Semana passada escrevi uma coluna comparando algumas táticas utilizadas por Stálin que teriam sido herdadas pela esquerda da América Latina. Percebi que Stálin, ao tentar influenciar a política do leste europeu sem utilizar a força (entre os anos de 1945 e 1948), formava governos de coalizão, mas exigia que aos comunistas fossem distribuídos os ministérios que controlassem os meios de comunicação, a justiça, as polícias e as forças armadas. Relatei ainda que Stálin, quando buscou aumentar seu poder, passou a identificar aqueles que não seguissem precisamente seus preceitos, mesmo que fossem comunistas ferrenhos, como inimigos, utilizando-se de campanhas de difamação.
No artigo anterior, avaliei o legado stalinista no governo petista, em especial no Governo Dilma, e constatei que os mesmos ministérios que Stálin requisitava estavam nas mãos de petistas (Secom, Ministério das Comunicações, Ministério da Justiça e Ministério da Defesa). A seguir, observei que aqueles que se afastam de petistas são alvos de campanhas de difamação, tal como ocorreu com Marina Silva na campanha eleitoral.
O artigo teve muitos leitores, sendo que alguns não gostaram nada do que escrevi e consideraram impertinentes as comparações, já outros gostaram muito das coincidências e viram sinais de que a história pode se repetir, mesmo com outros personagens.
Não imaginava que Stálin tivesse uma imagem tão ruim junto à esquerda. Sou do tempo que em o Muro de Berlim ainda estava de pé e que muitos defendiam o regime soviético (como muitos ainda hoje defendem o regime cubano). É interessante observar que, na década de 1950, mesmo com conhecimento dos Gulags, dos campos de trabalho forçado e dos julgamentos forjados, o regime stalinista era defendido pela esquerda mundial.
Tanto é assim que Trotsky, legítimo herdeiro de Lenin e líder do exército revolucionário bolchevique, passou a ser visto pelo mundo, com base na propaganda soviética, como agente do imperialismo econômico, sendo que por toda sua vida Trotsky jamais flertara com o liberalismo ou com o capitalismo.
Apesar desse histórico, a figura de Stálin seguiu como referência para a esquerda mundial mesmo após a denúncia de seus crimes por Kruschev. Naquele momento, houve uma divisão entre os que defendiam o regime soviético de Kruschev (como o PCB no Brasil) e os que defendiam Stálin (como o nosso PCdoB) e que negavam seus crimes. Hoje parece que Stálin está se tornando tão impopular como Hitler.
É bastante conhecida a Lei de Godwin, em especial em sua referência ao fato de que aquele que utiliza comparações com Hitler, em regra, perdeu a discussão por falta de argumentos. É inesperado para mim, mas parece que Stálin atingiu, em termos de rejeição, o mesmo patamar de Hitler, mesmo que ainda haja alguns que ainda teimam em defendê-lo. Lembro que Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, disse há pouco tempo que há uma diferença entre Hitler e Stálin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas Stálin lia os livros antes de fuzilá-los. Essa é a grande diferença. Ele viu grande diferença nisso. De diferença essencial, não vi nenhuma. Talvez influenciado por falas como esta imaginei que Stálin não estivesse com a imagem tão rejeitada entre nós.
O certo é que eu não disse que o Brasil está se tornando uma ditadura ou que o Brasil está no caminho bolivariano. Disse apenas que o pensamento da esquerda, assim como o da direita, tem uma tradição por trás de si. Marx separou a sociedade em classes. Hoje vemos a esquerda utilizar discurso semelhante, atualizando a estratificação de Marx. Lenin defendia a necessidade de um grande inimigo, agente do capitalismo, que buscava aniquilar o regime de igualdade soviético. A esquerda brasileira elegeu o PSDB seu grande inimigo, caracterizado como aquele que quer ver retornar um velho Brasil. O PT poupou o PSDB no primeiro turno, despejando todo seu arsenal contra Marina Silva. Em outras palavras, o PT escolheu o PSDB como seu inimigo a ser batido. Stálin atualizou algumas táticas, em especial as listadas no artigo anterior, como forma de obtenção de poder em países em que o partido comunista não era majoritário. Fiz a comparação com o Brasil e percebi que o PT controla os mesmos ministérios que Stálin não abria mão.
É preciso notar que nosso presidencialismo é de coalizão. O PT ocupa apenas 17 dos 40 Ministérios. Segundo minhas contas de análise combinatória e probabilidade, as chances de quatro Ministérios específicos estarem nas mãos de petistas é de cerca de 3%. Logo, não tomei como coincidência o fato de o PT ocupar justamente os ministérios sugeridos por Stálin.
Ao mesmo tempo, ressaltei que, até aqui, exceto quanto ao Toffoli, todos os Ministros do STF indicados por Lula e Dilma tinham currículo para estar lá. Destaquei ainda que os meios de comunicação agiram com liberdade nas eleições, ainda que o PT tenha constantemente cobrado a aprovação de lei que regule a atividade da imprensa.
A esquerda é herdeira das práticas e dos pensamentos dos que nos antecederam. Segundo Delfim Netto, o cenário econômico que se apresenta é de uma tempestade perfeita. É fácil ser estadista e democrata em momentos de bonança. Não podemos nos esquecer de que o mundo experimentou o maior crescimento de sua história no período de 2001 a 2008. O Brasil conseguiu uma migalha disso, mas já nos fez muito bem. A época de bonança acabou. O país parou de crescer há alguns anos. É nesses momentos que aflora a tentação de concentrar o poder. Por isso, precisamos estar atentos e vigilantes.
Há setores da direita pedindo intervenção militar. E há setores da esquerda pedindo intervenção no judiciário e cassação da concessão da Rede Globo. Precisamos nos afastar desses radicais. A eleição foi acirrada, mas teve um vencedor. Em regimes ditatoriais, o partido do governo raramente obtém menos que 95% dos votos. Aqui muita luta foi travada para obter menos de 53% dos votos. Ou seja, tivemos disputa e por pouco o partido do Governo não perdeu as eleições. Temos uma democracia forte e as instituições continuam funcionando. Mas a vigilância é algo de que não devemos abrir mão.
Gustavo Theodoro