Houve um tempo em que a Filosofia pretendia avançar sobre todas as áreas do conhecimento. Como o tempo, o conhecimento foi se especializando e houve um divórcio entre as ciências duras e a filosofia.
A filosofia, no entanto, nunca deixou de influenciar a física. Demócrito, há mais de 2300 anos, propôs que a matéria poderia ser desconstituída em átomos, algo que foi apropriado pela ciência, ainda que as partículas consideradas elementares hoje sejam outras (quarks e léptons). A ideia de que houve um início de tudo sempre se contrapôs a ideia de que nada é mutável (vide as oposições entre Heráclito – tudo flui – e Parmênides – toda mutação é ilusória).
A física segue sendo influenciada por nossa cultura. A ideia de um início é muito forte nas religiões com berço em Jerusalem. Einstein escreveu há mais de cem anos suas famosas equações sobre relatividade geral que permitiram a descrição do universo como o conhecemos hoje. Ajustes têm sido feitos na teoria, mas havia diversas situações que estavam abertas a pesquisas, por não serem totalmente explicadas, como a taxa de crescimento do universo (fenômeno descrito pelo termo “inflação”), a misteriosa “energia escura”, e previsões só recentemente comprovadas, como as ondas gravitacionais.
Para estudar o suposto início do universo, foi necessário adotar algumas premissas e aplicá-las às equações de Einstein. Qualquer estudante de física sabe das dificuldades que a física tem para lidar com singularidades. Hawking inclusive fez sua carreira estudando uma espécie de singularidade: os buracos negros. Singularidades, em termos matemáticos, não passam de situações em que, sob determinadas condições, algum termo tende ao infinito (ou apresenta-se uma divisão por zero).
Por isso estudar o universo e sua suposta criação é tão difícil. As equações de Einstein começam a apresentar singularidades nos estudos de início e fim do universo e são as condições impostas por quem está solucionando o problema que permitem que se chegue a um resultado. O Big Bang é um consenso na ciência, apesar de estar apoiado em bases frágeis. As teorias de universo eterno, com o tempo, ganham força como uma possibilidade, uma alternativa. Essa matéria de O Globo traz uma dessas alternativas. Percebe-se, também, um sentido filosófico na busca empreendida pelo autor do estudo: “Filosófica e fisicamente também não faz sentido presumir um início do Universo do nada”. Se o universo teve início no Big Bang, o que havia antes? E o que é o nada? Avançamos, mas o debate de Heráclito e Parmênides ainda é atual.
Gustavo Theodoro