O novo motivo de divisão de nossa sociedade são as reformas trabalhista e previdenciária. O Governo tem divulgado que as reformas são necessárias para aumentar a formalização do emprego, atualizar a legislação aos novos tempos e garantir o pagamento futuro de aposentadorias e pensões. A oposição diz que as reformas tiram direitos dos trabalhadores e que há dinheiro para fazer frente aos gastos previdenciários.
Como a discussão se dá entre interessados em conquistar a opinião pública, a verdade é frequentemente soterrada por um mundo de opiniões parciais, que buscam antes o convencimento do que o esclarecimento. Alguns artigos da reforma trabalhista, por exemplo, são claramente a favor do trabalhador, outros são contra e alguns dependem da visão de mundo de cada um. A análise é complexa e até entendo a dificuldade de se entabular uma discussão qualificada. No entanto, o debate seria possível se não tivéssemos um governo com tão pouca legitimidade e com tão baixa popularidade. Apesar de considerar necessária uma reforma trabalhista que tenha por objetivo aumentar a formalização da CLT – já que para a maioria dos brasileiros os direitos trabalhistas ainda são um sonho -, o atual Governo deveria se abster de apoiar essas reformas complexas nesse momento de tanta crise.
A reforma da previdência é constantemente cobrada pelos “mercados”, seja lá o que isso signifique. Nós gastamos com aposentadorias e pensões cerca de 12% do PIB e isso é muito para um país com a nossas características. A previdência foi reformada diversas vezes nos últimos 20 anos. A reforma de FHC (1998) instituiu o fator previdenciário – que criou uma regra que se modifica com a expectativa de vida para os trabalhadores da inciativa privada – e elevou a idade mínima para 60 anos para homens e 55 para mulheres, com regra de transição, para as aposentadorias do setor público.
A reforma de Lula (2003) acabou com a paridade e a aposentadoria integral do servidor. Todos os que ingressaram no serviço público a partir de 2003 terão sua aposentadoria calculada pela média dos salários, sem garantia do reajuste eventualmente concedido aos ativos (paridade). E criou a possibilidade de ser criado um regime próprio de aposentadoria dos servidores, com aplicação do teto do INSS para os benefícios, complementados por participação em fundo criado para esse fim. Esse regra só foi regulamentada pelo Governo Dilma nos anos de 2012 e 2013.
A aposentadoria dos servidores públicos foi equacionada com essas regras. Desde a reforma de 2003, estava claro que a adoção do novo regime previdenciário iria aumentar, no curto prazo, o gasto com o sistema de aposentadorias, mas que iria dar saúde ao sistema como um todo, na medida em que a responsabilidade pelos futuros benefícios seriam de responsabilidade dos fundos criados naquele ano.
A razão do aumento no gasto no curto prazo é razoavelmente simples de ser compreendido. A contribuição dos servidores ativos assim como a contribuição patronal era utilizada para pagar as aposentadorias e pensões já concedidas. Com a criação desse sistema, essas contribuições foram direcionadas para os fundos que garantirão as futuras aposentadorias, deixando de ser fonte de financiamento dos atuais benefícios. Ou seja, o aumento dos gastos com aposentadoria no curto prazo já era esperado pelos analistas. A crise econômica – que se manifestou por meio de grave crise arrecadatória – levou o país aos déficits primários que o Governo pretende atribuir à previdência.
Os horizontes dos governos, em regra, são de curto prazo. É difundida a ideia de que as aposentadorias futuras estão em risco, mas as reformas dos últimos anos afastaram as perspetivas sombrias sobre o futuro da previdência. Sempre é bom lembrar que, dos 12% do gasto com o sistema previdenciários, quase 4% se referem à aposentadoria rural que, na verdade, trata-se do mais amplo sistema de assistência social do estado brasileiro. Esses gastos são naturalmente deficitários, pois não há contribuição associada a esses benefícios.
Evidente que previdência deve ser reformada de tempos em tempos nos países que sofrem alteração na sua conformação populacional. É falacioso, no entanto, dizer que é urgente a necessidade de reformas constitucionais, já que a maioria dos estados e município não implementou sequer a reforma de 2003, muito menos a de 2012/2013. Não se exige, tampouco, que a idade mínima seja levada a 65 anos, equiparando o Brasil a países europeus maduros, com outra conformação de renda e distribuição etária. O terrorismo das contas públicas tem claro objetivo de obter apoio para a reforma. Como disse, o aumento do gasto com as aposentadorias do setor público, no curto prazo, era esperada, já que estamos constituindo um sistema para garantir a previdência futura.
Um governo com baixíssima popularidade, com grande déficit de legitimidade, deveria se conduzir como um governo de transição, cuidando apenas de garantir o funcionamento das instituições e a preparação para as novas eleições. O problema fiscal do país é fruto de desacertos na condução da economia nos últimos anos e não é justo que os trabalhadores agora sejam chamados a pagar a conta. Aliás, a campanha da Fiesp para afastar a Dilma tinha por lema “não vou pagar o pato”. Com a reforma da previdência, são os trabalhadores da ativa do Brasil que herdarão o pato a ser pago.
Nesse ponto, vermelhos e amarelos deveriam reduzir o grau de animosidade entre eles, pois essa divisão, que fazia mais sentido ano passado, têm enfraquecido as manifestações presentes. A necessidade de os grupos não se misturarem faz com que uns não defendam a Lava Jato enquanto outros não deem número a manifestações contra reformas prejudiciais a quem trabalha. Além disso, o fosso entre os grupos impede o debate e o aprendizado com a exposição a opiniões diferentes.
De toda forma, o melhor para o país é que as reformas sejam pactuadas durante o processo eleitoral e implementadas pelo candidato vencedor. Até lá, o recuo do Governo Temer quanto às reformas é a melhor saída.
Gustavo Theodoro