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Sobre a Desonestidade

É desconcertante constatar que cidadãos de países em que se verifica corrupção sistêmica, ao visitarem países de maior grau civilizatório, tendem a se comportar de acordo com as regras do país visitado, respeitando os limites de velocidade, descartando o lixo adequadamente, aguardando nas filas e assim por diante. Logo que retornam a seus países, no entanto, voltam a jogar lixo no chão, furar filas e tentar levar vantagem onde puderem.

A pergunta que se coloca é por que a pessoa que tem capacidade de diferenciar comportamentos opta pela desonestidade em um ambiente e pela honestidade em outro. Indaga-se ainda que medidas podem ser tomadas para que a tendência à desonestidade, presente em quase todo o ser humano, possa ser moderada.

Com o advento da modernidade e a declarada “morte de Deus”, a filosofia moral viu-se às voltas com a ausência de balizas firmes para o comportamento humano. Se tudo é permitido, seria necessário estabelecer um contrato entre as pessoas para que a vida em sociedade se tornasse aceitável. Em um Estado-Nação, no entanto, esse contrato nunca é assinado, ele é tácito. A civilização nos precede e provavelmente continuará existindo diante da nossa ausência. Cumprir o contrato social, na sua totalidade, não passa de uma escolha.

Nos países em que a miséria é grande, onde a injustiça é muito evidente, a adesão ao contrato social é fraca e parcial. Disse Saint-Just que “caso se deseje fundar uma república, primeiro se deve tirar o povo da condição de miséria que o corrompe. Não há virtudes políticas sem orgulho e ninguém pode se orgulhar quando está na indigência.”

A pessoa que visita outros países, no entanto, normalmente pertence ao segmento mais educado da sociedade, à elite econômica, que percebe a injustiça social de seu país de origem de um lugar privilegiado. A explicação de Saint-Just não se aplica a ela.

Kant, diante das dificuldade impostas pelo seu tempo, utilizou a razão como lastro para a moralidade. Os sentidos nos dão conhecimento parcial da coisas tais como elas são. A liberdade dos regimes republicanos nos leva à necessidade de pensar. O pensamento, segundo Kant, nos levaria a identificar o “valor moral” das ações, de modo que a “vontade da razão” passaria a ser identificada com dever moral. “Quem quer os fins quer os meios“. Isso vai além do que propôs Rousseau: “o povo, submisso às leis, deve ser autor delas“. Os imperativos categóricos decorrem do poder do pensamento, que identifica a conduta que “eu possa também querer que minha máxima se torne uma lei universal“.

Isso é muito mais do que seguir um contrato, é escrever um contrato unilateral, fundado no valor moral das ações, em que não há prevalência dos fins sobre os meios. É um nível tão alto de rigor moral que os filósofos modernos buscam moderar essas teses, de modo que seja possível conciliar o imperativo categórico com, por exemplo, a segurança pessoal, mas também com a natureza precária e ambivalente de nossas vidas.

A teoria econômica tende a enxergar o homem como o indivíduo sempre pronto a maximizar seus ganhos. Se há vantagem no comportamento desonesto, sendo o risco pequeno e o ganho alto, a previsão dessa teoria é de que a desonestidade seria predominante. Essa visão unidimensional leva a teses de que o único remédio para esse mal seria aumentar o risco da desonestidade ser observada e a magnitude da punição.

O fracasso dessas políticas, quando aplicadas isoladamente, é evidente. A guerra ao tráfico, o combate ao contrabando de cigarros e até mesmo as estratégias de combate à sonegação fiscal são exemplos disso. A Receita Federal Americana (IRS) aumentou o número de auditorias realizadas no início dos anos 2000, mas o valor sonegado não se alterou; manteve-se em torno de 15%.

Kant pode ter sido excessivamente otimista com relação à racionalidade humana. No entanto, as simplificadoras teses de combate a impunidade e aumento de penas, ainda que no Brasil a impunidade seja alta, não darão conta da tarefa de produzirmos um ambiente de maior honestidade e, consequentemente, respeito ao próximo. Uma das discussões interessantes do século – ah, esses teóricos! – diziam respeito à diferenciação entre cultura e civilização. Podemos ser capazes de aprender regras sociais, comportarmo-nos bem à mesa, ou seja, sermos civilizados, e ainda assim não sermos capazes de criarmos uma sociedade que se pudesse viver em acordo com um “valor moral” nos termos kantianos.

