A Copa é de Esquerda ou de Direita?

Copa do Mundo é um bom exemplo do alinhamento automático observado no debate das polarizadas posições políticas da população brasileira. Em geral, quem se julga de esquerda defende a realização da Copa, dizendo que trará mais recursos e empregos para o País. Para quem é contra o Governo – que acaba se classificando sem maior reflexão como pertencente à direita – diz que temos muitas urgências e que não deveríamos investir em estádios que terão pouco uso após a Copa.

Em qualquer sistema que utilizarmos, avaliando os temas comumente divisores entre esquerda e direita (tamanho do Estado, universalização x focalização, pena de morte, aborto, eutanásia, drogas, armas, maioridade penal), não é possível classificar, a priori, se alguém alinhado com alguma ideologia dessas deve ser contra ou a favor da Copa.

No entanto, o bipartidarismo que nos é constantemente imposto – ainda que existam dezenas de partidos – nos impõe um alinhamento a um dos grupos que são os únicos aparentemente existentes. Assim, quem se julga de esquerda se sente premido a defender a liberação da maconha e do aborto, deve esgrimir argumentos a favor das cotas raciais, deve defender a importação de médicos cubanos e deve defender a Copa.

Quem se enquadra no outro campo, em contrapartida, alinha-se imediatamente ao outro lado, criticando a política econômica do Governo, a realização da Copa, exigindo educação padrão Fifa.

Tenho tentado rememorar as razões pelas quais nos definíamos como esquerda e direta no passado para que, quem sabe, possamos fazer escolhas mais racionais e debates voltados ao aprendizado, e não ao convencimento.

Vejo que para muitos assuntos políticos simplesmente não interessam. Pois prometo em pouco tempo tratar da razão pela qual a política já foi a mais importante atividade da vida ativa e como o rebaixamento de seu status pode ter nos feito menos “felizes”, se é que este é o termo mais adequado.

Por ora, fiquemos com a reflexão sobre nossos alinhamentos automáticos e sobre a desnecessidade de tratarmos a política com paixão. Hobbes dava um conselho a todos os que se envolviam com política: Nosce te ipsum (Lê-te a ti mesmo). Este deve ser o ponto de partida, pois é a partir dos valores de cada um, da reflexão individual, que cada ponto deste pode ser decidido.

O posicionamento acerca da Copa dificilmente poderia ser resolvido pelo esquema imaginado pelo Bobbio (que retrata o conflito entre igualdade x liberdade). Dificilmente poderia ser resolvido por meio de um embate do tipo burguesia x proletariado ou elites x pobres. Fica a provocação para aquele que ainda não refletiu sobre o assunto mas já se alinhou a alguma das correntes de discussão. É certo que Burke nos aconselhava a nunca separar por completo o mérito de uma proposta dos homens envolvidos nela. Mas isto não nos autoriza a desconsiderar as teses por trás das ideias, pois, se assim fosse, tomaríamos a posição de seguidores ou asseclas, abrindo mão de nossa personalidade política.

Gustavo Theodoro

1 comentário

  1. Olá Gustavo. Atendendo ao seu pedido:

    “Muito bom seu artigo, Gustavo. A última pergunta dá uma dica. Por exemplo, quando confrontamos a física Newtoniana com a física quântica, é pertinente questionar se Einstein se é de direita ou de esquerda por sua recusa em reconhecer esta última? E como anota Elizabeth Fer, o Batman do Leblon é de direita ou de esquerda? Talvez uma contribuição relevante da filosofia para o pensamento seja oferecer meios e recursos para seu exercício. É perceber que nem sempre obter as respostas constitui seu objeto imediato, mas saber encontrar as perguntas pertinentes. Outro exemplo, na discussão recente sobre a comercialização da maconha no Estado do Colorado (EUA) para fins recreativos, em geral, os conservadores eram contrários e os liberais favoráveis (ou direita e esquerda se assim preferir). No entanto, havia adeptos e opositores em ambos os campos (ainda que, em regra, os liberais fossem maioria quanto à liberação). Enfim, é possível tirar um posicionamento a priori a respeito desta questão sob o referencial político? Qualquer tema (arte ou religião por exemplo) necessariamente somente pode conhecido sob o filtro do parâmetro político? E caso assim seja feito, como a estética (ou seja, a arte), sempre fará sentido sua resposta? Karl Marx e Max Weber usam parâmetros distintos para explicação dos fatos sociais, o primeiro acentua o aspecto econômico, o segundo o cultural e ambos oferecem diagnósticos interessantes sobre os mesmos fenômenos. Voltando ao tema, entre o que denominamos esquerda e direita há um largo espectro e não dois campos perfeitamente delimitados. O próprio Lenin escreveu em sua época um livro (O Esquerdismo, a doença infantil do comunismo), em que criticava os grupos mais radicais que considerava à esquerda dos bolcheviques. E Bobbio, um liberal de esquerda como John Rawls e Habermas, tinha consideráveis divergências com os marxistas, especialmente no tema liberdade. Ou seja, nem a esquerda nem a direita são grupos monolíticos, ainda que haja entendimentos comuns que podemos atribuir a cada grupo e perceber o que os distinguem entre si, e nem tudo pode ser reduzido exclusivamente à ótica política”. Abraços.

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