A Importância da Política

A situação da Crimeia nos remete aos tempos da Guerra Fria, em que o tom de voz subia na mesma proporção em que os enfrentamentos reais se reduziam. Apesar da aparente baixa beligerância dos países centrais, a prudência no trato com as palavras se faz necessária neste momento.

Na Guerra, a primeira vítima é a verdade. Está é a bem conhecida frase do Senador americano Hiram Johnson. Não estamos em guerra ainda, mas já não está fácil descobrir o que se passa na Crimeia.

A situação torna-se mais grave na medida em que o Europa ainda não se recuperou totalmente de sua crise financeira, os EUA estão incapacitados de participar de nova aventura militar após o desfecho da situação no Iraque e no Afeganistão e a Rússia parece estar prestes a aderir à crise que se aproxima dos países emergentes.

A crise da Rússia impulsiona o Governo pouco democrático de Putin na busca de um inimigo externo, algo que costuma afetar favoravelmente a popularidade de líderes autoritários.

Os EUA não têm se mostrado à altura dos desafios no campo da diplomacia. O caso das armas químicas na Síria é boa demonstração do amadorismo do Governo Obama no trato de problemas externos. Obama havia indicado a existência de um limite imposto ao Governo Sírio: se armas químicas fossem usadas no conflito, os EUA fariam intervenção militar. Armas químicas foram utilizadas, os russos intervieram e os EUA não cumpriram com o prometido. A diplomacia russa saiu vencedora, o que pode ter dado a ela confiança para dar o passo agora dado rumo à Crimeia.

Na primeira eleição de Obama para a Presidência dos EUA, o então candidato Obama fez duro discurso contra um País não alinhado com os americanos, ameaçando inclusive um ataque militar. John McCain então ensinou a Obama que política externa não se faz com retórica agressiva, guardando a agressividade para eventual conflito bélico. Pelo jeito Obama não aprendeu a missão.

Na crise da Crimeia, mas um vez Obama e seus Secretários têm subido o tom, fazendo menções imprecisas sobre o fim da diplomacia com a Rússia. Será isso uma declaração de guerra? Os precedentes da diplomacia americana indicam que não. Tudo não parece passar de mera bravata.

Na Ucrânia, a situação é, também, pouco clara. Movimentos nacionalistas, parte deles neonazistas, tornam difícil o alinhamento automático da opinião pública mundial com o novo Governo. A Crimeia, como se sabe, tem maioria descendente de russos. A Ucrânia, antiga república soviética, vive divisão interna entre os simpáticos à União Européia e à Rússia. O ordem institucional foi quebrada pelo movimento revolucionário. A Rússia, que já tinha tropas na Crimeia em decorrência do acordo que cedeu este território à Ucrânia no meio do século passado, utilizou seu imenso poderio militar para, apenas com a demonstração de força (mas aparentemente sem violência), impedir a influência ucraniana sobre a região.

É preciso saber ler a realidade: plebiscitos com 96% de aprovação dificilmente indicam escolhas livres e independentes. Precisamos nos lembrar das lições de Cícero: Inter arma legis silente ou cercada de armas as leis se calam. Hitler procurou dar legitimidade à tomada de Estados pela utilização de plebiscitos e referendos. Em clara semelhança com o momento atual, todas as anexações propostas por Hitler antes da Segunda Guerra Mundial foram aprovadas por percentuais próximos à unanimidade.

Nós aqui no Brasil adquirimos certa familiaridade com esses processos de consulta nas últimas décadas com o plebiscito do parlamentarismo e com o do Estatuto do Desarmamento. Ambos os processos tiveram um razoável período de debate (alguns meses, ao contrário do da Crimeia, de poucos dias), seguido de votações que apresentaram resultados razoavelmente equilibrados. Ou seja, plebiscitos e referendos, ainda mais quando tratam de desmembramento e anexação de estado, dificilmente são resolvidos por números próximos à unanimidade.

Reconhecendo que o referendo provavelmente não informa a real opinião da população da Crimeia e que a Revolução da Ucrânia colocou em cheque a legitimidade do novo Governo, urge que a boa política, caracterizada pela conversa e pelo acordo, volte a ser praticada. Evidente que para isso os estadistas aparecer, atuando com firmeza na esfera pública.

Já se sabe que a diplomacia dos EUA não está em seu melhor momento. A Rússia tem tradição de agir antes de pensar. É o que temos visto. No momento, Ângela Merkel é quem parece estar em melhores condições para recolocar a Alemanha em uma posição de protagonista no cenário mundial.

Sim, nem todas as decisões estão no campo da mera administração das coisas, como nos fazem crer diariamente. A política, mais do que nunca, é essencial na solução de conflitos desta natureza.  Ainda não sabemos que desdobramentos a situação pode revelar. Neste assunto, estamos com Proudon que profetizou: a fecundidade do inesperado excede de longe a prudência do estadista. Só nos resta esperar que a ação ponderada dos estadistas consigam resolver o conflito de forma pacífica.

Gustavo Theodoro

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