As modernas pesquisas comportamentais revelam que o homem é mais do que um conjunto de interesses próprios. A forma como nos vemos é importante. O auto-engano é um mecanismo de defesa que utilizamos para justificar comportamentos no limite da desonestidade.

“Eu ultrapassei a velocidade permitida para não chegar atrasado ao trabalho”; “Deixei de declarar o imposto porque o Governo não faz uma aplicação adequada dos recursos”; “Não respeitei a fila, pois meu caso era urgente”. São justificativas comuns que se suportam no auto-engano. A curva clássica da desonestidade informa que as pessoas cometem pequenas desonestidades para obterem pequenos prêmios. Há um patamar em que o freio moral é acionado e que, mesmo com o aumento do prêmio, o comportamento desonesto não aumenta. Se o prêmio continua crescendo, o comportamento desonesto, em regra, volta a crescer.

A força que atua no patamar em que o auto-engano não se aplica é a que guarda relação com as teorias morais. É essa força que merece ser estudada.

A literatura apresenta algumas boas sugestões que vão além do aumento da chance de ser pego e das punições. Uma das sugestões está no incremento da educação, que faz reforçar os mecanismos de recompensa internos. Outra tem relação com a identificação dos auto-enganos mais comuns em cada área de atuação. O estabelecimento de códigos de ética e sua rememoração constante – por meio de assinatura de termo de compromissos, por exemplo,- também têm seu papel.

Não é possível prever qual o tempo necessário para tornar um país culturalmente desenvolvido, a ponto de seus cidadãos se sentirem internamente recompensados por suas atitudes corretas. No entanto, um passo importante nessa direção passa pelo reconhecimento da complexidade ligada ao comportamento honesto e pela refutação das teses que nos identificam com o homo economicus. Tornar acessível em linguagem clara temas sobre os quais velhos filósofos já refletiram também pode ajudar. Espero ser capaz de dar pelo menos essa contribuição.

Gustavo Theodoro

Honestidade Intelectual

Em tempos de guerra, a primeira vítima é a verdade. Ocorre que a humanidade parece sempre estar em guerra, visto que a mentira e a manipulação raramente deixam de ser observadas. Em qualquer período histórico que se escolha, a verdade teve imenso trabalho para vir à luz.

Muito disso de deve aos que tendem a aderir a pessoas ou ideias e, ao invés de aplicar seu julgamento com independência, passam a dispor de sua razão, sua energia e sua inteligência para defender um dos lados da polêmica, mesmo que, para tanto, seja necessário abrir mão da lógica e da coerência, ou, em outras palavras, de sua própria razão.

Voltando os olhos para o passado, percebemos como, em tempos de grande divisão, poucos foram os que deixaram de sucumbir às opiniões que os cercavam ou aderiram a caminhos questionáveis. Heidegger, o grande filósofo de Ser e Tempo, raramente deixa de ter lembrada sua  breve adesão ao Nazismo. Sartre, com sua grande capacidade de pensar e escrever, parece nunca ter tomado boa decisão no campo política, apoiando o Stalinismo em seus piores momentos, assim como Mao, para depois desfilar com Fidel, dentre outros. Sua lista de más escolhas não é pequena.

O século XX é repleto de exemplos de situações extremas que levaram intelectuais a relevar fatos para manterem suas crenças. Stálin tem seus defensores até nos dias atuais, mesmo com as comprovações do holocausto ucraniano pela fome, dos assassinatos em massa de oficiais poloneses, dos julgamentos forjados, dentre outras atrocidades cometidas pelo ditador. O paralelo no Brasil, ainda que fornecido em tintas menos vivas, pode ser tratado a partir da análise dos governos de esquerda dos últimos anos.

