Há pouco mais de uma década, Harold Bloom provocou um intenso debate no campo das ideias acerca dos livros que comporiam o cânone ocidental, a lista mínima de livros que deveriam fazer parte da formação de todos os universitários. Seu livro causou enorme controvérsia, visto que toda escolha implica descarte.
É cada dia mais difícil elaborar listas como essas. À medida que a lista de livros indispensáveis para nossa formação se torna maior, mais distantes ficamos de finalizarmos a leitura de todos esses livros.
Reconhecendo nossa incapacidade ler todos os livros indispensáveis, volta e meia tomarei a liberdade de trazer algum trecho de livro que considero essencial para os debates que faço por aqui. Em minha discussões sobre verdade e política, inevitavelmente retorno à alegoria da caverna, presente em A República de Platão. Trago abaixo um resumo da alegoria, elaborado pelo saber coletivo da Wikipédia, que descreve adequadamente o diálogo havido entre Sócrates e seu discípulo Glauco. É um resumo, pois o diálogo é um pouco mais longo.
Sócrates nunca escreveu uma linha sequer. Tudo o que se sabe dele nos chegou por seus discípulos ou antagonistas. Esta passagem especificamente nada tem de socrática, sendo identificada como da filosofia do próprio Platão, que usa Sócrates nesta passagem para ilustrar seu pensamento.
Imaginemos todos os muros bem altos separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali.
Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde são projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantêm acesa uma fogueira. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade.
Imagine que um dos prisioneiros consiga se libertar e, aos poucos, vá se movendo e avance na direção do muro e o escale, enfrentando com dificuldade os obstáculos que encontre e saia da caverna, descobrindo não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, e mais além todo o mundo e a natureza.
Caso ele decida voltar à caverna para revelar aos seus antigos companheiros a situação extremamente enganosa em que se encontram, correrá, segundo Platão, sérios riscos – desde o simples ser ignorado até, caso consigam, ser agarrado e morto por eles, que o tomarão por louco e inventor de mentiras.
A linguagem adotada pela alegoria é metafórica. O homem que se solta dos grilhões é identificado como o filósofo, aquele que se dispõe a pensar detidamente sobre a verdade, sobre o mundo e sobre o ser. A passagem não deixa de constar uma advertência àqueles que deixam o mundo das luzes e da verdade em busca de trazer compreensão aos que vivem aprisionados por seus grilhões.
Gustavo Theodoro
Preocupada. O inimigo do seu NOVO inimigo é seu amigo. Preocupante.