As Portas da Percepção I

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A descriminalização das drogas é um tema que está na ordem do dia, não só pela campanha havida nos últimos anos, mas também pelas experiências que estão sendo realizadas em dois países de culturas muito distintas: os EUA e o Uruguai.

Apesar de já termos assistido a décadas de discussões, o tema continua muito controverso e opõe diversos setores organizados da sociedade. A esquerda é normalmente identificada com a causa da liberação das drogas, mas a classificação do tema exige maior aprofundamento do debate (aqui não abordarei a diferenciação dos termos descriminalização, legalização e liberação, por considerá-la mais retórica do que de conteúdo). E não se espere que alguém que entre em nossa Ágora saia daqui com respostas definitivas. O tema apresenta diversos pontos de vista e vou tentar abordar a maioria deles, o que fará com que o tema seja tratado em mais de um artigo.

Vamos começar a abordagem do tema tentando responder se a liberação das drogas deveria ser uma causa normalmente atribuída à esquerda ou à direita. Os liberais ingleses do século XIX consideravam o Estado um mal necessário. Sua principal função estaria ligada à defesa da nação contra os inimigos externos, à segurança interna e à mínima regulação econômica (para dar garantia monetária, segurança dos negócios e para garantir a livre concorrência).

De resto, predominou naquele liberalismo a teoria de que o indivíduo deveria ser o único responsável pelos seus atos, inclusive aqueles que pudessem lhe fazer algum mal. Por este ângulo, a liberdade para consumir substâncias alucinógenas, relaxantes, estimulantes ou sociais deveria pertencer a cada indivíduo.

Não se pode esquecer que a mesma liberdade invocada na discussão da liberação das drogas poderia ser aplicada na discussão do uso de armas para autodefesa, na obrigatoriedade do uso de cinto de segurança e demais itens de segurança veicular, no direito ao suicídio, dentre outros. Assim, aquele que tem por hábito buscar classificações abstratas – baseadas em liberdade, igualdade, por exemplo – corre o risco de não conseguir pertencer a grupo nenhum (esquerda e direita) ou de ser incoerente.

Aliás, aquele que se julgar estranho à esquerda e à direita, sinta-se bem-vindo ao clube. Estamos em boa companhia. Sobre Tocqueville já se disse que ele era demasiado liberal para o partido de onde ele provinha, não muito entusiasta por ideias novas aos olhos dos republicanos, ele não foi adotado nem pela direita nem pela esquerda: ele permaneceu suspeito a todos.

Por outro ângulo, a velha referência do movimento de esquerda do século XIX, Karl Marx, manifestava-se fortemente contra a alienação humana (que é acentuada pelo uso de drogas que modificam nossa percepção do mundo) ao mesmo tempo em que não previu qualquer papel para o estado após a revolução do proletariado. Assim, é bastante provável que Marx fosse, hoje, contra a liberação das drogas.

Conservadores, geralmente identificados com a direita, costumam se manifestar contra substâncias que alterem nossa percepção natural, por terem grande apreço pela segurança e pela racionalidade (ainda que conservadores tenham hábito de consumir bebidas alcoólicas). Substâncias que eventualmente coloquem em risco o homem ou a sociedade são combatidas pelos conservadores.

Em caso de liberação das drogas, aqueles mais afinados com uma maior presença do estado na economia – geralmente situados à esquerda do espectro político – optariam pela solução uruguaia, em que o estado controla inteiramente a produção e comercialização da maconha produzida. Na solução americana, a produção e comercialização estão nas mãos da iniciativa privada. Ao estado cabe os altos tributos incidentes sobre a droga produzida por lá.

Como se pode notar pelas considerações acima, apesar de serem os partidos e grupos ligados aos movimentos de esquerda que conduzem a luta pela liberação das drogas, a causa pela liberação não pertence exclusivamente a nenhum dos grupos, não podendo ser considerado natural a alinhamento atualmente verificado.

No próximo post serão considerados os argumentos de cunho utilitário, com ênfase nos efeitos que uma possível liberação das drogas poderia ter sobre a sociedade, com considerações sobre as promessas e os receios ligados à adoção desta medida.

Gustavo Theodoro

1 comentário

  1. Achei curioso que os bancos se não me engano no estado do Colorado não querem depósitos do pessoal que entrou no mercado da maconha. Alegam que há risco legal, muito embora o comércio no estado tenha saído da ilegalidade, acho que eles têm muito apreço pelas altas margens que a droga ilegal proporciona. E essas margens , “distribuídas” pela corrupção, acabam de uma forma ou outra no sistema bancário, não serão grandes beneficiários da proibição?

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