Havia indícios de que o Governo Lula não seria regido pela ética. Já em 2003, houve uma corrida de empresários tentando financiar um dos filhos do Presidente. Daniel Dantas injetou dinheiro na Gamecorp, mas foi uma companhia telefônica que fez os lances mais altos. Os fatos já estavam lá, noticiados à época. Alguns levantaram sobrancelhas. Mas a maioria relevou os maus indícios.

Em 2005, no mensalão, Duda Mendonça reconheceu que recebeu milhões de dólares em paraísos fiscais. Parlamentares foram comprados para votar com o Governo. De lá para cá, a número de provas dessa falta de comprometimento ético só fez aumentar. E mesmo assim, nossos intelectuais, assim como os intelectuais europeus da época da guerra fria, recusaram-se a referendar as críticas. Pelo contrário, comportamento ético, assim como no período stalinista, passou a ser descrito como “moralidade burguesa”.

Os freios mentais que deságuam nesse comportamento são bem conhecidos. Primeiro, são esgrimidos os argumentos mais elementares, de que criticar o lado em que se está favorece o outro, como se o mundo fosse assim, dual e simples. “Fiquemos quietos, renunciemos a nossos parâmetros éticos, pois senão a direita volta.” Depois, aparecem as tentativas de racionalização, envolvendo ideias de igualdade, crescimento e desigualdade social. Na prática, são argumentos equivalentes àqueles menos elaborados: “ele rouba, mas faz”.

Fazer críticas a questões centrais implica desfazer os próprios laços sociais que sustentam esses intelectuais. Todos aqueles por quem o intelectual tem estima estão deste lado. A frase de Hemingway “Quem estará nas trincheiras ao teu lado? ‐ E isso importa? ‐ Mais do que a própria guerra” é constantemente ecoada, sem que cada um perceba o quanto isso revela, do quanto se está abrindo mão para permanecer ligado aos seus.

O caminho da ruptura não é alegre e acolhedor, evidentemente. Albert Camus perdeu seus melhores amigos quando rompeu com o stalinismo. Mantendo-se como um pensador de esquerda, não foi aceito em nenhum círculo. George Orwell jamais abandonou a esquerda. Mas o testemunho dele dos acontecimentos na Guerra Civil Espanhola, em que os comunistas sabotaram o movimento republicano, os levaram a questionar o totalitarismo soviético.

Apesar de sua formação clássica, na esnobe Eton, de sua origem abastada, Orwell jamais se deixou corromper. O período na Birmânia o levou à abandonar a vida economicamente estável de funcionário da Coroa. Viveu do que escrevia e por toda vida teve dúvidas se teria dinheiro para pagar o jantar. Ao escrever sobre sua experiência na Catalunha, perdeu quase todos os seus amigos na esquerda. Como nunca suportou a superficialidade e a ignorância da elite, nem o autoritarismo fascista, seu isolamento sempre esteve presente.

Esse é o destino que todos tentam evitar, mas é alto o preço intelectual a ser pago. É provável que estejamos testemunhando, aqui no Brasil, uma virada na opinião pública. Gradualmente percebe-se uma literatura de direita disponível nas livrarias, jornais e programas de rádio se oferecem para esse público. Com o Governo Bolsonaro eleito, já se percebe que suas falhas e desvios éticos tendem a ser relevados em nome de se “evitar a volta do PT”. A conferir. Como vimos, é alto o preço da honestidade intelectual. E nem todos estão disposto a pagá-lo.

Gustavo Theodoro

 

Perder é Ganhar

A Itália luta para controlar o déficit público. Foi possível limitá-lo em 2,4% para o ano que vem. Aqui vemos os candidatos brigando muito para ser presidente. Tenho dúvidas das razões. Será que eles sabem o que os esperam?

Lembro que o PT, ao receber o Governo de FHC, disse ter recebido uma “herança maldita”. Mas vejam, o superávit primário em 2002 ficou em 4,4% do PIB. Superávit, repito. O custo da previdência estava em torno de 5% do PIB. Hoje a situação é muito pior.

