Nos últimos dias pudemos presenciar a confusão estabelecida nas relações públicas do Governo Federal, confusão criada em decorrência de seu hábito de não dizer sempre a verdade. A Presidente Dilma fez uma pernoite em Portugal não prevista em sua agenda. Diante do fato noticiado pela imprensa, o Palácio do Planalto informou que a pernoite foi decidida na véspera, em razão da mudança nas condições climáticas que desaconselhavam voos noturnos. No entanto, posteriormente, o restaurante e o hotel em que a Presidente estive confirmaram que a visita foi preparada com dias de antecedência. Trata-se de fato menor, uma pequena mentira, mas que revela bastante sobre a confusão que os Governos fazem sobre o texto de Maquiavel e seu discurso sobre meios e fins.
Na filosofia, é pela verdade que se busca. Já na política, em geral – e é natural que assim seja -, impera a lógica utilitária e as posições são discutidas em razão dos meios e fins. O estadista visa ao bem público e, por vezes, é necessário manter sigilo sobre alguns fatos, especialmente no que tange à política externa.
A filosofia é campo da verdade. E é perigoso falar a verdade. Esta foi a lição aprendida por Platão com a condenação de Sócrates à morte. Foi a partir deste momento que Platão passou a defender uma tirania de filósofos, para que seus pensamentos – e, consequentemente, a verdade – fossem protegidos. É interessante observar que também Cícero, político e filósofo, acabou seus dias na ponta de uma espada, condenado que foi à morte.
É de se reconhecer que Platão não estava pensando como um ser político ao defender a tirania, já que não era o bem comum que ele tinha em mente, mas sim a segurança dos filósofos. Montesquieu, que conhecia bem o assunto, sabia que as tiranias são condenadas porque destroem a união dos homens; isolando uns dos outros, elas buscam destruir a pluralidade humana. No entanto, o caso ilustra adequadamente o antagonismo existente entre filosofia e política, antagonismo decorrente, em grande parte, da diferença de objetivos entre eles (verdade e bem comum).
Ao contrário do que imaginam os assessores dos Governos e os responsáveis pelo marketing e pelas relações públicas, não é porque o político nem sempre é obrigado a dizer a verdade que suas atividades devam ser constantemente protegidas por mentiras deliberadas, a não ser que tenham objetivos muito específicos.
De Gaulle propagou, durante a Segunda Guerra, a ideia de que uma França livre lutava contra a Alemanha. Mas é fato bem conhecido que a França havia sucumbido e que os franceses, em larga maioria, não estavam lutando contra os Nazistas. O certo é que mesmo a teoria política, muito afeita à teoria dos meios e fins, admite em pouquíssimos casos a mentira deliberada, mesmo assim em condições extremas.
O que se percebe com essa pequena mentira contada pelo Governo acerca da estadia da Presidente em Portugal é que a mentira deliberada passou a ser utilizada, indiscriminadamente, como prática corrente; foi incorporada à cultura de governo. Nas últimas décadas, parece ter havido uma grande extrapolação dos já discutíveis parâmetros maquiavélicos – em que a exceção da verdade tinha motivos e condições bem estabelecidas – para um absoluto descaso com a verdade.
Cultura vem do latim colere e tem significado bastante próximo do atual: significa cultivar, habitar, tomar conta, criar, preservar. Já no latim era utilizado na agricultura (daí vem a ideia mais forte atualmente, pois as plantas precisam de cuidados constantes para ser mantidas).
A importância das relações públicas – atualmente sob cuidado de marqueteiros – tem papel na criação deste ambiente cultural que incentiva o uso da mentira. Episódios como este, de grande repercussão, mas de baixo impacto sobre o futuro de uma País ou de um Governo, revelam que mentir se tornou prática comum e que o primado de verdade deixou de prevalecer não em razão do bem público, mas do costume de sempre moldar a realidade à conveniência dos Governos. E é bastante provável que o descrédito da política – em que o lema sem partidos das manifestações é emblemático – decorra, em parte, de a mentira ter sido incorporada como meio de ação política.
Gustavo Theodoro