A dissociação entre verdade e política se reflete, também, na dissociação entre filosofia e política. A filosofia foi marcada, desde de a antiguidade, por um sentimento de desconfiança da política pelos filósofos. A morte de Sócrates marca o momento em que os filósofos perceberam os riscos que corriam.
Sócrates foi condenado à morte em razão da livre atividade de pensamento que exercia. Como incitava o debate com o objetivo mais de provocar dúvidas que certezas, os tribunais de Atenas julgaram que ele desencaminhava a juventude. Platão, que era seu discípulo, passou a insistir em um modelo político que tinha os filósofos como tiranos, pois – assim ele pensava – só dessa maneira os filósofos poderiam prosseguir em sua busca pela verdade. Para Platão, não era o gosto pela política que levariam os filósofos a praticá-la. O que estava em jogo era a própria segurança física.
O episódio é importante para ilustrar que, se é fato que os políticos não são bons filósofos, é igualmente de se esperar que os filósofos não sejam bons políticos. Quase parafraseei Kant, que dizia que não é de se esperar, nem é desejável, que os reis filosofem e os filósofos reinem.
Heidegger foi um dos maiores filósofos do século XX, influenciou mais de uma geração e ainda hoje é muito lido e estudado. No entanto, quando resolveu participar da vida ativa, quando buscou seu espaço na esfera política, associou-se ao Nazismo, filiou-se partido e foi Reitor da Universidade de Freiburg entre 1933 e 1934.
Assim como políticos têm dificuldades com a filosofia – até pela falta de familiaridade com a verdade -, filósofos têm dificuldades com a política, talvez por desconhecimento da vida prática. Além disso, nunca se pode esquecer que a atividade política exige compromissos, com consequente redução da liberdade que caracteriza a atividade do filósofo. Na descrição de Schopenhauer, o verdadeiro filósofo vive perigosa, mas livremente (Gefährlich, aber frei).
Fernando Haddad, Prefeito de São Paulo, é Doutor em Filosofia. Político e filósofo, talvez para desafiar a experiência histórica. Apesar de elogiado em pequenos círculos intelectuais, já apresenta taxas de aprovação muito baixas. Não é meu interesse tratar disso. Interessa-me mais seu modo de pensar, descobrir se é possível fazer uma composição adequada entre os campos da filosofia e da política. Diversos atos dele são capazes de demonstrar que a incompatibilidade permanece presente. Ou talvez só demonstrem que filosofia talvez não seja mesmo sua vocação. Cito apenas uma frase de sua autoria proferida quando ainda era Ministro da Educação:
Há uma diferença entre o Hitler e o Stálin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Stálin lia os livros antes de fuzilá-los. Essa é a grande diferença.
Não sei se Haddad é um bom político. Mas estou certo de que quem profere uma sentença como essa jamais será um grande filósofo.
Gustavo Theodoro