O déficit primário está em 1,9% do PIB. O déficit nominal projetado para 2019 está em quase 7% (a Itália foi admoestada pela União Europeia por seu déficit de 2,4%). Nossa dívida pública pode chegar a 100% do PIB em dois anos. O bônus demográfico está no fim. O gasto previdenciário deve chegar a 8,5%.

Haddad prometeu isenção do IRPF para os que ganham até cinco salários mínimos. São mais 70 bilhões, para se somar ao déficit de R$ 170 bilhões. Paulo Guedes disse que vai arrecadar R$ 1 trilhão vendendo estatais. Zaina Latif designou esse número como o maior “terreno na lua” dessas eleições. O posto ipiranga não tem ideia de como funciona a máquina pública.

O clima das eleições está acirrado. E o próximo governante terá que fazer um rigoroso ajuste. O Ciro mentiu para vocês: não gastamos 50% com juros, mas 4,4% líquido. Não é esse nosso calcanhar de Aquiles.

Se o presidente eleito não fizer o ajuste, terá que seguir por algum caminho heterodoxo, seja pelo caminho do keynesianismo brasileiro (aumenta o gasto público a qualquer preço que o crescimento futuro nos devolverá recursos), seja pela inflação, seja pelo calote nos detentores de títulos públicos (aplicadores em tesouro direito e fundo DI), seja pela maquiagem das contas públicas (como as pedaladas fiscais), ou, não duvido, pela criação de um imposto exótico (o imposto sobre o spread é um ótimo exemplo disso).

Conclusão. Se 2014 já era uma boa eleição para se perder, a de 2018 a derrota deveria ser perseguida com afinco por todos. Acho muito difícil que o próximo governo não fracasse. Vamos torcer para nossa democracia resistir a isso. E dar uma boa conferida no nome dos candidatos a vice-presidente.

Gustavo Theodoro

Jabuticabas Tributárias

As propostas tributárias dos dois primeiros colocados nas pesquisas, Bolsonaro e Haddad, são temerárias. Bolsonaro diz que não entende do assunto. Do Paulo Guedes vazaram estudos de uma CPMF que substituiria outras contribuições e da adoção de alíquota única de Imposto de Renda para pessoas físicas. Além da proposta, presente em quase todos os programas, de unificação dos impostos sobre consumo em um Imposto Sobre Valor Agregado.

A ideia da CPMF parece muito pouco desenvolvida e já foi aparentemente descartada em tweet do próprio candidato. Mas o simples cogitar da adoção de um imposto tão ruim como a CPMF, que é cumulativo, com características regressivas (cobra mais de quem tem menos), já é má notícia. Ciro também andou falando do assunto, mas depois passou também a se conter. Voltaram atrás, mas foi uma sinalização negativa do grau de amadurecimento das propostas do candidato líder das pesquisas.

A alíquota única do IRPF vai contra a discussão que está sendo feita por quase todos os candidatos, que já diagnosticaram que precisamos de impostos que tributem riqueza e não apenas salário e consumo. Ao adotar alíquota única, sem faixa de isenção (isso ainda não ficou claro), haveria prejuízo para os mais pobres. A progressividade no imposto sobre os dividendos compensa parte do problema – já que rico mesmo no Brasil não recebe salário -, mas não todo.

Haddad também não fica atrás nesse quesito. Nossa economia apresenta um problema bastante complexo envolvendo o tamanho da taxa de juros. Economistas sérios se debruçaram sobre o tema nos últimos anos e alguns, como André Lara Resente, têm propostas consistentes, porém de operação complexa, exigindo alteração de uma série de regulações.

A proposta do Haddad é criar um novo tributo sobre o spread. Isso mesmo. Para baratear o crédito, ele propõe criar um novo tributo para onerar os empréstimos concedidos. Alexandre Schwartsman escreveu uma coluna sobre o assunto que revelou o óbvio: a criação do novo imposto tornará o crédito ainda mais caro.

Outro exotismo da proposta do PT é a criação de imposto sobre exportações, de natureza regulatória, seguindo, acreditem, o modelo argentino. A ideia seria limitar as flutuações de preço em face do câmbio e do valor das commodities. É consenso há pelo menos 50 anos entre os países desenvolvidos que não se exporta imposto. Colchão para variações cambiais se faz como reservas cambiais.

