Eu não gosto do Governo Dilma. Acho que ela não terá capacidade – em especial liderança – para tirar o País da crise em que estamos. Houve estelionato eleitoral. Houve erros na condução da economia. Houve descontrole nas contas públicas. Parte da crise política é de responsabilidade do PT e do Governo Dilma. No entanto, o impeachment aceito por Cunha após o PT ter anunciado que iria aceitar a denúncia contra ele no Conselho de Ética torna todo o processo viciado. Há robustas provas contra Eduardo Cunha. Dinheiro da Lava-Jato e contas na Suíça. Tudo documentado.
Já crime de responsabilidade por descumprimento da Lei Orçamentária me parece pouco para o impeachment. Pela interpretação literal, até acredito que a Lei preveja o impeachment para esses casos. Ocorre que não é assim que os tribunais entendem a matéria. Há tolerância para isso em todos os Estados e Municípios. Precatórios não são pagos. Decisões judiciais não são cumpridas. Rombos são produzidos. E a pena para esses casos é, quando muito, a inelegibilidade. Ou seja, é correto condenar a Dilma a não se candidatar de novo? Sim. Mas impeachment por isso significa utilizar duas réguas diferentes para a mesma medida.
Se e quando comprovarem que a campanha dela recebeu dinheiro de corrupção, o TSE pode cassá-la. Nesse caso há precedentes. Governadores e Prefeitos já foram cassados por isso. Mas o TSE só cassa quando julga que há provas suficientes. Julgamento político iniciado por um poder cuja liderança está comprometida com base em matéria para a qual não há precedente fará mais mal do que bem a nossas instituições. Não deixemos nosso anseio por mudança da situação atual levar a um atraso ainda maior em nossas instituições.
Caro amigo Gustavo:
Normalmente concordo com suas avaliações, mas, neste caso específico, vou me dar o direito de tomar partido oposto ao do amigo.
Contudo, antes de registrar minha discordância, vou me aproximar de sua opinião sob alguns aspectos. Penso que segundo governo Dilma está sendo um desastre, e muito disso tem a ver com o modo com que ela construiu a vitória na eleição, e com os ajustes, obviamente, necessários para tentar corrigir os descaminhos anteriores.
Também não tenho certeza de que o impeachment seja a melhor saída… embora me pareça que não será uma simples passagem do PMDB da vice para a Presidência, visto que o documento que o PMDB lançou parece estar configurando sua preparação para um novo posicionamento – não que eu tenha grandes esperanças de isso ser tão melhor do que é -, mas pode inspirar confiança no mercado, mais do que o PT está conseguindo agora.
As disputas, mesmo entre os juristas, sobre a legalidade do impeachment diante das circunstâncias atuais estão muito vivas. Particularmente, acompanho os que acham que é viável proceder ao processo de impedimento diante dos fatos já investigados.
Mas… não é essa a minha questão principal. Quero discutir a questão “Eduardo Cunha”. E é aqui onde discordo de você.
O represamento que havia, até ontem, ao início do procedimento contra a Dilma era obviamente produzido pela necessidade de “autopreservação” de Cunha – enquanto “negociava” com a tropa da Dilma. Mas… a verdade é que o papel de Cunha é quase o de um “carimbador de protocolos”. Ele só teria que ver se há algo absurdo no pedido, e, caso não houvesse, carimbar um “Segue”, e lavar suas mãos. A questão é institucional. Quem decide, primeiro, é a tal comissão com 66 parlamentares. E, se eles aprovarem o prosseguimento, a coisa vai ao Plenário, para aprovação de dois terços dos deputados.
Veja, não é necessário nem defesa da Dilma, nesse primeiro momento, já que ela não está sendo julgada pelo Cunha. Portanto, embora eu também ache que o Cunha mereça ser afastado, não vejo o mínimo problema em ele deflagar o início do procedimento, por parte da instituição Câmara de Deputados, de análise de impeachment da Dilma.
Grande abraço,
Ricardo.
Olá Ricardo,
Seja bem-vindo. Aqui é o lugar certo para as discordâncias. Acho o tema do impedimento muito polêmico. No aspecto jurídico achei por bem acolher os argumentos pela manutenção do mandato em face da jurisprudência dominante. Não há caso de Governador que tenha sido deposto por esse motivo. E olha que muitos deixaram inclusive de pagar salário. Apesar do descalabro fiscal do Governo Dilma, isso não ocorreu ainda. É certo que a condenação do TCU pode gerar inexigibilidade. Isso já ocorreu outras vezes, inclusive com Governadores. Agora impedimento não se tem notícia.
