A Economia da Crise

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                Os países desenvolvidos e parte dos países em desenvolvimento viveram um período de exuberância irracional, marcado por forte crescimento econômico e melhoria geral dos indicadores do setor público e privado entre o final da década de 1990 e os anos 2000.

                O Brasil demorou um pouco para participar da festa, visto que tentava se recuperar de décadas de desajuste, com a constante instabilidade das contas do setor público provocando descontrole inflacionário. Quando o Brasil finalmente começou a sentir os efeitos na bonança internacional, a festa acabou.

                Não há dúvidas de que a crise de 2008 foi a maior observada no mundo capitalista desde o crash de 1929. Poucos analistas previram a crise, apesar de alguns sinais estarem presentes. Os países centrais estavam com suas contas públicas razoavelmente equilibradas, no entanto o endividamento privado havia chegado a níveis nunca antes registrados.

                A dívida privada americana em 1929 era da ordem de 300% do PIB. Depois do terrível ajuste daquele ano, o endividamento privado jamais havia ultrapassado 150% do PIB. Na véspera da crise de 2008, a dívida privada americana tinha atingido o recorde de 350% do PIB. Apesar deste indicador apontar para uma possível crise, a maioria dos economistas atribuía ao mercado de capitais moderno mecanismos de controle muito superiores aos existentes na crise de 1929, acreditando ser possível manter o ritmo de endividamento sem estar sujeito a um forte ajuste.

                Em 2008, havia o temor de que um ajuste na economia americana poderia se assemelhar ao ambiente de estagnação e deflação observado no Japão desde 1990. André Lara Resende lembrou que Ben Bernanke, Presidente do Fed, havia proferido uma palestra no ano 2000 em que tentava apontar saídas para a deflação nipônica. Após apontar as diferenças entre depressão de 1929 e a deflação sem crescimento japonesa, observou que as soluções propugnadas por Keynes não se aplicavam ao Japão. Isto porque a estagnação não estava ligada à falta de crédito privado, mas à falta de demanda por crédito de uma população que preferia poupar.

                Assim, Bernanke havia chegada a uma solução perturbadora: a melhor forma de sair de um regime deflacionário é não entrar nele. Coincidentemente, Bernanke teve que tentar superar seu próprio pensamento ao se confrontar com a crise de 2008. A economia americana parecia acometida do mesmo mal observado no Japão.

                Evidentemente a situação americana era diferente da japonesa. Sendo moeda de lastro, era possível emitir dólares no mercado sem que isso provocasse inflação. No entanto, isso é tanto bom quanto ruim, visto que provocar um pouco de inflação era de interesse da autoridade monetária. O setor público americano teve que absorver quase US$ 1,3 trilhão de dívida privada, de forma a permitir que os demais bancos americanos não sucumbissem, levando com eles parte das empresas americanas.

                A Islândia tinha um setor público extremamente organizado. No entanto, as dívidas contraídas pelo setor privado – e que foram absorvidas pelo setor público – levou à quebra de sua economia. Ou seja, a solução americana aplicada à Islândia provocou sua ruína, o que mostra a peculiaridade de cada problema.

                A crise nos países centrais, em especial dos EUA, é mais grave do que a dos países periféricos porque o que começa a entrar na agenda econômica é o próprio modelo de consumo americano, é o american way of life que está em jogo. O planeta começa a dar sinais de esgotamento, as mudanças climáticas demandam novas soluções e a maioria dos economistas reconhece que o modelo de consumo americano não pode ser replicado para os países em desenvolvimento.

                Ao mesmo tempo, sem aumento da riqueza a economia americana não oferece condições de melhoria da renda e do emprego, que é demanda cultural da sociedade americana. Shumpeter pensou na inovação como força motriz do crescimento. Ocorre que agora a inovação tem o papel de manter o crescente consumo americano, que muitos consideram desmedido e insustentável.

Apesar de acompanharmos com interesse as discussões envolvendo as economias centrais, a situação brasileira se apresenta de forma totalmente diversa. Aqui ainda há muito espaço para o crescimento e as novas tecnologias na área de energia nos permitem a adoção de caminhos mais sustentáveis.

No entanto, o enfrentamento da crise pelo Governo Lula, que se afigurou a muitos como bem sucedido, tem mostrado suas inconsistências. Como se sabe, o enxugamento do crédito privado em razão da crise americana espalhou uma crise de crédito pelo mundo. Como os mercados centrais deixaram de importar commodities, era mesmo necessário provocar algum crescimento do mercado interno.

Crises costumam gerar explosão de nacionalismo e protecionismo. Esses fenômenos se alastraram pelo mundo, tornando as economias mais fechadas. O Brasil, uma das economias mais fechadas do mundo, quase extinguiu a importação de veículos por meio de medidas tarifárias associadas a forte incentivo à indústria automobilística local. Esta situação provocou um boom na venda de veículos, o que agravou nosso déficit de infraestrutura.

A solução de Keynes de fato sugere medidas expansionistas no combate à contração provocada pelo desaparecimento do crédito privado e da queda nas expectativas futuras de crescimento. No entanto, apesar de qualquer estímulo ser bem-vindo em situações como essa, recursos públicos direcionados para investimentos poderiam gerar efeitos multiplicadores de longo prazo.

O despejo de recursos no consumo aliado à expansão do crédito teve um efeito eleitoral significativo, como era de se esperar, melhorando a situação presente das classes menos favorecidas. O risco desta situação é o governo político se tornar refém do bônus eleitoral. Esta narrativa explica muito bem as atuais crises da Venezuela e da Argentina, nas quais a única alternativa de permanência no poder é por meio do acirramento do conflito de classes, opondo pobres a ricos.

Ao dobrar a aposta, ou seja, manter o incentivo ao consumo ao mesmo tempo em que protegia a economia, o Governo brasileiro cultivou uma inflação persistente que desafia a elevação de juros pelo Banco Central. O congelamento das tarifas produz impacto eleitoral e segura a inflação, mas contribui para a deterioração das contas públicas ao mesmo tempo em que produz impacto negativos nas perspectivas futuras.

Por contraditório que possa parecer, é muito provável que a crise que vem se desenhando no cenário futuro brasileiro decorre inicialmente da crise do subprime de 2008, mas foi alimentada pelos remédios utilizados pelo próprio Governo. Hoje a crise é de natureza fiscal e de balanço de pagamentos, mas a baixa produtividade da economia, o núcleo da inflação persistente, a estagnação no campo da educação e o baixo nível de investimentos (que impacta a infraestrutura, impedindo o desenvolvimento de novos negócios e encarecendo o custo brasil) indicam que podemos estar mais próximos da Argentina do que do Chile. E o ambiente de crise impede o País de pensar na aplicação de alternativas sustentáveis ao modelo de sociedade de consumo que importamos dos EUA.

A ciência econômica é muito complexa e comporta todo tipo de argumentação. No entanto, ao fim de algum tempo, erros contínuos e repetitivos tendem a se mostrar com mais clareza. O embate eleitoral impõe ao Governo e oposições enfrentamento desses temas espinhosos, reafirmação ou abandono de posições, e correções de rumo. No momento, a equipe de Eduardo Campos (herdada de Marina Silva, cujas figuras de proa são Eduardo Giannetti e André Lara Resende) é a que parece estar na dianteira dessas discussões. Torçamos para que a atual disputa política vá um pouco além dos velhos embates que caracterizaram as últimas eleições.

Gustavo Theodoro

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