O Imposto Sobre Grandes Fortunas é outro tema populista que consta do programa do PT. Populista pois bilionário não se deixará tributar; Terá patrimônio no lugar do mundo que lhe oferecer menor tributação. A mobilidade é grande nesse faixa. Logo, tende a ser um imposto que acabará por onerar apenas quem economizou dinheiro de salário e tem pouca capacidade de mover seus recursos para fora do país.

A CPMF também está lá. O objetivo do PT é resolver o problema fiscal pela receita, e não pela despesa. Está explícita a ideia que aumentar a carga tributária.

A liderança dos dois candidatos indica que, se um dos dois for eleito, teremos um 2019 de fortes emoções. Não vejo como essas opções que vocês estão escolhendo podem nos levar a um lugar melhor do que estamos. Será que ainda teremos saudades da normalidade institucional e democrática do período Temer?

Gustavo Theodoro

Justificativa de Voto

Independentemente de eventuais oscilações nas pesquisas eleitorais, meu voto segue na Marina Silva. Vou seguir explicando o porquê.
 
Em todos os meus escritos, sempre destaquei a importância do Bolsa Família. Há algumas décadas, os que defendiam políticas públicas universais eram de esquerda, os que defendiam políticas focalizadas, só para os grupos que precisam, eram de direita.
 
Estranhamente, foram Governos de esquerda, FHC e Lula, que criaram o que acabou tendo esse nome de Bolsa Família. À Ricardo Paes da Barros é atribuída a paternidade do Bolsa Família. Elaborador de políticas públicas de grande capacidade, Ricardo Paes de Barros está na equipe de Marina.
 
O candidato à Vice-Presidente, Eduardo Jorge, é outro colaborador de destaque. É identificado como um dos responsáveis pela existência do SUS, por sua atuação como deputado constituinte. É autor da lei dos medicamentos genéricos, vencendo imensa resistência da poderosa indústria farmacêutica.
 
André Lara Resende foi um dos formulares do Plano Real, que pôs fim à inflação no Brasil. Além disso, é o economista responsável pelos melhores insights dos últimos anos, afastando-se com precisão e imensa erudição dos ortodoxos, sem aderir aos heterodoxos, compreendendo os fenômenos contemporâneos ligados aos juros, à inflação, à moeda e ao crescimento econômico. Difícil pensar em autor brasileiro vivo mais importante do que ele (sim, eu li os seus livros).
 
Ele foi autor de um artigo que balançou a ortodoxia econômica brasileira ao questionar o papel dos juros altos aplicados pelo BC e relacionando esses juros, de algum modo, à inflação futura, no sentido inverso ao usualmente considerado pela ortodoxia. Não, não tem nada a ver com o voluntarismo de Dilma, que baixou os juros e turbinou os gastos, encomendando inflação, o que, ao fim, nos trouxe ao lugar que estamos hoje. Para completar ainda há a genialidade de Eduardo Giannetti.
 
Política é, antes de ideias, feita por pessoas. E nesse campo a equipe de Marina é imbatível. Compare com os demais candidatos. Não deixe os institutos de pesquisas decidirem por você.
Gustavo Theodoro

