Nesta semana, o colunista da Folha de São Paulo Hélio Schwartsman citou experimento de Dan Karam. Neste experimento restou demonstrado que as preferências políticas de um indivíduo prejudicam até mesmo sua capacidade de fazer cálculos matemáticos. O tema foi evocado diante das discrepâncias entre os números do rombo causado por decisão do STF relativa à constitucionalidade de um reajuste aplicado na caderneta de poupança nos anos 1990.
Nesta semana, o Financial Times colocou em cheque os cálculos realizados por Thomas Piketty em seu O Capital do Século XXI. Segundo o jornal, para alguns dados contidos no livro, em especial no que tange à desigualdade entre ricos e pobres, não foi possível justificar sua origem. E o foco das críticas é justamente o capítulo 10 do livro, considerado central pela maioria dos resenhistas, visto que congrega os dados sobre a desigualdade de patrimônio entre ricos e pobres.
Uma das críticas mais relevantes do Financial Times diz respeito a um dado sobre o Reino Unido: Piketty estima que 10% dos britânicos têm 71% da riqueza nacional, enquanto o governo do país fala em 44%.
O tema é complexo, já que nem sempre é possível confiar nos dados disponíveis referentes a essas grandezas. Aqui no Brasil compradores de imóveis costumam registrar a transação por valor inferior ao efetivamente desembolsado. O Reino Unido e especialmente os EUA incentivam, por seu sistema tributário, a criação de Fundações para gestão do patrimônio próprio. Além disso, dentre os cálculos efetuados pelos órgãos governamentais – como desemprego, PIB e inflação – não está o cálculo da desigualdade de renda e patrimônio.
Assim, cada pesquisador deve buscar as melhores maneiras de se mensurar desigualdades de renda – que normalmente é mais facilmente medida – e de patrimônio. Piketty criou, em parceria com algumas dezenas de pesquisadores, um sistema de informações cujos dados foram divulgados para a comunidade científica antes da publicação do livro. Assim, os dados do livro partem com relativa credibilidade.
No entanto, como analista Piketty se mostrou parcial e, por que não dizer, marxista, no pior sentido do termo. Ou seja, Piketty parece acreditar na profecia de Marx de que o capitalismo tende à sua própria destruição, pois a concentração de renda levaria, inevitavelmente, à revolução deflagrada pelos que estão na base na pirâmide. Ao mesmo tempo, a solução apontada por Piketty – de estabelecer um imposto agressivamente progressivo sobre o patrimônio – foi majoritariamente refutado pelos estudiosos em tributação em razão dos conhecidos efeitos contrários aos pretendidos.
É de se notar que o Financial Times é jornal de perfil liberal, sempre pronto a combater qualquer iniciativa dos estados nacionais tendentes ao aumento da regulação da economia ou da carga tributária. Com essa vocação, é provável que o escrutínio dos repórteres buscasse erros nos fundamentos ou na argumentação. Após poucas semanas de pesquisa, o jornal deu apenas um dia para que o autor se manifestasse sobre as críticas levantadas. A seguir publicou a matéria. Piketty disse que precisará de tempo para responder às críticas, mas reiterou que não há erros em seu livro.
Voltemos a Dan Karam. Tanto o Financial Times quanto Piketty têm preferências políticas que justificam o surgimento das diferenças nos cálculos formulados. É certo que a discussão, que ganhou destaque na imprensa mundial, tende a se esclarecer nas próximas semanas. Ao contrário dos desejos de Piketty, o acerto de seus números deve contribuir apenas para reduzir a desigualdade, e não para por fim ao capitalismo como sistema dominante no mundo.
Isto porque a economia é ciência social e não exata. Nela, a política desempenha importante papel, provocando até a derrubada de governos que não promovem suficiente justiça social. Como escreveu Delfim Netto nesta semana, a economia sempre implicará uma valorização filosófica. E esta valoração acionará os mecanismos de controle de que os estados dispõem. Seguiremos acompanhando este assunto por aqui.
Gustavo Theodoro