Um dos fenômenos mais complexos nesta tentativa de diferenciação entre a esquerda e a direita diz respeito ao nacionalismo. Como se sabe, é causa antiga da esquerda mundial o fim dos Estados-Nação tal como os conhecemos. Já na Revolução Francesa havia sido identificado forte relação entre os Estados com a aristocracia, a realeza e o clero. O fim dos Estados prometia o fim das classes privilegiadas.
Volto a Marx, não é por gosto, mas pela influência que ele teve no pensamento dos séculos XIX e XX. Hoje ele já não é tão relevante, mas para o filósofo que pretende colocar os dias atuais em perspectiva, torna-se difícil não citá-lo. Marx não acreditava no Estado. Para Marx, a ditatura do proletariado – que seria a etapa intermediária rumo à sociedade sem classes, naturalmente alcançada com o esfacelamento do capitalismo – teria por objetivo a destruição da burocracia estatal e dos instrumentos de dominação do Estado (polícia e exército). Ainda voltarei a este ponto específico quando tratar do movimento anarquista no futuro. Registre-se, no entanto, a informação de que, para Marx, a ditadura do proletariado dispensaria a existência do Estado.
Na sociedade utópica descrita por Marx, o nacionalismo seria tratado como uma doença ou como um substituto da religião como o ópio do povo. No início do século XX, havia diversas correntes marxistas, algumas das quais propunham uma releitura da obra de Marx, condescendendo com a existência do Estado desde que ele fosse democrático, igualitário e garantisse que fossem satisfeitas as necessidades básicas do homem. Eram os sociais-democratadas aparecendo para o grande público. Na visão deste novo grupo político, era admitido o Estado uma vez que a aplicação das teorias marxistas não seria tão radical.
Os conservadores, em geral, sempre foram fortemente vinculados às tradições e à herança cultural recebida. Só por isso era, para eles, inaceitáveis teses que propusessem a extinção dos Estados-Nação.
Ou seja, no início do século XX, o quadro se apresentava da seguinte forma: os conservadores eram nacionalistas-patriotas, os sociais-democratas admitiam a existência do Estado e os comunistas e anarquistas clamavam por um mundo sem Estado e sem pátria. Como a social-democracia angariou apoio de boa parte da esquerda europeia, foi contra ela que se voltaram os comunistas.
Lenin, ainda durante o ano de 1917, dada a grande influência menchevique neste ano, escreveu com escárnio que todos os sociais-patriotas (não riam) são agora marxistas. Sim, a renhida guerra de opiniões dividia os corações. Foi essa divisão que levou os comunistas alemães, em 1932, a não apoiar os sociais-democratas, abrindo espaço para a tomada do poder pelo Nazismo.
O mundo sem Estado e sem pátria ensejou até o surgimento um hino à união dos povos, a tão celebrada Internacional Socialista. O mundo novo que emergiu da queda do muro de Berlim provocou um terremoto nos tão estáticos conceitos formulados no início do século passado. É certo que já se via sinais de confusão entre os grupos, visto que liberais defendiam a redução de barreiras comerciais e grupos de esquerda defendiam a estatização de empresas privadas (nada menos marxista do que isso).
É neste mundo do avesso, órfãos de tradição e continuidade, que devemos nos guiar tal como cegos de ideologias. É como se aqui nos tivessem colocado sem nenhuma herança pretérita. Sim, o jogo que se pratica atualmente é outro. A direita, liberal, ainda se diz nacionalista e patriota, mas costuma aprovar a desnacionalização das empresas (ainda que seja mais xenófoba, mais resistente à presença do imigrante estrangeiro). Já a esquerda, que por séculos rejeitou o Estado, o nacionalismo e o patriotismo, agora inverteu totalmente sua posição, sendo forte defensor da ação do Estado na economia, inclusive com a propriedade dos meios de produção. Mais surpreendente ainda é que os empregados das empresas públicas estão hoje no lugar que antes era ocupado pelos burgueses da literatura marxista.
Não quero me alongar no assunto. Não poderia, no entanto, deixar de fazer uma pequena provocação com relação à reedição da pátria de chuteiras, tão cara ao movimento militar, que se utilizou da Copa de 1970 para reafirmar a força do regime. Ora, militares são mesmo nacionalistas e não chega a surpreender essa postura.
Há desde o ano passado um movimento nas ruas, filho das manifestações de junho de 2013, que se identifica pelo slogan “não vai ter Copa”. É uma reação contra os gastos incorridos na construção de estádios e nas diferenças entre as exigências da FIFA (o chamado padrão FIFA) e o nível dos serviços públicos fornecidos pelo Estado. Os partidos de esquerda reagem contra esse movimento como se ele fosse contra o Brasil ou como se ele torcesse pelo quanto pior melhor. E para defender a realização da Copa no Brasil se utiliza dos mesmos argumentos a que os militares recorreram. Haja intérprete para entender essa realidade. Já estou considerando que exigir alguma coerência dos grupos políticos contemporâneos é vício inútil de quem se apegou à lógica como referência para o pensamento.
Gustavo Theodoro
Bom post meu amigo…
Obrigado.