Declaração de Voto

O mundo voltou a uma fase de grande crescimento econômico. Depois dos 3% do ano passado, os indicadores americanos levarão o crescimento econômico a patamares superiores. O Brasil está perdendo este momento, consumido por suas divisões internas.
Crescimento resulta, inevitavelmente, em uma fase de ajuste, que normalmente é evidenciado pelo estouro de alguma bolha. Talvez isso ocorra já em 2019, pois os ativos tiveram disparada nos preços mundo afora. Junto com isso, o endividamento do setor privado subiu muito. A bolha pode estar escondida aí.
Enquanto isso, o orçamento enviado projeta um déficit nominal de 6,3% para 2019. Apenas 4,4% são juros. Sim, Ciro Gomes disse que juros eram 50% de nossas despesas, mas, como é seu hábito, isso não é realmente verdade. Logo, algum ajuste será cobrado da sociedade, seja pela despesa – reformas em geral – seja pela receita – mais impostos – ou pelo mercado, por meio de calote ou inflação.
Em um cenário pacífico, já teríamos um ano de 2019 difícil. Se houver algum ajuste internacional, a situação será ainda mais grave. Se tivermos um cenário de conflagração pós-eleitoral, vejo poucas possibilidades de saírmos bem disso.
Pela comparação entre os programas de Governo, pela assessoria econômica, pelo discurso repetido de paz neste momento de divisão, ainda que tenhamos diversas divergências de ponto de vista, anuncio que votarei em Marina Silva nessas eleições.
Os pontos de convergência compensam amplamente as divergências, como a proposta de progressividade dos impostos sem aumento da carga tributária, ajuste na forma regressiva com que os serviços são devolvidos para a sociedade, visão sustentável da produção e do setor agropecuário, em especial na questão energética, visão social-democrata com liberdade econômica, mas não privatista do Estado, valorização do serviço público com combate a privilégios inaceitáveis, dentre outros.
Logo, de hoje em diante, considerem meus posts a partir deste ponto de vista. Prometo escrever um texto mais aprofundado sobre juízo e razão.
Gustavo Theodoro

Responsabilidades Coletivas

Vou me juntar à multidão de psiquiatras que invadiu o Facebook nos últimos dias e dar meu veredito sobre Adélio, que tentou matar o Bolsonaro.

Li seus escritos e achei confusos, como boa parte do que leio nas redes sociais. Na audiência de custódia, Adélio me pareceu bem articulado e sem nenhum traço de transtorno psiquiátrico.

Um dos principais objetivos da perícia médica é determinar se o autor do crime é capaz de entender que seu comportamento é socialmente reprovável. Ou, em palavras mais simples, se o criminoso entende que é errado o que ele fez.

Adélio, na audiência, evita qualificar claramente seu ato. Ao invés de tratar por facada, ataque ou tentativa de homicídio, ele prefere os termos “incidente” ou “imprevisto”. Psicopatas em geral não costumam exibir esse tipo de pudor. Ele parece entender que seu ato é reprovável.

Os remédios que ele tomou na vida são anti-depressivos comuns (o que ele citou é até bastante antigo), que considerável parte da população brasileira consome. De resto, ele pareceu coerente e articulado. Louco ele não é, conclui o eu psiquiatra.

As motivações são, ao que parecem, políticas. Isso não quer dizer que o PSOL – partido a que ele foi filiado por sete anos – ou a ideologia de esquerda o tenha levado a isso. A responsabilidade nunca é coletiva, seja pelo adolescente das comunidades que resolve cometer um crime, seja pelo museu que se incendeia. Cada um é responsável pelos seus atos. Ele que responda pelo seu crime e cumpra sua pena.

Gustavo Theodoro

Lugar de Fala

Abandonar os valores universais, procurando sempre identificar a origem das ideias antes de apoiá-las ou combatê-las, certamente levará quem assim age a comportamentos incoerentes.

A filósofa feminista Avital Ronell foi acusada de assediar sexualmente seu aluno Nimrod Reitman. Em tempos de #metoo, o resultado de algo assim seria bem conhecido: o acusador celebrado, o acusado afastado, banido ou aposentado. Mas eis que desta vez a acusada é conhecida de celebridades intelectuais como Judith Butler e Slavoj Zizek.

Sendo assim, esse caso desenvolveu, subitamente, um roteiro diferente. Cinquenta intelectuais escreveram uma carta de apoio a Avital Ronell, em termos que teriam sido motivo de execração pública se os papéis fossem invertidos. Destaco um trecho:

“Somos testemunhas do caráter e do comprometimento intelectual de Ronnell e pedimos que ela seja julgada de acordo com sua reputação internacional”. Imagine quem ousasse pedir que Kevin Spacey fosse julgado “de acordo com sua reputação internacional”?

