão: “esses políticos não me representam”. E não representam mesmo.
Gustavo Theodoro