Por isso mesmo acho que, em circunstâncias normais, outro Presidente da Câmara não abriria processo nessa situação. Foram muitos pedidos de impeachment neste mandato. Não me parece que um regime presidencialista sobrevive bem com comissões especiais sendo criadas a cada semana para analisar pedidos de impedimento. Assim, penso que a análise do Presidente da Câmara deve mesmo ser rigorosa, pois estamos falando de mandato concedido pelos eleitores por eleição direta. Assim, o juízo de admissibilidade deve, a meu ver, ser bem estreito. De todo modo, o importante é que todos possamos nos posicionar sobre o assunto com a cabeça fria. Nos últimos dias testemunhei muita briga nas redes sociais. Acho importante o posicionamento e a tentativa de entender o posicionamento do outro. Para melhorarmos nossos argumentos ou até mudarmos nossa opinião. Conversando podemos chegar às melhores decisões e, que sabe, influenciar outras pessoas.
Obrigado pelo comentário.
Um abraço,
Caro Gustavo:
Já que o exercício dialético é uma marca deste espaço, continuarei opinando sobre o tema. Rsss
Como eu havia dito, e, de certa forma, você corroborou, a questão da possibilidade do impeachment é disputada mesmo entre juristas. Ambos, eu e você, portanto, fizemos uma escolha pela corrente a seguir – eu, sobre a adequação; você, sobre a inadequação da medida.
Embora esse nem fosse o ponto principal da minha argumentação, pois o que eu visava mesmo era sua tomada de posição contra o Cunha conduzir o processo, gostaria de fazer uma saudável “provocação”.
Hoje, li na Folha que foram rejeitados no STF alguns pedidos para barrar o ato de Cunha. Há decisões de Celso Mello e Gilmar Mendes no sentido de dar continuidade ao rito. A decisão de Gilmar Mendes, inclusive, indica que ele não encontrou “vícios” no ato de Cunha, e que a possível inimizade ou existência de interesses político-partidários divergentes entre o presidente da Câmara e a presidente da República não significam violação de garantias dos direitos desta última. E mais, alguns ministros ouvidos em off, pela Folha, disseram que “em tese, não há problemas de Cunha acolher o pedido de impeachment, uma vez que esta é uma atribuição do cargo”.
Essa última parte vai fazendo uma transição para a questão que eu considerava principal: a participação de alguém sob suspeita no início do procedimento de cassação de outro alguém sob suspeita. E aí, junto-me aos ministros do STF que indicam que, em tese, não há problema algum, visto que esta é uma atribuição de quem está no cargo naquele momento – ainda que, no futuro, se venha a reconhecer que o sujeito era um pilantra de marca maior. Aliás, se isso impedisse qualquer ação do, até agora, presidente Cunha, quantos e quantos atos seus teriam que ser revogados… afinal, até onde eu sei, ele já chegou à presidência da Câmara do jeitinho que ele é hoje, com contas não declaradas no exterior, com propinas de lá e de cá, e etc.
Só para apimentar mais as coisas: lembre-se que quem conduziu a CPI que acabou por impeachmar o Collor foi o Ibsen Pinheiro, que, depois, foi, ele também, cassado pelo escândalo dos anões do Orçamento.
Grande abraço.
Caro Ricardo,
Veja que a discussão que travamos aqui é de pessoas desapaixonadas, que nem odeiam o PT e Dilma com todas as suas forças nem os defendem apesar das evidências. Acho que é por isso que dá para discutir.
Eu concordo com os Ministros do STF. Juridicamente, não há como anular o ato do Cunha. Era algo que estava dentro das prerrogativas dele, a tese da acusação é defensável, por que não abrir ação?
No fundo, acho que estou influenciado por nossa cultura, que considera que, para afastar um presidente, é necessário provar corrupção ou compra de votos. São esses os dois casos mais comuns de impedimento.
Nosso sistema legal é tão confuso, com tantas regras que se sobrepõe, que parece, em princípio, absurdo alguém ser cassado por ter editado decreto de suplementação de despesa ou por demorar para devolver os recursos gastos pelos bancos públicos em nome do Governo.
Particularmente, acho que o apenamento por rombo orçamentário excelente, didático, pois países desenvolvidos guardam extrema obediência ao orçamento. Aqui o dinheiro público parece que não é de ninguém. Mas temo – e que estamos só nos argumentos utilitaristas – que cassada a Dilma, o orçamento continuará a ser visto da mesma maneira, sem nenhum aperfeiçoamento.
De todo modo, o flecha já foi lançada. Resta agora tentar evitar o acirramento dos debates, pois nem estamos diante de golpe nem o congresso é obrigado a votar pelo impeachment. E torçamos para que nossas instituições sobrevivam a esses Cunhas, Renans e Cia.
Um abraço,