Conforme observamos no post anterior, mesmo na ciência o acesso a verdade é mediado pelo mundo das aparências. E a falta de acesso à verdade é que torna possível que opiniões e fatos verdadeiros se tornem indistintos de opiniões e fatos falsos.
É corriqueiro notar que o debate político, ao mesmo tempo que tem se profissionalizado, tem também empobrecido. E está empobrecido a ponto de fazer sentido perguntar se os termos direita e esquerda na política ainda fazem algum sentido.
O debate na imprensa americana, por exemplo, se mostra a cada dia mais centrado em questões periféricas daquela sociedade, enquanto os temas tradicionais da política são deixados em segundo plano.
No Brasil ocorre situação similar, mas com muitas particularidades. A todo momento surge uma questão supostamente nova que mobiliza os debates. Nestes últimos anos vimos isto acontecer diversas vezes: fome zero, bolsa família, etanol, modelo de exploração de petróleo, autossuficiência da produção de petróleo, extradição de terrorista/ativista italiano, cotas raciais, comissão da verdade, médicos cubanos, as manifestações de junho, ENEM, aborto, privatizações, “rolezinhos”.
Em todas estas discussões aqueles mais afinados com a esquerda ou com a direita (posteriormente tratarei da definição destes termos com mais apuro) imediatamente tomam seus postos e inicia-se o combate, cada um defendendo os argumentos de seu time ou facção.
Para a maioria dos pensadores, o conhecimento congrega um conjunto de pensamentos coerentes em que, inicialmente, parte-se da parte para o todo e, uma vez formulada a teoria, resolve-se questões relacionadas às partes pela teoria geral.
Em analogia com a ciência, foi com a queda de uma maçã que supostamente foi extraída a ideia da gravitação universal de Newton. Uma vez criada a teoria, ela poderia descrever o movimento de diversos astros celestes.
No entanto, nem todos concordam que esta regra que claramente se aplica às ciências naturais poderia se aplicar, também, às ciências humanas. Edmund Burke, por exemplo, dizia que são as circunstâncias que fazem com que qualquer plano político ou civil seja benéfico ou prejudicial para a humanidade. Para Burke, portanto, pelo menos no que se refere às ciências políticas, cada caso merece uma análise em separado independentemente das formulações gerais.
É evidente que há um caminho do meio entre estas posições: há diversos conhecimentos que podem ser sistematizados, mesmo no campo da ciência política, e podem ser utilizados para formulação a questões usualmente feitas na política. No entanto, a simples localização do sujeito em seu grupo não deveria ser suficiente para formar sua opinião. Importar médicos cubanos, por exemplo, poderia, em princípio, ser providência de um governo de esquerda ou de direita. O mesmo pode ser dito, por exemplo, do bolsa-família, conforme post publicado anteriormente.
O que se quer demonstrar é que, seja nas discussões pela internet, seja nas discussões presenciais, assim que nascem, os temas ganham proporção, engrossam torcidas e esvaziam o debate político, seja por sua monotonia ou por sua irrelevância. Ambos os lados têm profissionais em formular teorias e argumentos que, ao final, todos os debatedores acabam reproduzindo. E isto resulta em uma surpreendente redução do espaço público, visto que ele é ocupado por falsas questões ou questões de importância menor.
Há quase 20 vinte anos aqui no Brasil há um embate entre dois partidos que emulam ideias muito parecidas, o PT e o PSDB, ambos camuflando posições supostamente antagônicas, mas tendo práticas similares no Governo.
É certo que este encolhimento do espaço público não se deve unicamente a este bipartidarismo sem antagonismo de ideias. Mas certamente o grito dos populares nas manifestações de junho por um movimento sem partido tem alguma relação com isso.
Gustavo Theodoro
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