A Crise da Autoridade

autoridade

O fim da tradição é causa de parte de nossa perplexidade contemporânea. René Char resumiu a questão na ideia de que nossa herança nos foi deixada sem nenhum testamento. Pois quem vem ao mundo não participou dos eventos passados e deixará o mundo sem vê-lo completar sua tarefa. Nesse sentido, o tempo é conceito essencial do existir, tal como formulou Heidegger.

Até a destruição da metafísica, promovida nos séculos XVII e XVIII, nascíamos em um mundo menos passível de liberdade, cuja autoridade religiosa, dos reis e mesmo a paterna sempre foi plenamente reconhecida. O mundo parecia eterno e imutável. Com o tempo, a monarquia – e sua autoridade divina – passou a ser questionada. A autoridade religiosa foi afetada pelo ceticismo que nascia naquele tempo e que levou a humanidade a ligar a fé à dúvida.

Gradualmente, a autoridade – e não a tirania ou o despotismo ou mesmo o totalitarismo – reduziu seu espaço de atuação a um ponto em que podemos definir sua extinção em algum momento do século XX.

É importante pontuar que autoridade sempre se relaciona a hierarquia e obediência. No mundo contemporâneo, quase já se não nota respeito genuíno por qualquer tipo de autoridade. A atuação com base na persuasão ou na força escancara, ao contrário da aparência, a perda de autoridade. Por isso, a palmada que o pai dá no filho é sintoma de que a autoridade paterna ruiu. O chefe que ameaça ou premia, ou seja, utiliza medidas de força ou de persuasão, perdeu sua autoridade e, provavelmente, nem se deu conta disso.

O efeito social da perda da autoridade torna-se mais confuso na medida em que métodos científicos indicam que crianças aprendem mais quando estão motivadas, que métodos de aprendizados divertidos promovem melhoria na atenção dos alunos e melhora no desempenho escolar. É evidente que, em tempos de planilhas e rankings, aprender com diversão acaba se transformando na nova panaceia da educação.

Há, no entanto, um importante aprendizado que, às vezes, é relegado a segundo plano. Crianças aprendem a ser adultos por observação e imitação. Evidentemente, a conquista da liberdade decorrente da quebra da autoridade é irreversível. E isso é bom. Assim, a irreverência e o espírito brincalhão podem e devem estar presentes nos adultos, em especial no contado com as crianças. No entanto, não se deve esquecer de que são as crianças que vêm ao mundo que já estava aqui quando passaram a existir e que cabe aos adultos dar o exemplo de como deve ser a vida adulta.

Logo, por mais que pareça difícil, as crianças devem ser levadas a superar desafios, devem aprender a passar um certo tempo, de acordo com a idade, concentradas em uma atividade – como o estudo, por exemplo – que não apresenta recompensas imediatas, pois, como regra, são as crianças que um dia irão viver como adultos e não o contrário. Talvez pelo desaparecimento de qualquer tipo de autoridade, mas também pelo modo com a educação é conduzida, é cada vez mais comum encontrarmos adultos, às vezes até com alguma idade, que continuam se comportando como adolescentes indisciplinados.

Até certo ponto, isso decorre de uma conquista de nossa sociedade. A crise de autoridade propiciou que, para pessoas de certa renda, cada um viva da maneira que desejar. E alguns escolhem viver tal como o personagem de Nick Hornby em About a Boy (Um Grande Garoto) ou nossos contemporâneos nini, termo originado na Espanha que se refere os jovens que não estudam nem trabalham (ni estudia ni trabaja).

Meu lado conservador diria que liberdade pressupõe responsabilidade. Ou ao contrário, que a responsabilidade torna-se mais importante em um cenário de aumento da liberdade com redução de autoridade. Meu lado libertário celebra a crise de autoridade que fez aumentar as potencialidades humanas. Esse realmente já não é um mundo de certezas.

Gustavo Theodoro

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