Apesar dos apelos, a NYU, universidade onde Ronell leciona, resolveu afastar a professora como resultado da investigação interna, após concluir que seu comportamento foi “fortemente invasivo”. A professora atraiu o aluno para seu quarto e tentou beijá-lo. Utilizava, em e-mails, termos como “meu bebezinho fofo”, “meu lindo Nimrod”, e dizia só orientá-lo se seus pedidos fossem atendidos. Optou-se por não utilizar neste caso o termo “assédio sexual”.

Gustavo Theodoro

Fatos e Versões

O que tomamos como um fenômeno local, a divisão face às opiniões políticas das pessoas, é, na verdade, um fenômeno global. Vozes possivelmente potencializadas pelas redes sociais, cujos clicks e curtidas são vistas sintoma de sucesso, tendem a empurrar a opinião pública para extremos, reduzindo o espaço para o diálogo e aumentando o clima de animosidade entre cidadãos, eleitores, pessoas enfim.

Espanta, no entanto, que sintomas de sociedades totalitárias estejam presentes num mundo tão diferente. Nos tempos do totalitarismo, a verdade era sempre fugidia, as versões mudavam de acordo com as circunstâncias. Lembremos do Regime Soviético: Trotsky passa de líder revolucionário para traidor da revolução em poucos anos. Os fatos antes glorificados passam a ser vistos como sintoma de comportamentos reprováveis.

Lembremos da distopia de George Orwell, seu sufocante mundo controlado de “1984”, cujo regime havia compreendido que “quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado”. Tarefa das mais necessárias em regimes assim é dos responsáveis por reescrever a história, de forma a adaptá-la à conveniência do regime.

No início da guerra fria, os políticos de todo mundo tomaram conhecimento de que uma guerra nuclear poderia por fim à existência humana na terra. Líderes do partido soviético, no entanto, defendiam internamente que um ataque aos EUA colocaria fim apenas no país americano, em clara dissimulação da verdade, o que colocava em risco toda a nossa civiliação.

Esse fenômeno retira dos debates a opinião sobre as coisas, e os próprios fatos passam a estar em questão. Vejam recentemente a questão de Trump e a separação de crianças imigrantes. Nem é necessário tanto esforço para obtermos informações de que a prática existe há mais de uma década nos EUA, mas só nos últimos meses virou efetivamente política de estado. Como a condenação foi geral, os apoiadores de Trump começaram a disseminar que nada havia mudado sobre Trump.

Veja que Trump poderia ter mantido a separação das crianças e dizer que a culpa é da justiça e de quem imigra, ou mesmo tomar para si a ingrata tarefa de defender a medida (isso é política, defender posições). Mas ele preferiu revogar a ordem executiva. Mesmo assim, seus apoiadores seguem disseminando informações de que Obama fazia o mesmo. É certo que havia casos de separação de pais e crianças no Governo Obama, assim como é certo que o número de separações disparou nos últimos meses.

Hannah Arendt via nessa forma de debater uma herança dos tempos de totalitarismo. Escreveu ela lá na década de 1950: “A questão não está nas diferenças de opinião e convicções básicas, nem nas dificuldades concomitantes de se chegar a um acordo, mas na impossibilidade muito mais atemorizante de se estar de acordo quanto aos fatos”.

E testemunhamos os mais diversos exemplos dessas dificuldades, como as divergências sobre a correta qualificação do impeachment de Dilma Rousseff, as diferentes formas de se posicionar sobre o processo que levou à condenação de Lula, sobre a reforma trabalhista – atualizou nossa legislação ou significou o fim da CLT-, o debate sobre a necessidade da reforma da previdência, etc.

Sobre a previdência, há candidatos que negam até mesmo haver problemas, outros criam realidades paralelas, citando dado falso de que a dívida pública consome 51% de nosso orçamento. Ou seja, nem números objetivos sobrevivem a esses tempos. O espaço das opiniões deixa de existir, e com ela também a possibilidade da política.

