O exercício da democracia compreende manifestações de rua. Desde o início do ano, testemunhamos algumas manifestações contra o Governo Dilma e o PT. A manifestação de hoje parece ser menor do que as anteriores. Não é difícil entender os motivos.
Desde o início, os movimentos que convocaram a manifestação dão claros sinais de independência dos partidos políticos. De certo modo, isso é reflexo da baixa popularidade dos políticos, e também da política, para parte dos brasileiros. No entanto, esse distanciamento da política, com o tempo, acabou por desidratar o movimento com o tempo. Pois, se acreditamos na democracia, em reformas, e não em revoluções, a política é o único caminho para qualquer tipo de transformação social.
Movimentos populares dessas características têm sido observado em diversos países do mundo. A chamada primavera árabe derrubou algumas antigas ditaduras, mas, em regra, outras foram instaladas em substituição. Na Espanha, o movimento dos Indignados acabou se legitimando por meio da formação do Podemos, partido que passou a influenciar os rumos da política espanhola. Nem seria necessário lembrar do Syriza, fruto do acordo de vários partidos de esquerda, que só foi constituído como partido em 2012 e foi guindado ao poder esse ano em razão da intensidade e da duração da crise grega. Em março deste ano, era possível imaginar um cenário semelhante ocorrendo aqui no Brasil. Mas não foi o que se viu, mesmo com a queda da popularidade do Governo e com a crise política e econômica se agravando.
É necessário ressaltar que tanto o Podemos como o Syriza faziam forte oposição ao ideário do ajuste fiscal. Há muitos bons economistas que defendem linhas alternativas como formas de lidar com a crise daqueles países. O conjunto de ideias que representavam receberam forte apoio popular. Novas lideranças se expuseram ao grande público e conquistaram votos. Na Espanha dirigem algumas cidades e influenciam o parlamento. Na Grécia, foi possível formar um Governo a partir desses movimentos.
Aqui no Brasil, percebe-se algum esvaziamento desses movimentos de rua. Não se vê partido constituído se aproveitando deles. Não se vê, dentre seus líderes, qualquer deles em condições de transformar esse movimento em um conjunto organizado de ideias que possa congregar o sonho das pessoas. “Fora Dilma” e “Fora PT” são slogan fortes como era o “Fora FHC”. Mas eles por si sós constroem muito pouco.
Contra a corrupção todos somos. É certo que a Lava Jato talvez seja um dos maiores escândalos de corrupção do mundo. As cifras devolvidas por alguns operadores são assustadoras (mais de R$ 1 bilhão de reais negociados para devolução pelos delatores). Mas ser contra a corrupção não necessariamente constrói alternativas.
Parece certo agora que o Governo Collor desviou muito menos do que o atual. Mas naquele momento parecia que a alternativa ao Collor era um Brasil melhor. Hoje, ao constatar que Michel Temer é o Vice-Presidente, Renan Calheiro é o Presidente do Senado e Eduardo Cunha é o Presidente da Câmara, a animação dos participantes dessas marchas tende mesmo a diminuir. O movimento contra a corrupção e contra o PT parece que não é mais suficiente mostrar o caminho da esperança e que vale a pena o esforço para abreviar esse mandato.
Além disso, a situação econômica é terrível. Parece que estamos perto da tempestade perfeita aludida por Delfim Neto: inflação alta, emprego e renda em queda, investimento em baixa, esgotamento do “choque de demanda”, desindustrialização, desequilíbrio fiscal, recessão. Não há boa notícia na área econômica. Assim, é possível que o Governo Dilma devolva todos os ganhos de renda – e talvez de queda da desigualdade – do Governo Lula.
Sim, teremos motivos para atribuir a seu Governo uma herança maldita. É evidente que, para o País, seria melhor que tivéssemos um governo forte com uma substancial base de apoio. Pois o segundo Governo Lula e, em especial, o primeiro Governo Dilma aceleraram a necessidade de algumas reformas estruturais que tememos fazer. Pois não só os impostos são regressivos. A distribuição de gastos governamentais também é regressiva. E exagerada. Com a mudança a distribuição etária da população, é certo que não será possível manter o atual regime de previdência, a universalização da saúde, o ensino superior gratuito, dentre outros. Mas esse debate não vai dar as caras com esse governo fraco.
Não há, nos atuais movimentos, quem se arrisque a ir além da agenda de rejeição à corrupção e ao PT. Se isso não ocorrer, não se verá, de fato, a tentativa de construção de algo novo. Rejeitar a política e os políticos é o melhor caminho para o surgimento de arrivistas. De alguma forma, a redução do movimento de rua reflete esse momento. Eu não critico que vai às ruas. É uma maneira das mais legítimas de se praticar a democracia. Mas algo me diz que esse tipo de movimento se aproxima de seu esgotamento.
Gustavo Theodoro