No primeiro tópico sobre o intervencionismo relatei como conceitos como este podem obscurecer os debates quando não definimos apropriadamente o termo. Observamos ainda que mesmo aqueles que militam pela total independência entre Estado e mercado vez por outra clamam por uma ação Estatal, geralmente para socializar os prejuízos.
Os anos Thatcher e Reagan deram a impressão de que um novo liberalismo estava emergindo, um liberalismo com ainda menor participação Estatal, sendo revividas as teses que consideravam o Estado a origem de todo mal. São o oposto do movimento de esquerda que, com a derrocada do socialismo, passaram a considerar a socialdemocracia agressiva a solução ideológica para sua orfandade.
O que se perdeu neste processo foi a capacidade de se analisar e compreender eventos específicos desvinculados dos grandes sistemas. Falhas pontuais são, muitas vezes, incorretamente identificadas em razão dos preconceitos que termos como intervencionismo, regulação, concessão e privatização suscitam.
As críticas ao Governo Dilma por vezes se dirigem contra sua visão estatista e contra sua percepção de que o Estado deve atuar não apenas como indutor do desenvolvimento econômico, mas como o próprio agente econômico (um bom exemplo disso é a política dos campeões nacionais patrocinada pelo BNDES).
Ano passado tive uma conversa com o especialista em novos produtos de um banco de investimento estrangeiro que atua no Brasil. Ele me explicou que os investidores obviamente têm suas preferências. Preferem privatização à estatização, preferem menos regulação a mais regulação, preferem o modelo de concessões ao modelo de partilha. Mas que o mercado convive razoavelmente bem com as escolhas do Governo Nacional. O que é muito mal tolerado é o ativismo do Governo.
O analista passou a ilustrar sua ilustrar sua tese com um exemplo. No ano de 2012, o Governo lançou um novo produto que iria disponibilizar recursos para compra de ativos industriais. Produto correto com objetivos adequados, segundo o analista. A taxa de juros era de 4,5%, que deixava pouco espaço para a margem de lucro, mas ainda assim o banco resolveu desenvolver o produto.
Segundo o analista, seu banco leva entre 6 e 8 meses para desenvolver o produto (formar equipes, elaborar regras, executar treinamento, selecionar os potenciais clientes). Passados 6 meses, o Governo verificou que poucos financiamentos haviam sido concedidos no período com a utilização da nova linha de crédito. Impaciente, imaginando que os juros é que estavam impedindo a concessão do financiamento, o Governo resolver reduzir a taxa de juros, de 4,5% para 3,5%.
A redução nos juros acertou em cheio a margem de lucro do Banco. Depois de 6 meses trabalhando para oferecer o produto no mercado, o banco de investimento acabou por desistir de operar com a referida linha de crédito. Segundo o analista, a falta de estabilidade das regras é problema muito mais grave do que as regras estabelecidas por este Governo.
Isto me faz lembrar a pertinente crítica que a revista inglesa The Economist fez ao Governo Dilma. A crítica referia-se justamente ao ativismo do Ministro Mantega, que buscava atuar sempre que identificava o fraco desempenho de algum setor econômico. Como a economia brasileira não cresceu no nível esperado, a revista sugeriu que a Presidente Dilma demitisse o Ministro Mantega, já que ele não estava entregando os resultados prometidos. Tratava-se de clara ironia em referência ao ativismo de Mantega, ironia muito mal compreendida pelo Governo, que não entendeu a piada e produziu resposta formal à revista.
Este exemplo revela que os problema de um Governo muitas vezes passam ao largo dos temas que dominam as discussões. O mercado costuma se adaptar bem às regras estabelecidas pelo Governos, ainda que se reconheça que alguns sistemas são mais favoráveis que outros à geração de riqueza. A falta de estabilidade das regras costuma ser mais prejudicial ao investimento de longo prazo, tão necessário ao crescimento do país, do que as escolhas regulatórias do Governo.
Gustavo Theodoro