Marina Silva costuma dizer que nossa capacidade de conciliar é, talvez, o nosso maior ativo, mas ele tem se degradado com o tempo, engolido pelo Zeitgeist. O afastamento dos extremos talvez possa nos levar de volta à possibilidade de nós todos formarmos um país, com opiniões divergentes, com disputa, debates, plebiscitos e votos, mas com posições mais honestas. Não podemos perder de vista que construir uma civilização é muito mais trabalhoso do que destruí-la.

Gustavo Theodoro

 

Em Nome de Quem?

Dizia Roham que “os reis governam os países, e os interesses governam os reis”. Deveria, no entanto, ser natural que o interesse do Presidente da República fosse o desenvolvimento de seu país, assim como o interesse dos sindicatos dos petroleiros fosse a defesa de seus filiados e de sua empresa.

Temer, em plena greve de caminhoneiros (locaute?), que secou os postos de combustíveis do país, resolveu entregar carros (Temer foi à Porto Real-RJ para entregar de veículos aos conselhos tutelares) sem cogitar que essa atividade vincularia os carros à falta de combustíveis para abastecê-los. Na semana seguinte, com a crise ainda em andamento, pegou o avião presidencial – quando estávamos todos sem combustível – para reunir-se em São Paulo com seu advogado, preocupado que estava com o inquérito dos portos, que pode implicá-lo em uma rede de favorecimentos e propinas.

Os sindicatos dos petroleiros viram Severino Cavalcanti exigir diretoria que “fura poço e sai petróleo”, viram Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque atuarem em favor de partidos políticos, observaram Eduardo Cunha mandando na Petrobras, testemunharam as denúncias de enriquecimento de seus gerentes, viram o valor de mercado da empresa despencar ao mesmo tempo em que a dívida bruta de empresa só crescia. A empresa que faz parte do imaginário popular – o petróleo é nosso – estava ruindo e parecia ser necessário um iminente socorro de nosso combalido Tesouro Nacional.

Não se viu movimento dos sindicatos dos petroleiros. Aliados à CUT e ao PT, chegaram até mesmo condenar a Lava Jato por supostamente estar a serviço de interesses estrangeiros. Nos tempos em que a empresa era espoliada, não houve movimentos fortes em sua defesa.

Analisando o balanço da companhia, percebe-se que o valor de mercado da Petrobras se recuperou entre 2016 e 2018: saiu de R$ 125 bi para R$ 293 bi. O endividamento bruto caiu de R$ 450 bi para R$ 340 bi. A geração de caixa (ebitda) dividida pela dívida bruta foi de 0,055 para 0,247, ou seja, multiplicou quase cinco vezes, revelando grande aumento da capacidade da empresa em pagar suas dívidas (e sobreviver).

O aumento do preço internacional dos combustíveis, num cenário em que se pratica preços de mercado, valoriza a empresa e, consequentemente, seus funcionários. Logo, é no mínimo controversa a convocação de uma greve promovida pelo sindicato dos petroleiros contra tal política de preços. Evidentemente a greve fracassou, mas não deixa de ser notável que um movimento desses seja convocado contra uma política que, em última instância, favorece o trabalhador do setor. Percebe-se claramente, neste episódio, a confusão entre as filiações partidárias das lideranças sindicais e os interesses dos trabalhadores que essas lideranças representam. Os interesses partidários acabaram se sobrepondo.

O Presidente Temer, dividido entre sua falta de autoridade e as preocupações com o avanço da Polícia Federal sobre seus familiares, revelando estatura inferior ao tamanho da crise, acabou por causar um rombo bilionário no orçamento de serviços essenciais à população, criando condições para que a Petrobras regrida ao tempo dos preços administrados.

Evidente que não sou finalístico nem teleológico, não acho que o interesse coletivo deva ser colocado sempre em segundo plano frente aos interesses setoriais. Tampouco creio que o mundo deva ser guiado exclusivamente por interesses. Neste cenário, no entanto, se cada ator desses estivesse mais atento aos papeis que cabem a eles representar, a crise não teria atingido essas proporções. O fim do Governo está dado. Resta saber se Temer pretende renunciar ou se a necessidade do foro privilegiado o manterá agarrado ao cargo. Essa crise nos deu indícios sobre quais interesses prevalecerão.

Gustavo Theodoro