O Que Cabe aos Políticos

Marina em Dúvida

Marina Silva disse ao colunista Antônio Prata que não sabia o que fazer diante da crise política. Disse ainda que não conseguia tomar partido diante do acirramento de ânimos. É preciso reconhecer que o cenário político é complexo, que os personagens envolvidos na crise estão buscando a divisão e que cada político parece ter seu esqueleto no armário, propiciando o florescimento do discurso antipolítico.

É exatamente nesse quadro que a voz de Marina fez falta. Justamente por não pertencer aos polos que disputaram o poder no Brasil nos últimos anos (PT e PSDB), a responsabilidade de Marina Silva é maior a dos demais políticos. Seria, se ela se mostrasse à altura da tarefa.

Nós, que não temos simpatias por nenhuma das correntes políticas que se apresentam ao país, não devemos nos acomodar no imobilismo, no “isentismo”, por temor de possíveis rotulações de coxinha ou petralha. O silêncio não é a melhor opção diante da gritaria das redes e da polarização do cenário. É preciso saber combinar a defesa dos direitos e garantias individuais com a defesa das instituições.

John Rawls propunha que o analista social se vestisse com um “véu da ignorância”, de modo que sua posição na sociedade, sua cor, seu sexo, fosse-lhe desconhecido e os direitos e deveres de cada um fosse estabelecido a partir dessa premissa. A situação da política atual exige o mesmo tipo de vestimenta.

Collor sofreu impeachment em 1992. Naquela ocasião, vazamentos de informações bancárias sigilosas levaram à opinião pública o conhecimento das contas fantasma operadas por PC Farias. Marchas lideradas por Lindbergh Farias, jovens de caras pintadas vestidos de verde e amarelo, enfraqueceram a popularidade do Governo, que enfrentava a ruína de seu plano econômico. Depressão econômica, desemprego, base governista desmantelada, vazamentos de informações e violação da intimidade permearam aquele processo (hoje o jardim da casa da Dinda parece conta de café diante das descobertas da Operação Lava Jato). Há semelhanças e diferenças com o momento atual. Importa para mim destacar a coerência de cada um de nós.

Em 1999, em meio à escandalosa privatização das estatais levada a cabo por FHC, grampos telefônicos foram divulgados. Conversas de FHC atuando nos bastidores dos leilões foram captados. Dalmo Dallari e Celso Antônio Bandeira de Mello propuseram o impeachment de FHC em 2001. Esses mesmos juristas vieram a público na semana passada denunciar a divulgação de conversas da Presidente Dilma por supostamente colocarem em risco a segurança nacional. Na mesma cerimônia defenderam que impeachment é golpe. Esse tipo de impostura intelectual revela muito do caráter de cada um.

Sinto-me muito à vontade para reconhecer o erro da divulgação das escutas telefônicas realizadas nas linhas vinculadas ao ex-Presidente Lula. Isso não me impede de constatar que houve tentativa explícita de obstrução de justiça. Reconheço há uma enormidade de provas contra Eduardo Cunha. Isso não isenta o ex-Presidente Lula de ter recebido favores de empreiteiras ao mesmo tempo em que exercia influência sobre o Governo.

O processo contra os políticos com prerrogativa de foro corre de forma mais lenta do que os conduzidos pelo Juiz Sérgio Moro. Isso não faz nascer em mim a necessidade de compensação, de perdão, a todos os que estão sujeitos à “República do Paraná”. Os feitos da Força-Tarefa da Lava Jato são inegáveis. As principais empreiteiras do país estão dispostas a expor a corrupção do sistema que parece existir desde o Brasil Império. Faz-se necessário reconhecer seus méritos, sem, contudo, deixar de apontar os abusos e desacertos.

Não é o caso de utilizar os erros cometidos para exterminar a Lava Jato. Há dois anos, quando Paulo Roberto Costa aceitou fazer sua delação premiada, não poderíamos imaginar que chegaríamos tão longe. A Lava Jato está muito perto de imputar crimes à grande maioria dos políticos relevantes do País, como Lula, FHC, Dilma e Aécio. Ainda que ao fim disso tudo sobre apenas parte do PSOL, o Bolsonaro e o Tiririca, a Lava Jato deve seguir em frente. Não é hora de pensar em argumentos finalísticos, teleológicos, não se deve perdoar que recebeu menos benesses ou quem fez acordos mais baratos só porque a Operação Mãos Limpas na Itália desaguou em Berlusconi.

A situação é complexa, o jogo de forças é intrincado. Mas políticos que almejam à Presidência não devem se calar quando o Brasil exige participação. Aqui vai meu conselho para Marina: se os vazamentos são ilegais, denuncie. Se os favores de empreiteiras ao Lula são imorais, manifeste-se. Se o impeachment por “pedaladas fiscais” lhe parece insuficiente, pronuncie-se. Se há indícios de obstrução de justiça, diga isso claramente. Kant dizia que o verdadeiro bem político é a razão. O momento, para os intelectuais e para os políticos em geral, é de exercitá-la em público.

Gustavo Theodoro

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