Desde 2010 a União Europeia tem imposto um rigoroso programa de austeridade à Grécia. A crise de 2008 revelou a fragilidade de sua economia. O déficit e a dívida pública grega já estavam fora de controle antes da crise. Mas foi a crise que revelou a gravidade da situação. O programa de austeridade imposto pela autoridade monetária da UE teve efeito direto sobre a vida das pessoas. A economia passou por sete anos de recessão e a situação fiscal só se agravava enquanto mais sacrifícios eram exigidos da população grega.
A maioria dos economistas defende o acerto das medidas impostas pela troika. Frases como “o país não pode gastar mais do que arrecada” e “não há almoço grátis” podem atrair a atenção de leitores, mas não devem balizar o comportamento de governos. Economia é assunto complexo e sujeito a interpretações e pontos de vista. Na zona do Euro, os remédios ortodoxos podem não funcionar. E eu explico o porquê.
Há algumas ferramentas que economias em crise fiscal podem adotar quando administram suas próprias moedas. Países em crise normalmente observam saída de divisas. A saída de divisas desvaloriza suas moedas, que pode resultar em redução nas compras externas e aumento das exportações. A desvalorização da moeda, em país integrado aos demais mercados, provoca alguma inflação. Inflação persistente deve ser rigorosamente controlada. Mas a inflação decorrente da desvalorização da moeda, pontual, pode auxiliar os governos a ajustarem suas contas.
Como a Grécia está na zona do Euro, não tinha a sua disposição esses mecanismos. Ao adotar a receita ortodoxa, o efeito sobre a população grega foi mais profundo do que os choques promovidos pelo FMI nos países em desenvolvimento nos anos 1980 e 1990. O desemprego chegou a 27%. A dívida pública foi a 170% do PIB. O déficit público chegou a 20% do PIB. São números impressionantes, já que para entrar na zona do Euro é exigido que os países apresentem dívida de no máximo 60% e déficit de até 3% do PIB (interessante observar que o Brasil não seria admitido na Zona do Euro com seus números: dívida de 68% e déficit de 8% d PIB).
Quando os números da economia grega começaram a melhorar, a população cansou-se da receita. Exigia que o ajuste de agora em diante fosse feito sem que tanto sofrimento fosse imposto à população. Economia não se trata de mera manipulação de números. São pessoas que, ao final, definem a continuidade de uma política ou de um Governo. O limite da população grega chegou. Resta saber qual será a reação de Alemanha e França.
Sobre esses países é interessante relembrar que em 2004 nenhum dos dois conseguiu atingir as metas impostas pela autoridade econômica europeia. O descumprimento das metas é sujeito a multas. O Banco Central europeu aplicou a multa, que simplesmente não foram pagas pelos dois países. Ou seja, quando a Alemanha e a França se viram diante da necessidade de aplicar um plano de cortes para garantir o atingimento das metas impostas pela UE, os governos de seus países preferiram não sacrificar tanto suas populações. Quando veio a conta, Alemanha e França desafiaram a autoridade da União Europeia. É sob a sombra desse passado que o rigoroso regime de austeridade foi imposto à Grécia. E é a Alemanha que tem se mostrado inflexível quanto à disciplina fiscal grega.
O resultado disso tudo era esperado. Um partido que nasceu de um conglomerado de grupos marxistas, trotskistas, maoístas e anarquistas venceu as eleições gregas e declarou que a população grega teria prioridade a partir daquele momento. Esse fato político é uma aula para os que pensam que economia é uma ciência dura, de equações, fórmulas e números. Esse aspecto de ciência social já deixou de ser percebido por diversas vezes nos últimos anos. Recentemente o parlamento italiano indicou um técnico para conduzir o país. Armado de ortodoxia e pouquíssimo carisma, seu governo foi curto.
A crise grega é, também, a crise do estadista, que se reflete na falta de pessoas capazes de liderar, de dar confiança para que a população vença os desafios, mas com suficiente sensibilidade para perceber os limites de sacrifícios que podem ser impingidos. O fracasso grego revelou o fracasso da receita econômica não só pelos seus fundamentos, mas principalmente pela cegueira ao perceber sua inextrincável relação com a política.
Gustavo Theodoro